Juiz não é sirene do sistema penal

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Magistratura oprimida e populismo penal”, o artigo a seguir é de autoria de Luiz Flávio Gomes, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

 

Primeiro foi o presidente do STF, Joaquim Barbosa, que disse que os juízes são tendencialmente adeptos da impunidade (o que, evidentemente, não é verdade – daí a reação das associações de juízes). Em palestra proferida no curso Iniciação Funcional de Magistrados, o delegado Josélio Azevedo de Souza, do Serviço de Repressão a Desvios Públicos do Departamento da Polícia Federal (PF), pediu uma atuação “mais firme” da magistratura para diminuir a impunidade nos casos de corrupção no Brasil.

Esses discursos políticos opressivos contra os juízes (a pena é um ato político, dizia Tobias Barreto) estão se tornando unanimidade no nosso país (mas toda unanidade é burra, dizia Nelson Rodrigues).

Uma das mais nefastas consequências do populismo penal consiste na pressão que se faz contra a magistratura para que haja maior rigor penal, sob a crença mágica de que isso resolve o problema da criminalidade (veja nosso livro Populismo penal midiático, Gomes e Souza, Saraiva, 2013). Nada mais incorreto. Desde 1940 o legislador brasileiro tornou-se adepto do rigorismo penal (Luís W. Gazoto). A criminalidade, até hoje, com essa equivocada política criminal, só aumentou. A política puramente repressiva é enganosa. Aliás, é um engodo do regime democrático.

Há um grande equívoco discursivo sobre o papel do juiz no Estado Democrático de Direito. Quem conta com o poder punitivo (quem o exerce verdadeiramente) são os órgãos do executivo (polícia, sobretudo). O discurso jurídico-formal (nos livros e nas academias) afirma algo irreal. Ele diz: “Os legisladores manipulam o poder punitivo (em razão do princípio da legalidade penal), os juízes aplicam a lei penal e os policiais fazem o que os juízes ordenam” (Zaffaroni, 2012, p. 433).

Nada mais enganoso. A dinâmica do real poder punitivo é exatamente o contrário, ou seja, os legisladores procuram demarcar o poder punitivo sem ter a mínima ideia sobre quem ele irá recair (e quando), porque é a polícia que faz a seleção criminalizadora. Quem exerce efetivamente o poder punitivo é a polícia (primordialmente). Quem escolhe a clientela (pobre ou rica) da Justiça criminal é a polícia. 

O juiz, que não tem o poder de seleção dos casos, fica sempre subordinado ao que lhe é posto sobre a mesa. Julga pouquíssimos casos criminais, porque são pouquíssimos os casos investigados (com sucesso) e denunciados (algo que não passa de 3 ou 4% de todos os crimes cometidos). A impunidade é inerente ao poder punitivo. Não existe poder punitivo no mundo que alcance 100% dos casos.

O tolerância zero é uma utopia reacionária (Ferrajoli) que faz parte do engodo do populismo penal. O poder punitivo só consegue alcançar (seja rico ou pobre o criminoso, mas sempre maior é a última categoria) alguns casos esparsos. São amostras. O criminoso já conta antecipadamente com essa impunidade generalizada. Falta no nosso país uma política de prevenção, que é a única solução correta para o problema da criminalidade.

Sobretudo em cursos de formação inicial jamais se deveria admitir o discurso populista da “mão dura”. Cada juiz tem que ter consciência do seu papel no Estado Democrático de Direito: ele só pode cumprir o limitadíssimo, mas importantíssimo, papel de semáforo do sistema punitivo. “Em cada processo de criminalização secundária, os juízes dispõem do semáforo que mostra a luz verde, autorizando a continuação do poder punitivo, a luz vermelha, que o interrompe, ou a luz amarela, que o detém para pensar um pouco” (Zaffaroni, 2012, p. 433).

O juiz é o semáforo (não a sirene do sistema penal): se concede sinal verde para as arbitrariedades do poder punitivo, este se agiganta (e se transforma numa máquina de triturar a liberdade assim como a carne e os ossos humanos). Se lhe apresenta o sinal vermelho, cumpre seu papel de contenção do poder punitivo que, exercido sem limites, passa a protagonizar massacres indescritíveis (tal como os de Napoleão, de Stalin, de Hitler, das ditaduras etc.). 

Comentários

  1. Da forma como vejo e tenho testumunhado ao longo dos anos, é que, todas as intituiçõe tem lá a sua banda podre, e sempre que uma voz aponta esta ou aquela, este ou aquele, vozes se levantam em defesa, por orgulho vaidade ou mesmo por que faz parte, e criam uma nuvem de fumaça, distorcem e de alguma forma com a fermencia de sempre enaltece e dar brilho, mas o importante que saeria ir fundo, invertigar, apontar e punir, cortando na propia carne se preciso for, isto ninguém fez e tudo continua piorando, escandalos, corrupção, abuso de poder e outras praticas ilicitas surgem todops os dias, já houve ater quem tentou coibir os orgaos invertigativos de operarem szem o conhecimento dos que deveriam fazer e não fazem o real é que ninguém aguenta mais e clama por justiça punição atitude que, sejam efetivas, cadeia, punição é o que se quer ver.

  2. Caro Sr. José Freitas,

    Promiscuidade entre juízes e grandes advogados? Disparidades dos votos dos Ministros do E. STF? Penso que o mensalão é uma realidade. Ele ocorreu de fato. Todos conhecem essa verdade. O Senhor não se preocupa com o uso indevido do dinheiro público? O Senhor não acha promíscua a compra de votos? O Senhor acha que o E. STF deveria ter deixado de punir os mensaleiros, por que eles são políticos?
    Senhor José, o que o Senhor defende com todas as letras é a tutela de pessoas que representam a elite. Isso está errado. A lei deve ser aplicada a todos indistintamente. È isso que o povo quer ver em todos os níveis de Justiça. A população não aplaude a corrupção. O povo quer ser respeitado. O Senhor não acha inadequado quando o Legislativo não escuta a vontade do povo? A Câmara dos Deputados representa a vontade popular, mas quando ela deixa de dar atenção ao abaixo-assinado virtual, ela volta às costas para o povo. O Senhor acha isso adequado? O Senhor acha que o Judiciário deve fazer da mesma forma? O que o Senhor pensa sobre o Direito das Minorias. Ele deve ser respeitado? O Poder Judiciário faz a sua parte. Veja as estatísticas, o número de mandados de prisão.
    No mundo inteiro o número de condenados pertencentes à elite é baixo, mas as condenações ocorrem. No Brasil, elas ocorrem, também. Mas, em nosso país, as leis são permissivas para todos, pobres e ricos. O problema é muito mais amplo.
    O dia que as pessoas deixarem de colocar a culpa no Poder Judiciário, tudo, neste país, vai começar a mudar. Cada Poder cumprirá o seu papel com eficiência. Não haverá mais necessidade de culpados porque o sistema será eficiente. O Princípio Constitucional da eficiência será aplicado por todas as esferas administrativas. Não será mais uma norma sem eficácia para se tornar uma realidade. Teremos uma reestruturação da esfera pública. Inspiração Habermasiana. E tudo irá melhorar para todos os brasileiros, e, não, apenas para alguns.

  3. Os juízes julgam apenas os pouquíssimos casos que lhes chegam às mãos, com os intrumentos de que dispoem. Perfeito! Acontece que, por pertencerem à uma elite, manobram o semáforo punitivo de acôrdo com os interesses dessa mesma elite. A promiscuidade entre juízes e “grandes” advogados, de “selecionadíssimos réus”, denunciada pelo ministro Joaquim Barbosa, explicam, em grande parte, a disparidade de votos proferidas no STF no julgamento do mensalão !

    1. acho que a frase é :”Julga pouquíssimos casos criminais, porque são pouquíssimos os casos investigados (com sucesso) e denunciados (algo que não passa de 3 ou 4% de todos os crimes cometidos)”

  4. Mas quem produz a tal jurisprudência que passa a ser seguida dando os parâmetros elásticos que dificilmente mantem alguem que deveria permanecer preso?

    1. Quem produz são o STJ e o STF, sendo que este último tem apenas um juiz de direito de carreira (min. Luiz Fux, que inclusive foi promotor de justiça/RJ). Os demais ministros vieram do MP ou da advocacia. Aliás, no STF, em sua composição atual, vieram do MP os ministros J.Barbosa (MPF), Celso de Mello (MP/SP), Gilmar Mendes (MPF) e Marco Aurélio (MPT). Portanto, no STF, temos uma maioria oriunda do MP.

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