Campanha pela retomada da urbanidade – 2

Frederico Vasconcelos

Em novembro, quando a advocacia estava na berlinda, alvo de críticas durante o julgamento do mensalão, a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) publicou um editorial em que propõe “recuperar o tempo da urbanidade, já há tanto perdido”. O texto vai muito além do trato nas relações pessoais nos tribunais.

Eis a íntegra da manifestação da entidade:

Editorial – Advocacia exige mais urbanidade

A Associação dos Advogados de São Paulo, entidade que se orgulha de representar mais de 91.000 profissionais associados, diante de quadro revelador de notável perda de certos valores que nos são caríssimos, nos mais diversos ambientes judiciais e extrajudiciais em que a advocacia atua, conclama a todos aqueles que integram a plêiade de partícipes da administração da justiça e de outros poderes de Estado à instituição de um novo tempo na história de nossas relações.

Já não são incomuns as ocorrências de destrato dos profissionais da advocacia por autoridades constituídas.

Assistimos, perplexos, a episódios de humilhações públicas, em que são verificadas críticas desnecessariamente acerbas, manifestações jocosas, jurisdição ameaçadora contra o regular exercício de direito processual, agressões verbais e até mesmo físicas, sugestões de desvio de conduta, sem qualquer demonstração efetiva da procedência de tais acusações, entre outras claras medidas de perda da noção de respeito que deve nortear as relações pessoais e institucionais na Justiça.

Notamos, em todas as searas do Judiciário, a existência de sessões, cada vez mais públicas e dadas a público, em que ocorrem agravos e desapreço.

São manifestações reveladoras não apenas de despreparo emocional para o enfrentamento das dificuldades inerentes ao exercício do contraditório, mas de ausência pura e simples de um sentimento de respeito de que haveríamos de estar imbuídos, pela simples circunstância de que o exercício da dialética, por vezes de forma contundente, no ambiente Judiciário, é absolutamente natural.

Vivemos no paradoxal mundo do respeito imposto às diferenças e do desrespeito contraposto às manifestações ideológicas, políticas, pessoais ou institucionais que envolvam diferenças.

Esse quadro tem contribuído de modo nítido para o desprestígio da relevante missão do profissional da advocacia.

De outro lado, parcelas da magistratura e do Ministério Público consideram a advocacia e o direito de defesa entraves a serem superados, sob qualquer pretexto, para a consecução do que imaginam ser a justiça gizada pelas regras da própria convicção. E, ciosos da necessidade de impor suas certezas, acabam por descurar do respeito às diferenças e às pessoas que, por dever de ofício, alinham-se entre os que pensam de modo diverso. Chega-se ao absurdo de se pugnar pela restrição ao direito de recorrer, esquecendo-se que as renovações e revisões de paradigmas jurisprudenciais são fruto de julgamento desses mesmos recursos.

É chegada a hora de tentarmos pôr cobro à situação de desrespeito tendente à generalização.

A AASP, conforme as suas tradições de culto não apenas ao direito e às prerrogativas profissionais dos advogados, mas, também, de elevação e lhaneza no trato entre seus associados, advogados e advogadas, conclama as instituições representativas dos profissionais que atuam em prol da efetividade da justiça e da jurisdição, para que sejam retomados os valores da urbanidade, da educação e do respeito às diferenças naturais e intrínsecas ao princípio do contraditório.

Não é demais lembrar a figura proposta por Calamandrei, segundo a qual advocacia e magistratura (às quais poderíamos somar outras carreiras jurídicas) obedecem à lei dos líquidos em vasos comunicantes, pela qual não se pode baixar o nível de um, sem que se baixe o do outro.

Por isso, a AASP convence-se da necessidade de instituir uma campanha pela retomada da urbanidade, da educação e do respeito puro e simples.

Por maiores que sejam as diferenças e divergências existentes nos foros, um princípio há de sobrelevá-las todas: a urbanidade.

Cumprimentemo-nos com respeito. Não nos tratemos com a linguagem da violência. Não sejamos ameaçados pelo exercício do direito de embargar ou recorrer de um julgado. Sejamos lhanos.

Talvez, assim, possamos recuperar o tempo da urbanidade, já há tanto perdido.

Associação dos Advogados de São Paulo – AASP

Comentários

  1. A propósito, tenho o hábito de todos os dias ouvir a Rádio Jovem-Pan enquanto perco energia, tempo, paciência e dinheiro no trânsito em meus deslocamentos pelas Cidade paulistas e não tem um entrevistador que questionado sobre o quê fazer para dar cobro da lentidão da Justiça, da crescente violência nacional, etc, etc, etc, não jogue por sobre os ombros do Advogado parte da responsabilidade pelos fatos, como se só a defesa recorresse às instâncias superiores.

    Dessarte, os “’programas” de TV policialescos, tocados por sujeitos sem o mínimo de formação técnico-jurídica se sentem livres e incentivados a tecer os mais descabidos comentários e, assim, o Advogado contratado para o cumprimento do seu mister se ver massacrado publicamente ao ponto de Defensor levar chute no traseiro côo ocorrido recentemente no Foro Criminal da Cidade de São Paulo (cf, http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/advogado-dos-nardoni-e-agredido-na-entrada-de-forum,dc5838845e3ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html), Magistrado processando Advogado no exercício de sua profissão (cf, http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/juiza-pede-providencias-a-promotoria-contra-advogada-de-lindemberg-20120216.html) e, por aí vamos.

    Se algum dia formos nos defender de uma simples acusação no “Juizado de Pequenas Causas” certamente gostaríamos que o Nosso Advogado tivesse direito à prerrogativa constitucional do livre exercício profissional com o fito de demonstrar que temos razão, certo?

    Assim, o que vale pra mim, deve valer para os outros, certo?

    O quê equivale dizer, em suma, que está absolutamente correta a Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, “data maxima venia”!!!

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