Tourinho Neto: “Por que sou garantista?”
Juiz critica delação premiada e ideia de que prisão contém a onda de criminalidade
O texto a seguir é de autoria do juiz federal Fernando Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Foi divulgado originalmente na lista de comunicação de juízes federais.
Por que sou garantista?
Sou garantista, não para ser “bonzinho com o acusado”, não, sou garantista porque procuro assegurar os direitos fundamentais de todo cidadão brasileiro ou estrangeiro, seja indiciado, acusado ou condenado, independente da cor, crença, sexo, opção sexual, profissão (sem profissão), convicção filosófica ou política, de ter ou não moradia, da situação econômica (pobre ou rico), de ter ou não poder político ou econômico. Entendo que o indiciado, acusado ou preso devem ser respeitados em sua dignidade, integridade física e moral. Sou garantista porque cumpro a Constituição. Assim:
I – Sou a favor:
1) do princípio da insignificância para qualquer crime, desde que: (a) seja mínima a ofensividade da conduta do agente (b) não haja nenhuma periculosidade social da ação, (c) haja reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) seja inexpressiva a lesão jurídica provocada. (Ex. contrabando de cigarro, de gasolina, de moeda falsa etc.).
Os crimes que não causam nenhum transtorno à sociedade, por constituírem uma insignificância, não devem ser punidos. A pena de nada adiantaria para a sociedade nem para o réu.
2) da interceptação telefônica, desde que não exista outro meio para se produzir a prova: nesta hipótese o requerente deve formular sua pretensão, demonstrando ser imprescindível a produção dessa prova, bem como o periculum in mora. A interceptação telefônica não pode ser autorizada com base em mero expedientes policiais. O juiz deve fazer uma análise de probabilidade, sem necessidade de um juízo exauriente.
A interceptação não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo (isto está claramente dito no art. 5º da Lei 9.296/96). No entanto, os tribunais têm admitido várias prorrogações, o que, a meu sentir, contraria a lei.
3) da prisão preventiva, mas, como medida excepcional. A decisão deve explicitar fundamentos consistentes e individualizados em relação a cada um dos cidadãos investigados (CF, arts. 93, IX e 5º, XLVI), não ser baseada em conjeturas, suposições, como, por ex. o investigado mora em zona de fronteira e pode a qualquer momento fugir, não tem emprego… É ilegal a prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública, baseada tão somente na gravidade do fato, na hediondez do delito ou no clamor público; decretada para garantir a credibilidade da justiça. A prisão preventiva, como exceção à regra da liberdade, somente pode ser decretada mediante demonstração cabal de sua real necessidade.
4) da prisão temporária, desde que seja imprescindível, indispensável, quando for absolutamente necessária. A imprescindibilidade deve ser demonstrada concretamente e que seja real. A imprescindibilidade não pode ser confundida com utilidade. Imprescindível é o que não se pode dispensar. O útil é o que auxilia, otimiza, mas não é essencial.
II – Sou contra:
1) pena exacerbada. A pena tem que ser proporcional ao crime, ser justa.
A mídia induz o povo a acreditar que a questão da violência se resolve aumentando as penas e mandando o criminoso para a cadeia. Incute a idéia de que a paz se consegue aumentando-se o número de figuras delituosas.
É preciso desmistificar a ideia de que o direito penal (principalmente, a prisão) é a solução para a contenção da onda de criminalidade que invade, domina e sufoca a sociedade.
2) que se prenda para depois apurar o delito.
3) a prisão preventiva como antecipação da pena, com a finalidade tão-só de dar satisfação à sociedade e à imprensa.
4) o RDD (regime disciplinar diferenciado). Regime brutal, desumano. Esse regime viola o preceito constitucional que veda que o preso seja submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, XLVII, letra e, XLIX).
No período medieval, a prisão era castigo “com o isolamento em calabouço para salvaguarda moral dos presos e também com o fito de levar o condenado, com a inação obrigatória, a purificar a alma”. Hoje, é para proteger a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. A barbárie é a mesma. Mudou-se, apenas, a finalidade. Tortura-se com o silêncio, com a absoluta solidão.
5) a delação premiada. A delação premiada revela a incompetência do Estado na luta contra o crime, na ineficiência do sistema de persecução penal. Beneficia o traidor. Dá-lhe recompensas.
A delação premiada lembra o período da ditadura de 64: quantos cidadãos foram presos em face de delação, expediente usado para alcançar pretensões pessoais e vis?
6) decreto de prisão preventiva feito por meio de documento-padrão, repetindo o que diz o art. 312 do CPP, sem dizer nada de concreto, baseado somente em conjecturas (“é possível que venha reiterar na prática delituosa…”)
7) o entendimento de que é missão do juiz combater o crime. O juiz deve ser imparcial. O combate ao crime é atribuição da Polícia e do Ministério Público.
O que conforta é a expectativa de sua aposentadoria.
Fred, eu acho que houve um lapso de sua parte na transcrição do título do presente artigo. Em se tratando de Tourinho Neto, tenho quase certeza que o título é este: “Por que sou garantista… da impunidade?” Confira, por favor.
Já a seu tempo Nelson Hungria, o maior penalista que o Brasil produziu, ensinava: “[…] a democracia liberal protege os direitos do homem e não os crimes do homem. Maldita seria a democracia liberal, se se prestasse a uma política de cumplicidade com a delinquência.”. A Justiça e as vítimas agradeceriam se Tourinho Neto meditasse um pouco sobre esta atualíssima lição.
Para o Juiz Tourinho Neto o magistrado não tem qualquer compromisso com o combate ao crime; a sociedade que se exploda.
Ao que parece, fazer valer a Constituição tampouco é missão do juiz; afinal, dentre os direitos fundamentais enunciados está a segurança (e também a inviolabilidade da vida e a propriedade).
Ah, e eu não poderia deixar de cumprimentar o profissional que fez a foto que ilustra o post. Os chifres do tourinho ficaram sensacionais!
“É preciso desmistificar a ideia de que o direito penal (principalmente, a prisão) é a solução para a contenção da onda de criminalidade que invade, domina e sufoca a coletividade”. Todo garantista é um politicamente correto – e, por conseqüência, intelectualmente não confiável. Ninguém – garantista ou “não-garantista” – acredita que o direito penal é o remédio para todos os males da vida. Isso é uma falácia inventada pelos garantistas pra dividir os operadores do direito penal entre “o bem” e “o mal”. O problema é que, no atual contexto, os que se denominam garantistas não permitem que o direito penal seja o que de fato deve ser: um mecanismo de controle social para tornar a vida comunitária minimamente suportável. É o “direito penal efetivo” que mantém a coesão do tecido social, incutindo em cada um de nós a noção de que é preciso respeitar as normas. Quanto à divagação do “futuro ex-juiz federal” Tourinho Neto a respeito dos fins do direito penal, devo dizer que ela se resolve com um princípio básico da Física clássica: um corpo não pode estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. Se o criminoso está preso, ele não está solto para fazer outras vítimas. Prosaico, não? Para ficar em um exemplo recente: o assassino que matou uma grávida em São Paulo há cerca de 1 mês. À época do crime, deveria estar preso, mas não estava. Isso custou a vida de uma pessoa que nada tinha a ver com o “garantismo Touriniano”. Normalmente é assim mesmo que funciona: o garantismo rende um bom dinheiro para os garantistas, seja vendendo livros, ministrando palestras, ou de alguma outra forma qualquer. Quem fica com a parte ruim são as vítimas do cotidiano, os “não-garantistas”.
Sou um cidadão comum, leigo mas interessado no assunto,
Pelo visto, o Dr. Tourinho, não quer condenação por insignificâncias, prisão preventiva, noutras palavras total impunidade para quem delinquir. O tal de RDD, que maldade para com o preso que vai torturado pelo silencio. Que silêncio Dr. E os gritos de suas vítimas e familiares não lhe servem de companhia? Delação premiada , misturando crimes comuns com crimes políticos, não é bem por aí, e foi graças a esta instituição, que a máfia foi derrotada na Itália. Ora ora Dr. Se o meliante, parece com cachorro, age como tal e é necessário que sejam gravados seus latidos, para que fique provado que o mesmo é um cão, qual é o problema? De novo vai ser invocado o princípio da privacidade? Ora, ora. Vá se aposentar, não deixará nenhuma saudades, a não ser por parte de alguns que se “acham” os paladinos dos direitos humanos dos bandidos, é dos bandidos porque do povo indefeso e impotente por ter que conviver com essas excrecências jurídicas lhe garanto que não.
Como tenho dito, Tourinho vai fazer muita falta ao TRF-1ª Região, particularmente no que se refere ao direito penal.
Algumas coisas são boas; outras, excessivas.
Só para exemplificar, ser contra a delação premiada em abstrato mostra um desconhecimento de como funcionam as organizações criminosas. A prisão preventiva como antecipação da pena não é correta, mas as sentenças de primeiro grau deveriam ter executividade imediata e ponto. Nada desse negócio de esperar 4 instâncias.
Essas coisas não têm nada a ver com garantismo, mas sim a nossa cultura de impunidade. São meras teses jurídicas a bancar a quase inexorável característica sociológica brasileira de não punir adequadamente.
Perfeito. Mas, às vezes ele exagera um pouco, mas ele de fato é garantista e digo mais, depois que ele aposentar, para mim acabou o TRF1 em matéria penal. Outros que lá estão, são apenas os outros, com suas mãos pesadas e suas penas exacerbadas e desproporcionais. Saiu Assusete, depois Tourinho Neto em abril.
Esse é um ponto de vista ultrapassado em relação ao papel do judiciário. São magistrados como esse que fazem com que a impunidade corra solta.
Irretocável, isso foi o que aprendi na faculdade e muitas já se esqueceram!
Saudações,
Isaías