Morosidade judicial e soluções de resultado
Sob o título “A Justiça para 2013”, o artigo a seguir é de autoria de Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Tornou-se enfadonho clichê a repetição sobre a morosidade dos juízes e de que a solução seria a modernização e democratização do Poder Judiciário. Já é quase um requisito para ser nomeado ministro do STF ou para os demais tribunais superiores de Brasília que o candidato tenha um discurso afinado com essas críticas sustentadas na enganosa ideologia de que cabe ao Judiciário promover a pacificação social. Por certo que durante o ano de 2013 haverá variações sobre o mesmo tema, mas nada que realmente venha por mostrar a realidade da vida em sociedade como causa efetiva de tanta litigiosidade a ser resolvida pelo Judiciário.
Ninguém pergunta a razão disso e é nessa medida que a crítica da morosidade passa a ser superficial; e por assim ser, pois que cultivada numa “doxa” populista, ela se presta ao serviço de encobrir a verdadeira causa eficiente da demora judicial e dessa forma contribuir para sedimentar o estado de ignorância sobre a realidade da vida na sociedade contemporânea que, em última análise, gira em torno da satisfação de vaidades, dinheiro e poder.
Vivemos a era da informação, da pós-modernidade, da era das “relações líquidas”, copiando Bauman, em que produto e consumo ditam as regras para o bom viver, ou seja, tudo se transforma em produto para consumo, inclusive o próprio homem.
A partir desta premissa sociológica é fácil compreender porque o Judiciário passa a ser visto, não como um órgão público social cujo precípuo fim é buscar o justo entre as partes, mas como uma máquina, um sistema mecânico, cujo produto final é a decisão rápida e eficiente para o seu novo fim: a pacificação social!
Não é por acaso, portanto, que para um teórico paulista, doutor em ética judicante, o juiz deve ser um obreiro, um operário obrigado a produzir centenas de decisões por dia de trabalho.
Ainda em data recente, pude ouvir de um desembargador do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no calor dos debates para se decidir sobre os destinos de um réu, que era preciso que o presidente da sessão pusesse logo um fim nos ditos debates porque o dia seria longo e outros tantos processos deveriam ainda ser julgados antes que o por do sol fizesse a escuridão descer sobre o vetusto plenário.
Bem a propósito, vejamos a preciosa análise feita pelo ilustre advogado Eduardo Boccuzzi, in CONJUR, de 28.12.12:
“Vivemos hoje, no Direito, uma época de grandes números, principalmente devido ao fenômeno da concentração de empresas. Essas cresceram muito e seus números se agigantaram. Assim, temos empresas com 50.000 processos em determinada área do Direito, mais 30.000 em outra e assim por diante.
Muitos escritórios de advocacia, de seu turno, também se modificaram e cresceram para poder atender a esse novo tipo de cliente. Assim, vemos hoje inúmeros escritórios com mais de 100 advogados, estruturados exclusivamente para atender a essa massa de processos das empresas.
A concorrência entre os escritórios que se adaptaram para atuar com contencioso de massa também se acirrou sobremaneira. E, aparentemente, as empresas acham que estão tirando bom proveito disso.
A contratação de honorários junto a muitos desses escritórios se dá por um valor fixo por mês, por processo. O escritório, ao aceitar os processos, os recebe como uma mercadoria e, em sua maioria, sem qualquer análise prévia dos mesmos, enquanto que as empresas, de seu turno, miram apenas no custo por mês, por processo.
Já se escuta aqui e acolá que o escritório “X” aceitou receber R$ 10,00 ao mês por processo, outro R$ 8,00 e assim por diante. Todavia, não existe mágica: esse aviltamento dos honorários pagos aos escritórios tem como contrapartida advogados trabalhando em péssimas condições, constantes perdas de prazo com o consequente aumento do custo do seguro profissional, advogados processando escritórios para exigir direitos trabalhistas desrespeitados, altíssima rotatividade de profissionais e, mais recentemente, escritórios quebrando, quer em decorrência do atraso no pagamento dos honorários pela empresa, quer porque os honorários recebidos não são suficientes para fazer frente aos custos.
Por óbvio que se criou um discurso para justificar essa sistemática de contratação de escritórios, na qual o que importa é o preço. Com efeito, alegam as empresas que na Justiça do Trabalho, por exemplo, o empregado sempre tem razão; então, para que pagar por um profissional bem qualificado se o resultado será sempre o mesmo? Os escritórios, por seu turno, em face desse discurso, também se sentem desobrigados de mostrar bons resultados; em gíria futebolística poderíamos dizer que estão todos “cumprindo tabela”. O que importa unicamente é não perder prazo; o Direito mesmo é colocado de lado.
A situação chega a ser risível em algumas audiências, quer em Juizados Especiais, quer na Justiça do Trabalho: profissionais que se sentam à mesa de audiências sem jamais terem tido qualquer contato com o processo da empresa cujos interesses estão lá para defender”.
Eis o retrato triste da nossa realidade, isso sem falar da criminalidade já praticamente fora de controle e da superpopulação carcerária. Note-se, por exemplo, por outro lado, a busca de uma justiça sazonal, qual seja, aquela que é lembrada nos meses de janeiro e fevereiro quando desce morro abaixo o aguaceiro.
O que se tem, portanto, é uma explosão de litígios, muito embora este fenômeno nunca seja posto em mesa de debates como a razão eficiente da demora judicial.
O raciocínio a ser feito a respeito seria até simplista: Se ocorre a explosão de conflitos é porque alguma coisa está errada no convívio social. Mas, entretanto, esse pensamento entre causa e efeito é desprezado. Prefere-se a ideia superficial de que, em sendo a finalidade da decisão judicial um produto que visa à pacificação social, impõe-se que ela seja proferida rapidamente, sugerindo-se implicitamente não ter muita importância se é justa ou não, ou se há direitos e garantias constitucionais a serem observados. O que interessa é pôr fim o conflito. Mas os fatos se contrapõem à ideia: por mais rápidas que sejam as decisões judiciais, ou por mais que se criem juízos e tribunais tem se verificado que o volume invencível de feitos e conflitos de toda ordem aumenta numa desproporção alarmante.
Apela-se então, com faz o CNJ, para a conciliação judicial ou para a mediação, esta largamente empregada nos Estados Unidos, como as únicas saídas possíveis para a falsa equação “solução rápida dos litígios” igual “pacificação social”.
A história nos dá exemplos de como o fascismo italiano e, entre nós, o fascismo de Getúlio Vargas criou a Justiça do Trabalho como meio de conter os conflitos entre os trabalhadores e os patrões; ou porque não dizer também, na nossa história mais ou menos recente, a criação dos Juizados Especiais. São soluções de resultado que, todavia, não logram resolver a causa eficiente da demora judicial já que os litígios continuam a brotar do solo fértil das desigualdades sociais e da relativização dos valores ditadas pelo binômio ideológico produção/consumo.
De resto, no caso da Justiça, a ideologia da pacificação social traz a deletéria consequência do descrédito e decadência do Direito como fundamento do justo, passando ser este um mero instrumento, como quer a teoria da instrumentalidade do processo e bem demonstrada pelo ilustre advogado Eduardo Boccuzzi.
Por fim, é oportuno lembrar que em fevereiro começa a funcionar a justiça eletrônica no Estado de São Paulo. Grandes problemas surgirão com certeza, como, por exemplo, estudar na tela do computador um processo com muitos volumes.
Já ponderou um ilustre desembargador paulista, o negócio é trabalhar com duas telas: uma para exame dos elementos dos autos e outra para preferir a decisão. Ao final, contudo, aos trancos e barrancos, tudo se assentará, mas nem por isso a Justiça será mais rápida visto que as velhas questões processuais continuarão existindo, acrescidas das inúmeras que surgirão com o novo sistema informatizado. E não adianta querer lutar contra o novo senhor o computador, como fizeram os ludistas ingleses contra as máquinas no tempo da Revolução Industrial.
Acordo judicial, mediação, modernização das leis processuais, justiças itinerantes, justiças de pequenas causas, modernização da máquina judiciária com a sua informatização, estatísticas, planos de metas, prêmios de produtividade aos juízes, etc. e tal, são instrumentos autoritários de extinção rápida dos conflitos e por assim serem nada resolvem já que numa sociedade de consumo, intrinsicamente injusta, a causa eficiente de tantos litígios são, em síntese, a decadência dos valores humanos e falta de Justiça Social.
Portanto, resignem-se os juízes. Nada mudará em 2013 e nem nas próximas décadas! Sejam rápidos! É o que quer a ideologia dominante. É o que quer a sociedade. É o que quer o CNJ.
Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! As súmulas vinculantes em um Estado Democrático de Direito são “PERIGOSAS”. Acredito que: a orientação que é oriunda de outros tribunais deve servir de BALIZAMENTO, porém, jamais, de algo FECHADO. Menciono como profundamente perigoso o exemplo alemão da 2ª guerra mundial. “EXTERMÍNIO DE JUDEUS”. A CELERIDADE não deve ser induzidora desse desejo. Estados TOTALITÁRIOS com forte tendência ao apelo “OPINIÃO POPULAR”, que preconiza a “LIMPEZA”, que ensaia interferências no livre arbítrio alimentar, de costumes corriqueiros sociais, de como devem ou não votar os eleitores/as ou em quem devem votar ou não e, que se preocupa com filigranas interferindo, dá mostras de retrocesso democrático e libertário. Essas ações apenas servem para esconder os problemas reais e verdadeiros e urgentes NÃO ATENDIDOS OU RESOLVIDOS. O desembargador foi muito BEM em seus argumentos e podemos dizer que atingiu o ALVO. Cabe ao legislativo – repito – CABE AO LEGISLATIVO deixar de se OMITIR nas questões nacionais. Batemos na porta ERRADA! A porta que deve ser espancada é a do LEGISLATIVO brasileiro. De lá saem ou são aprovadas as LEIS que facilitarão ou dificultarão a VIDA dos brasileiros/as. E não adianta culpar os eleitores/as a CULPA e responsabilidade, senão o DOLO, está na frágil e atrasada manifestação do TSE e TRE’s. E na maneira de votação eleitoral brasileira. o VOTO DEVE SER FACULTATIVO. Enquanto obrigatório continuaremos MANIETADOS, coisa arbitrária. Cadê a reforma eleitoral? reforma política? reforma tributária. E, outras tantas coisas de FUNDO, de BASE! OPINIÃO!
A sociedade exige, e é seu direito, que a Justiça tenha uma razoabilidade no que tange a prazos. É inadmissível que em pleno século XXI, uma sentença leve vinte, trinta e até sessenta anos, para ter seu trânsito em julgado. Existem respostas que vão além do que simplesmente atribuir a morosidade ao rito processual. É o anacronismo e a obsolescência do sistema que vem de séculos. E poucos dentro do sistema querem realmente alterar o status quo. Um exemplo ? as vozes discordantes das súmulas vinculantes, em nome da “independência” dos Tribunais e dos juízes de primeira instância, quando se sabe que a súmula vinculante é um instrumento criado justamente para evitar reinterpretações de algo pacificado nos tribunais superiores.
Um texto muto bem escrito, traz verdades que há muito vêm corroendo o Direito brasileiro. Entretanto, penso que faltou ao articulista fazer uma ‘auto-reflexão’, pois a leitura do texto faz crer que os problemas no atraso da tutela jurisdicional decorrem única e exclusivamente a fatores extrínsecos ao Poder Judiciário, quando isso sabidamente não é verdade. O conflito faz parte da natureza humana, e se alguém é chamado para resolve-lo, deve se concentrar em como faze-lo, deixando de lado ambições pessoais, vaidade, soberba, agressividade, etc., e isso não vale apenas para o Poder Judiciário. A regra vale para todos os operadores do direito, inclusive ao MP, com algumas das suas questionáveis ‘ações’ e/ou ‘omissões’, e principalmente a OAB, que se tornou o maior ‘trampolim’ político e profissional do País.
Ótimo texto! Nessa linha, costumo dizer que a sociedade está em guerra e os tribunais são hospitais de campanha. Reformemos os hospitais, tornemo-los mais sofisticados, aumentemos o número de médicos, e, quando morrer alguém, a culpa será não está lá fora, mas sempre dentro do hospital.
Excelente artigo do Eminente Desembargador Ferraz de Arruda.
Mais uma vez o Desembargador demonstra profundo conhecimento e poder de análise. Mas, por certo, não serão poucos os que detratarão o artigo utilizando-se de ciência barata, para consumo populista.
De fato, Sr. Eembagador, queremos solucões. Rapidez no deslinde da causa. Cumprimentos de horário por muitos juízes, também ajudaria muito a eficiencia. A pacificação social, por ora está por conta do judiciário, se o judiciário não der conta, proponha ao congresso outras soluções, como por exemplo juizes temporários, juizes leigos etc. A solução dos litigios devem ser rápidos, o Brasil cresceu, o Brasil não é o Brasil dos anos setenta e nem o Brasil do século XVIII, em que o judiciário não estava obrigado a prestar contas a sociedade. A sentença, seja procedente ou improcedente poderá ser feita em uma única lauda e não em 10 ou 20 ou mais, é isso que queremos, justiça rápida, celere e capaz de solucuinar os litigos e não uma justiça que pela a ineficiencia coloca culpa nos excessos de litigos.
Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! Olá Marcelo Fortes, como vai? Sempre leio seus argumentos, entretanto, neste caso, vou discordar da retórica aplicada. Há um equívoco na solicitação pretendida. Não é a celeridade que distribui justiça muito menos distribui o direito. Juízes “LEIGOS” como costumam acontecer na “conciliação”, se muito; reproduzirão a desigualdade de maneira mais rápida, célere e com pouca justiça ou nenhuma e com o direito torto, quem aproveita; o mais FORTE! É isso! Não há ilusão sobre o tema. Apenas distribuiremos mais desigualdade – entretanto – com mais celeridade e com carinha de democracia. A conciliação só faz sentido entre IGUAIS em FORÇA ou muito próximos em PODER. No mundo real que vivemos onde IMPERA a desigualdade absoluta, é pura ilusão e ilusão midiática. É o famoso: “Me engana que eu gosto”. O texto escrito pelo Desembargador Arruda é muito próximo da VERDADE – presente – HOJE, 2012/2013. Há um empobrecimento da ALMA JURÍDICA brasileira e do que se pretende como sociedade SADIA em relações e interrelações. E isso precisa ser corrigido. A situação é típica da piada: Marido e mulher se traem e quando descobrem – a CULPA – é do SOFÁ! Então: Troque-se o SOFÁ! O conciliador apenas aponta o modelo e o preço e, estamos resolvidos. Será que isso dá certo? E efetivamente, resolve o ambiente deflagrador subjacente da traição ou à traição? Sei NÃO! OPINIÃO!
O texto do Des. Ferraz de Arruda é crítico, corajoso e espetacular. Dói não seja ele compreendido. Claro que ele não propõe que um processo se arraste por dez, quinze ou vinte anos. Mas também não podemos nos contentar com o tratamento de processos, isto é, de partes/pessoas envolvidas, como se fosse uma fábrica. Como se vidas não fossem afetadas. Dói a quem tem direito ir buscar socorro e mandarem-no transigir. Dói ter um direito e resolverem a solução em uma lauda, sem grandes explicações das razões. Direito é convencimento. Sentença bem fundamentada evita recursos, porque convence quem não tem razão e desencoraja o advogado. Dói acharem que a justiça só tem que ser rápida; não precisa ser equânime, nem, quem diria, justa… Por isso os escritórios de advocacia estão se transformando em grandes escritórios de despachantes, e as varas judiciais grandes departamentos de cobranças. Porque não se pensa mais no Direito como realização do Justo, mas sim no Direito como instrumento do Útil, que, na atual sociedade, é aquilo que dá lucro, que consome, que se compra e se vende. Justiça não é isso. É preciso que nós, profissionais do Direito, tenhamos coragem em refletir sobre o papel do Direito e da Justiça, real e ideal, e busquemos o ideal. E o texto apresentado neste blog dá uma excelente contribuição para o início de um profícuo debate, dês que desacompanhado de agressões pessoais, como a ora realizada. Atenciosamente.
Como sempre, brilhante o texto do caríssimo Des. Augusto Arruda. Parabéns!!!