‘Executivo trata outros Poderes como anexos’

Frederico Vasconcelos
Sob o título “Correção no Judiciário desrespeita razão e a Constituição”, o artigo a seguir é de autoria de Nelson Missias de Morais, desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais,  secretário-geral da AMB e ex-presidente da Amagis. Foi publicado originalmente no jornal “Hoje em Dia”, de Belo Horizonte, no último domingo (20/1).

Ao sancionar a correção monetária dos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal e, por vinculação, de toda a magistratura, o Poder Executivo perdeu a oportunidade de corrigir a sistemática e frequente atitude de seu governo de desestima aos fundamentos republicanos, à Constituição, às leis e à independência dos poderes.

Numa atitude desarrazoada, como já havia anotado o ex-presidente do STF Cezar Peluso, o Executivo atual trata o Legislativo e o Judiciário como se seus anexos fossem, subtraindo e atropelando, de ambos, as prerrogativas e principais razões constitucionais de sua existência e coexistência.

Faz tudo, por meio de uma maioria indolente, para transformar o Congresso em carimbador de medidas provisórias e de milhares de vetos presidenciais. Ignora a independência e autonomia do Judiciário ao suprimir sua proposta orçamentária do Orçamento que deveria ser de toda a União.

Dizem por lá que os meios justificam os fins como se estes fossem o objetivo maior e que teriam como meta a aprovação popular. Desprezar as diferenças e os papéis de cada um dos poderes é duvidar dos princípios maiores da Carta Magna e da própria democracia. Em vez de fazer de conta, reconhecê-los é fundamental para a reafirmação do Estado de Direito, que é o pilar do desenvolvimento humano, social, institucional, político e econômico.

O excesso de MPs confirma, por exemplo, a tendência de controle hegemônico sobre a agenda do Poder Legislativo, numa espécie de cesarismo governamental, como já registrou o brilhante ministro e decano do STF, Celso de Mello. Não bastassem as MPs, ainda travam o Congresso outros 3 mil vetos, que, em dezembro passado, impediu até mesmo a votação do Orçamento 2013.

Tudo somado configura um quadro sombrio, de nítida ameaça à normalidade institucional, o que não é bom para a democracia e para o próprio estado de direito, razão pela qual a magistratura brasileira está inquieta.

Quando se implantou, por exemplo, o sistema de recomposição monetária dos subsídios dos magistrados, em 2005 (Lei 11.143), buscava-se impedir o seu achatamento, de modo a preservar a irredutibilidade dos vencimentos, que é cânone constitucional intangível.

Nos últimos sete anos, o índice de inflação oficial (IPCA) atingiu 35,92%, período no qual os subsídios da magistratura receberam tão somente, em 2009/2010, a correção de 8,88%, e, agora, de mais 15,88%, em três parcelas anuais de 5,25% (2013 a 2015).

Diferentemente de qualquer outra categoria profissional, seja do serviço público, seja do setor privado, que obtiveram ganhos reais ou, no mínimo, a recomposição dos índices de inflação, os membros do Judiciário não têm uma política remuneratória que dê efetividade ao comando constitucional da revisão anual de seus subsídios, respeitado o comando do artigo 37, inciso X, da Constituição Federal.

Mais grave do que a perda monetária é um dos poderes se colocar acima da Constituição da República, desrespeitando preceitos constitucionais e expondo outro à humilhação e à fragilização. Essa sobreposição coloca em xeque os princípios que sustentam a democracia e a República.

As instituições não podem ficar à mercê dos humores de um ou outro governo. Aliás, por mais duro e centralizador que seja, é sempre provisório, não lhe sendo dado o direito de afrontar valores permanentes de uma sociedade, como os predicamentos dos magistrados, dentre eles o da irredutibilidade dos seus vencimentos. Afrontá-los é um grave prenúncio.

Está na hora de adotarmos, sem hipocrisia, um mecanismo por meio de emenda constitucional, no qual o próprio Judiciário, o STF, aplica o indexador adequado para a recomposição anual dos subsídios, sem depender de projeto de lei, que só deve ser usado em caso de reajustes.

Por meio das associações de magistrados como a AMB, Anamatra, Ajufe, Amajum e as estaduais, a magistratura brasileira precisa e deve se mobilizar para sair desse marasmo e mudar esse estado de coisas.

Comentários

  1. A insatisfação é geral. Sou servidora do judiciário. Já está claro que acordos de cavalheiros não existem mais, não há respeito entre instituições, muito menos à própria Constituição, falar e demonstrar descontentamento não adianta. Pra que mesmo serve o impeachment? O Senado já arquivou 5 pedidos contra a Dilma. É preciso, para o bem de todos, modificar radicalmente e urgentemente a realidade política do país.

  2. Creio que o Congresso deveria se debruçar sobre os fundamentos da garantia da irredutibilidade salarial no que tange ao funcionalismo público, magistratura aí incluída. É necessário ressaltar que se essa garantia ao trabalhador está prevista na Constituição Federal no Artigo 07, por outro lado existe a exceção prevista na CLT, em seu artigo 503, que torna lícita a possibilidade de redução do salário em até 25% com redução de jornada de trabalho em casos de força maior ou prejuízo susceptíveis de afetar substancialmente a situação econômica da empresa. Ora,o Estado não é uma empresa, e sim uma entidade política mantida constitucionalmente pelos impostos dos cidadãos. Assim existem parâmetros orçamentários que não podem ser rompidos sómente para o benefício de uma casta superior do funcionalismo público que se julga intocável. Esse é o caminho trilhado por icones do mau comportamento fiscal como Grécia e Espanha. A irredutibilidade salarial não é absoluta nem poderia ser, Ou vamos quebrar o Brasil para gáudio de uns poucos felizardos ?

    1. esta tese não tem o menor cabimento. A constituição no artigo 7o, inciso VI garante a irredutibilidade do salário somente em uma hipótese, se houver acordo ou convenção coletiva de trabalho.diz o artigo: VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. O artigo 503 da CLT não foi recepcionado pela constituição.

  3. Inércia do STF que já deveria ter efetuado o julgamento de diversas ações, não apenas de juízes. O comando constitucional deve ser seguido para magistrados e servidores. O que demanda lei é o aumento e não a mera correção. Basta que sejam elencados os índices oficiais e inflação, adotando-se o menor deles, o que afastaria qualquer argumentação de vantagem indevida.

  4. O judiciário, historicamente, se curvou (e ainda é assim) ao executivo federal. Tal comportamento não se restringe aos reajustes. Na verdade é bem mais perceptível nas decisões tomadas pelos tribunais e juízes. O julgamento do mensalão mostrou isso, pois ficou flagrante a exceção admitida pelos próprios ministros. Como diz o ditado popular: “Quem muito abaixa, deixa os fundos à mostra”. Os fundos do judiciário estão expostos. Infelizmente, nem todos querem vê-los, pois descobriu-se que são muito feios.

  5. Sou juiz e estou cheio dessa ladainha. Azar o nosso que temos, com raras exceções, um STF fraco e subserviente, tanto que até mesmo passou a ter suas decisões ignoradas sem qualquer cerimônia. Até mesmo decisões, possíveis em tese, passam a ser ameaçadas de descumprimento. Evidentemente que por conta da subserviência do tribunal. Há diversas ações no STF sobre o tema e não são julgadas pois o Executivo pauta até a pauta do STF. Então, basta dessa ladainha estéril. A culpa é do próprio Judiciário. E de suas associações de juízes, de representatividade mais fracas ainda.

  6. Engraçado, sempre acompanho os artigos desse desembargador, o mesmo, so comenta sobre reajuste salarial, nunca vi um artigo dele falando sobre a prestação jurisdicional, sobre a melhoria da eficiencia no judiciário, sobre como o judiciário possa melhora o retorno dos impostos que são pagos pelo contribuinte, como as comarcas do interior de MG possa melhorar os seus serviços, sobre o cumprimento de horários por parte da magistratura etc. ninguém aguenta mais esse chororô salarial, de uma das classes com os maiores salários da Republica.

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