Vazamentos: complacência e direito agredido

Frederico Vasconcelos
Sob o título “Vazamentos indevidos”, o artigo a seguir é de autoria de Claudio Weber Abramo, Diretor Executivo da Transparência Brasil.

Membros do Ministério Público e de organismos policiais acostumaram-se, ao longo dos anos, a vazar para a imprensa o conteúdo de inquéritos que se conduzem sob sua responsabilidade.

No caso do Ministério Público, o comportamento costuma ser justificado como medida preventiva em relação à ineficiência da polícia. Os promotores que assim agem procuram evitar que investigações sejam abafadas ou morram na praia por inépcia policial deliberada.

No que diz respeito aos vazamentos oriundos da polícia, o receio é que o sigilo de investigações seja usado, seja pela hierarquia policial, seja por promotores, para a mesma finalidade.

Os vazamentos, portanto, servem alegadamente para forçar a mão do MP e da polícia.

(Juízes — a começar por ministros do Supremo Tribunal Federal — por vezes divulgam na imprensa apreciações sobre casos que transcorrem sob sua responsabilidade. Trata-se de comportamento tão inadequado quanto os vazamentos do MP e da polícia, mas que não abordarei neste momento.)

Existe em relação a isso uma complacência mais ou menos generalizada. Os órgãos de imprensa se beneficiam porque assim obtêm matérias jornalísticas que de outra forma não existiriam.

Os organismos diretamente implicados (MP e polícia) convivem com a prática porque coibi-la levaria a confrontos com corporações internas que não hesitariam em usar reprimendas eventualmente aplicadas como se fossem indício de intenções escusas de quem as aplicasse.

E o público gosta. É de fato difícil antipatizar com os vazamentos. Dada a catastrófica disfuncionalidade das instituições judiciais brasileiras de modo geral (polícia, MP, Judiciário), melhor é jogar para o público do que ver inquéritos serem desmanchados de propósito por burocracias comprometidas.

No entanto, por mais fortes que sejam as justificativas pragmáticas para os vazamentos, eles são claramente indevidos, pois levam a violações gravíssimas dos direitos básicos dos cidadãos.

Diferentemente de denúncias formalizadas pelo MP ao Judiciário e dos processos que se abrem caso as denúncias sejam recebidas (podem não sê-lo), inquéritos não são matéria de domínio público. Trata-se de investigações destinadas a apurar indícios que justifiquem uma acusação ou, então, que a desautorize.

Esta segunda possibilidade (um inquérito não produzir provas, ou produzir provas que patentemente inocentem os investigados) implica a necessidade do sigilo. É uma proteção fundamental.

Quando lemos nos jornais que a polícia investiga a possível ação de uma quadrilha de meliantes públicos e privados, apreciamos o fato de sermos informados.

Mas será que apreciaríamos do mesmo modo o noticiário caso o inquérito em questão se referisse a uma acusação criminal contra um filho, um amigo do peito ou nós próprios?

Embora formalmente uma coisa não implique a outra, aparecer na imprensa como investigado equivale, na prática, a uma condenação. O sujeito passa a ser visto como criminoso — quando pode perfeitamente não sê-lo.

Uma pergunta chave que deve ser feita em relação a esses vazamentos não é exatamente quais casos vazam, mas quais não vazam.

Quando se dá às autoridades judiciais liberdade para vazar certas coisas que interessam, confere-se ao mesmo tempo liberdade para não vazar o que não interessa.

Seria ingênuo acreditar que promotores públicos, delegados de polícia ou juízes sejam imunes a interesses escusos. Vazamentos feitos discricionariamente podem ser usados para achacar empresários e agredir adversários políticos, com o inevitável contraponto da omissão do vazamento como forma de proteção a apaniguados ou pagadores.

Entre o (altíssimo) risco de que investigações mantidas em sigilo sejam desmanchadas exatamente por serem sigilosas e o risco de agredir o direito básico da presunção de inocência, não pode haver possíbilidade de dúvida: o direito deve prevalecer.

Comentários

  1. Bom Dia Sr. Claudio Weber,
    Se é verdade que os servidores públicos são pagos com recursos publicos, ou como queira, por nós (eu tb pago impostos, na fonte inclusive).
    Quanto aos salários de membros de ONG’s/OCIP’s, seus salários não são pagos, única e exclusivamento com recursos privados, basta ver no sítio da Transparência Brasil o recebimento de recursos, oriundos de diversos órgãos públicos, vários Tribunais de Contas, bem como da própria CGU, via celebração de Termo de Parceria, verbis:
    http://www.transparenciabrasil.org.br/docs/TP-CGU-2006.pdf
    Para o cumprimento das metas estabelecidas neste TERMO DE PARCERIA, o
    PARCEIRO PÚBLICO estimou o valor global de R$ 190.840,00 (cento e noventa mil,
    oitocentos e quarenta reais), a ser repassado à OSCIP de acordo com o cronograma de
    desembolso abaixo:(…)
    Ou seja, divulgar não apenas o vosso salário, como de todos àqueles que indiretamente auferem recursos públicos deveria ser uma obrigação, senão legal, pelo menos moral, principalmente de que se autointutula Transparente.

  2. Logo a Transparência Brasil pleiteando sigilo em investigações? estranho, senão fosse o fato de que seus Diregentes divulgam apenas os salários dos outros, e não os seus, conforme post anterior desse Blog.
    Esse Sr. Claudio Weber Abramo parece que foi cooptado pelo sistema.
    Divulgue os salários dos integrantes da Transparência, bem como o próprio.
    A sociedade cobra Transparência de quem se intitulada Transparência Brasil.

    1. Prezado:

      Os motivos pelos quais, em meu entender, investigações precisam ser mantidas em sigilo estão claramente expressos na materiola.

      Quanto a salários etc., é óbvio que funcionários públicos não têm direito a privacidade quanto a isso, pois somos nós que pagamos os seus salários.

      Quanto aos salários de entidades privadas, não são pagos com dinheiro público.

      De toda forma, caso V. S. soubesse quanto eu ganho, tomaria um susto (imagino que lerá isto com o mesmo espírito que anumiu esse seu coimentário).

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