CNJ recua da proibição a patrocínio privado

Frederico Vasconcelos

Avaliada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, como um “marco para o Judiciário brasileiro”, a resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça na sessão desta terça-feira (19/2) representou um recuo em relação à proposta anterior que proibia patrocínio privado a eventos de magistrados.

A aprovação do novo texto expôs mais uma vez as divergências no conselho. Pelas contradições apontadas por conselheiros que se opunham à medida, a solução encontrada deixa dúvidas sobre como serão realizados os eventos promovidos por tribunais e associações de magistrados.

“A resolução é um marco para o Judiciário brasileiro, que tem que ser transparente. Ela separa o público do privado. O certo do duvidoso. Deixa claro para milhões de brasileiros que temos uma Justiça que não aceita favorecimentos ilícitos de ninguém”, afirmou ao Blog o ministro corregedor, Francisco Falcão.

Reportagem da Folha, na edição desta terça-feira (20/2) revela que o CNJ recuou na intenção de proibir qualquer tipo de patrocínio privado para eventos de magistrados:

“O conselho aprovou uma resolução que impede a participação de juízes em eventos das associações de classe patrocinados ou custeados por empresas e também proíbe os juízes de receberem prêmios, brindes, auxílios ou contribuições financeiras. A resolução, porém, permite que eventos e congressos promovidos por tribunais, conselhos de Justiça e escolas de magistraturas recebam patrocínio de empresas de até 30% dos custos totais”.

A Agência Brasil noticiou: “A decisão, obtida por maioria de 10 votos a 5, é um recuo em relação à ideia original, que vedava qualquer tipo de patrocínio”.

Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, “a resolução que deveria impedir eventos patrocinados por empresas privadas no Judiciário terminou por institucionalizar uma espécie de cota patrocínio”.

A proposta de Barbosa –estabelecendo uma cota para os patrocínios de 30% do valor total do congresso– “acabou por tirar das associações os patrocínios e levá-los para os tribunais”, avaliou o jornal.

Para “O Globo“, o CNJ criou uma “taxa ética” de 30%. “Depois de reunir seis votos favoráveis à ideia de proibir tribunais de receberem patrocínio privado para eventos e congressos de magistrados, o CNJ recuou e aprovou ontem uma resolução muito mais branda”.

“A minha posição e de outros conselheiros é no sentido da proibição total. Eu acho que isso virá no futuro”, afirmou o ministro Joaquim Barbosa.

A primeira indicação de que a solução costurada no final de semana seria apenas “um primeiro passo” surgiu na declaração do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, na abertura da segunda parte da sessão de ontem, ao cumprimentar o próximo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, conselheiro Carlos Alberto Reis de Paula, que se despedia do colegiado.

Para Gurgel, a resolução “é uma contribuição muito importante, um primeiro passo que também deve ser tomado no âmbito do Ministério Público”.

O ministro Falcão afirmou ao plenário que a nova proposta, redigida no final de semana por ele e Reis de Paula, era “uma humilde contribuição”, diante da preocupação com a boa imagem do Judiciário.

“Nós nos reunimos no sábado, a resolução foi feita a quatro mãos”, explicou Falcão.

“Uma pena que foi feita a quatro mãos e não a trinta mãos”, comentou em seguida o conselheiro Sívio Rocha.

Tourinho Neto disse que a resolução era uma “bordoada nas associações”. Achou “ofensivo às associações”, os “considerandos” da resolução. Segundo sua leitura, os “bloguistas” e a imprensa iriam afirmar depois que “o CNJ puxou as orelhas das associações”.

Tourinho acompanhou Sílvio Rocha.

Segundo “O Globo“, Falcão cedeu diante do risco de uma ala no CNJ rejeitar a proposta original. O percentual de 30% foi sugerido pelo presidente Joaquim Barbosa, que, apesar de ser contra qualquer tipo de patrocínio, também temia o boicote de colegas”.

Em longa exposição, o conselheiro Sílvio Rocha disse que os eventos oficiais deveriam ser custeados “exclusivamente com verbas orçamentárias”. Ele se opôs “radicalmente” à permissão de que os tribunais possam receber até 30% das despesas de entidades privadas.   “Os recursos serão depositados nas contas de quem? Quem vai operacionalizar os gastos?”, questionou.

Rocha citou o artigo 17 do Código de Ética da Magistratura: “Não obstante que as propostas tenham dado a impressão de que a matéria não estava regulamentada, não é verdade”, disse.

O conselheiro Vasi Verner –que admitiu a ocorrência de “abusos” nos eventos patrocinados– viu contradição na proposta aprovada. “Não consigo entender esse dispositivo”, que permite patrocínio de 30% pela iniciativa privada a eventos de tribunais, mas não prevê limites para o patrocínio de entidades públicas.

O conselheiro José Luiz Munhoz voltou a questionar o fato de não ter havido uma maior discussão com as entidades interessadas e uma análise mais detida pelo próprio colegiado.

Falcão alegou que a proposta já havia sido apresentada pela ex-corregedora Eliana Calmon. E citou como “imoralidade” o recebimento de prêmios, como cruzeiros marítimos.

“O que custava ouvir as associações antes?”, questionou Nino Toldo, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), conforme revela “O Estado de S. Paulo“.

Segundo Toldo, “a vedação aos patrocínios pode inviabilizar novos eventos”. “A tendência é acabar”, criticou.

“Pela norma, que entrará em vigor 60 dias após sua publicação” –noticia o CNJ– “o magistrado só poderá participar de eventos jurídicos ou culturais, patrocinados por empresa privada, na condição de palestrante, conferencista, debatedor, moderador ou presidente de mesa. Nessa condição, o magistrado poderá ter as despesas de hospedagem e passagem pagas pela organização do evento.

Ainda segundo a notícia oficial, “a resolução do CNJ proíbe os magistrados de receberem prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades públicas ou privadas. Se o magistrado quiser participar de algum evento, deve arcar com os custos de hospedagem e deslocamento, a não ser nos casos em que a própria associação de classe custeie totalmente o evento.

Leia a íntegra da resolução:

http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/resolucao_patrocinio.pdf

 

 

Comentários

  1. Que decisão estapafúrdia!!! É a mesma coisa que diagnosticar que uma mulher está ligeiramente grávida.
    CNJ: ou é vedado, ou não é !! Não existe meio termo!
    Essa “solução” terá lugar de destaque no vasto anedotário jurídico brasileiro.

    1. Parabéns, Bruno, sua colocação é perfeita. É como disse o jornalista Jânio de Freitas: “…Ou seja, empresas e endinheirados agora só podem influir 30% nas decisões dos magistrados influenciáveis. Ou também: 70% da ética dos magistrados estará protegida pela proibição, e 30% liberados para o quer e vier. Sobretudo o que der.”

  2. Alguém tem dúvida da (im)parcialidade deste jornalista que assina este blog. Olhem o título da matéria: CNJ recua da proibição a patrocínio privado

    É por isso que, já cancelei a minha assinatura da Folha de São Paulo e, a partir de hoje deixo de ler este blog, sugerindo que todos os juizes brasileiros façam o mesmo. Vamos, ao menos nós magistrados, para de enriquecer esta ‘imprensa marron’.

    PS. O sr. não vai publicar esta manifestação, mas não tem problema os magistrados brasileiros saberão reagir às suas investidas. A mim me satisfaz as providências que já tomei, especialmente em saber que o sr. não mais contará com meu dinheiro para pagar o seu salário.
    Sdç.

    1. Que isso?? olha a dialetica. Aqui é um espaço democrático. Às vezes cada um de nós falamos mais, outros menos, mas, ao final todos nós nos respeitamos mutuamente.

    2. Sr. Aldo, sou magistrado e testemunha da isenção do Fred, inclusive, a exemplo de outros leitores assíduos deste blog, já recebi e-mail dele me pedindo para opinar neste espaço, salvo engano, sobre o ingresso de Ayres Brito na presidência do STF. Acredite, o Fred merece nosso respeito.

  3. Bem, pelo jeito não há mais o que fazermos por aqui. Assim como no julgamento da ação 470, os senhores da toga “fizeram do branco o preto, e do quadrado o redondo”. Só que agora em causa própria…

  4. Não cabe ao CNJ dizer o que as associações podem ou não fazer, simplesmente porque não é da competência do CNJ regulamentar atos de associações particulares e isso os conselheiros sabem. O que fizeram então? Resolveram proibir que os juízes participem dos eventos. Ora, até concordo que os juízes sejam proibidos de receber brindes ou prêmios (diárias de hotel, inclusive), mas proibir que participem de qualquer evento dessas associações já é demais. Daqui a pouco vão decidir que, por exemplo, se um juiz pertencer a uma determinada Igreja de qualquer religião por aí terá de procurar saber se determinado Congresso dos membros dessa Igreja está recebendo algum patrocínio para decidir se participa ou não, quiçá, tendo de pedir permissão antecipada ao CNJ para poder participar, afinal, sempre poderá surgir alguém capaz de dizer que o Congresso seria uma fachada para se poder “beneficiar” algum juiz. Eu não bebo, mas do jeito que a coisa vai acho que logo aparecerá alguém defendendo a obrigação de o CNJ estabelecer a quantidade de bebida que um juiz poderá ingerir numa festa para não extrapolar o que costumam chamar de “beber socialmente”. Ou, pior, uma “Resolução” estabelecendo teste de bafômetro na chegada dos juízes ao forum…rs

    1. “Congresso dos membros dessa Igreja está recebendo algum patrocínio para decidir se participa ou não,”
      ……..
      Êpa, isso é mais que falácia é embromácia.
      O juiz participar de igreja, clube, e não saber eventualmente ligações da entidade admite-se. Ninguém é omnisciente. Agora, fazer parte como associado de entidade representativa da classe, vindo a aderir a aceitação de benesses e pagamentos (viagens, diárias, estadias) a título de “patrocínio” é data venia “eufemizar” o ilícito.
      O cnj afirma que houve apenas “quase ilícito”, o que é uma aberração.

      1. Caro André Motta Coqueiro, a alusão a um “congresso de igreja” foi apenas um modo exagerado de expressar minha discordância quanto a alguns atos do CNJ que julgo fora da competência daquele órgão, por exemplo, a anulação de um concurso público para a Magistratura cuja decisão foi liminarmente suspensa pelo STF e, no mérito, concedida a ordem para que os candidatos aprovados fossem (e estão) empossados. Abraço.

  5. Recuou nada. Basta ler a resolução. O CNJ se tocou (só agora ) que o Estado não tem orçamento para bancar os necessários cursos e congressos aos juízes (aliás exigência dele próprio). As associações supriam essa falta, com patrocínios, sobretudo das estatais (até para não gerar essa histeria toda contra a Geni, como vimos nos últimos dias). Então o órgão, para não admitir o erro, chamou para ele e os Tribunais, o patrocínio. Os cabalísticos 30%, porque 31 em diante é antiético.

  6. A solução do CNJ foi grotesca. Ou se entende que o patrocínio é indevido, vedando-o por completo. Ou se entende que é permitindo, não sendo dado ao CNJ vedá-lo. Não pode haver concessão nesse tipo de entendimento.

  7. Amigo Fred, não entendi. Quer dizer que o CNJ e os Tribunais podem ter patrocínio de 30% e as Associações não? De onde o percentual foi tirado? Não é imoral o CNJ e os Tribunais receberem patrocínio. Fred, acho que o CNJ quer acabar com as associações. Fred, você pode expor a sua opinião a respeito. Tenho você como um mestre. Por favor!

  8. ¿Percentual ético de 30%? ¿E isso pra acomodar alguns interesses ou opositores à ideia de vedação total? Só mesmo em nosso país é que se tem de ceder eticamente para ir retirando a concessão gradualmente. Nunca vi isto. Se o CNJ é apenas um órgão administrativo, e não do judiciário, então quer dizer que agora temos duas éticas, uma do judiciário e outra administrativa e isso só porque não se sabe QUEM vai gerir os eventos da magistratura? Essa é a maior prova de que magistrados não estão preparados para administrar ou gerenciar, como disse certa vez a ex Corregedora Eliana Calmon.

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