Latrocínios em alta e menoridade penal

Frederico Vasconcelos

Magistrado alerta sobre o aumento de latrocínios cometidos por menores.

 

Sob o título “Tanto fez, tanto faz…”, o artigo a seguir é de autoria do juiz de direito Gustavo Sauaia, de São Paulo.

 

Com a suspeita de que um menor tenha sido o autor do covarde latrocínio (como se existisse latrocínio corajoso…) de um estudante universitário, reforça-se o constrangimento de parte da sociedade, autoproclamada mais esclarecida, ao comentar a menoridade penal. Fica difícil se segurar na desonestidade intelectual de que “não há provas de que isso diminuiria a criminalidade”, desviando o tema de seu âmago: a notória capacidade que estes menores têm de compreender a gravidade do ato. Sob o temor de serem equiparadas a Datenas e afins, insistem na tese tida como “ponderada”. Porque ser ponderado, no Brasil, é achar que “não é bem por aí”. O resto, incluindo este que vos escreve, será rotulado como “radical”.

Além de fugir do tema, o argumento tradicional é falacioso. Salta aos olhos como os latrocínios se multiplicam, sendo cada vez mais cometidos por menores. Talvez o motivo seja simples demais para que as sumidades compreendam: com a superproteção jurídica, não há acréscimo de gravidade quando o menor, além de roubar, tira a vida de outrem. A conduta de roubo, por ser cometida com violência ou grave ameaça, já é ato infracional passível de internação. A partir disso, matar é um plus que, aos olhos da Lei, nada representa. De qualquer jeito, em até três anos o autor voltará ao meio social sem anotações. Se cometer um crime na maioridade, o ato infracional de morte nem poderá ser tomado como antecedente, muito menos reincidência. O suficiente para revoltar familiares, amigos e colegas das vítimas. Mas não toca, ao menos por ora, os legisladores.

O Direito comparado mostra que não existe padrão, nem de desenvolvimento ou ideologia, para fixar a idade na qual começa a responsabilidade penal. Países ricos e pobres, de direita ou esquerda, ficam entre os costumeiros 18 anos e parâmetros inferiores, sem contar aqueles em que é o próprio juiz que, no caso concreto, determina a imputabilidade. Isto deveria representar uma licença para jogar no lixo diferenças políticas e se concentrar no bem comum. Está claro que este modelo é falho. Ainda que a Fundação Casa fosse um monumento à recuperação social e psicológica, prevaleceria a intolerável distorção acima apontada. O adolescente continuaria podendo matar um, dois ou mais indivíduos, ficando com os mesmos três anos – no máximo – de internação. É óbvio que ele entende esta brecha e dela se aproveita. Neste caso, inimputável deveria ser quem não percebeu esta aberração até hoje.

Mais uma vez, infelizmente, deveremos ouvir os anseios por mudanças legais sendo rebatidos com a máxima de que não se deve discutir alterações no calor do momento. Assim, os momentos acalorados surgem em intervalos sucessivamente menores, mas continuam querendo adiar o debate com os mesmos subterfúgios. Não vou me valer do chavão de perguntar quantos terão que morrer para mudanças serem discutidas. A questão está mais para quem precisa morrer, pois parece que só se permite legislar “no calor do momento” quando o atingido é famoso – vide a Lei Carolina Dieckmann. Enquanto isso, restam os aplausos do auditório a alguma palavra de ordem do apresentador indignado. Até começar a novela…

Comentários

  1. A proposta da redução da idade penal é uma das atuais pérolas do popularismo penal brasileiro, cuja realização no presente quadro constitucional brasileiro é impossível. Na Constituição Federal, a inimputabilidade do menor de 18 anos é um direito individual do adolescente, sendo, portanto, cláusula pétrea que não pode ser abolida por emenda constitucional, tendo em vista o disposto no art. 5.º, § 2.º c/c arts 60, § 4.º e 228 da Constituição Federal.

    Outra propaganda enganosa, bem ao gosto dos popularistas penais na defesa da redução da idade penal, é a de que não existe justiça para os menores de 18 anos que cometem crimes, imperando, assim, a impunidade.

    Essa falácia foi refutada de modo inquestionável pela a Promotora de Justiça da Infância e da Juventude Beatriz Regina Lima de Mello, ao demonstrar que, se tomarmos como exemplo os maiores de idade que cometem crimes dolosos contra a vida, que vão a júri popular, como os homicídios: 50% deles são absolvidos e, dos que são condenados, a pena gira em torno de 9 anos de prisão.

    Se considerarmos que, cumpridos 1/6 da pena, poderá haver a progressão de regime, então, após um ano e oito meses em regime fechado, o condenado poderá ser colocado em liberdade. Enquanto que, por outro lado, os homicídios praticados por adolescentes têm um índice de condenação superior a 80% e a manutenção dos mesmos em regime fechado dificilmente é inferior a 3 anos.

    Nesse sentido, o mestre Beccaria, lá no século XVIII escreveu com maestria: Um dos maiores travões aos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade (…). A certeza de um castigo, mesmo que moderado, causará sempre uma impressão mais intensa do que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade.

  2. Irretocável. Espero que este artigo se junte a outros e ao final comece a criar o caldo de cultura que favoreça a rediscussão não sómente da maioridade penal como também da revisão deste garantismo penal que tem servido sómente para aumentar a sensação de impunidade. É preciso por exemplo rediscutir a progressão de pena e o sistema de regime prisional. É inconcebível que a maior pena seja de 30 anos já que estatísticamente houve mudança na expectativa de vida da população brasileira. Já está passando da hora de debater a aprovação de uma emenda constitucional estabelecendo a prisão perpétua para determinados crimes.

  3. Boa noite a todos,

    Vi na uol que apenas 0,9% dos internos da fund. casa praticaram latrocinio.
    Algo em torno de 82 individuos. Sera que e realmente o real problema criminal de sao paulo e do brasil. Nao vejo atribuicao do governador para esse feito… Talvez ele fosse mais efetivo dentro de sua atribuicao fazendo com que a policia civil investigue, fazer com que a policia militar cumpra as leis, e cesse a guerra civil dentro do estado. Que o governador gaste verbas em escolas ao inves de publicidade (2011) que em sp agora era proibido venda a menores, o que nao era nenhuma novidade…
    Apos isso talvez ele se candidatasse a um cargo no legoslativo e encabecasse tal discussao, mas por enquanto que cumpra suas atribuicoes

  4. Agradeço, mais uma vez, ao Blog pela publicação de um artigo meu. Se há um espaço que compreende o termo “pluralismo”, é este.

  5. Sem adentrar o mérito da discussão, só queria saber de qual fonte foi tirada a informação de que cresce o número de latrocínios praticados por adolescentes. Será que a mídia, que faz questão de frisar a ocorrência desse tipo de ato infracional, não gera uma sensação de insegurança sem motivo? Aliás, não me recordo de ter lido ou ouvido, recentemente, qualquer outra notícia a respeito de ato infracional análogo ao latrocínio praticado por adolescente.

    1. Independente de maioridade penal, vácuo normativo, opinião de defensores disso ou daquilo, é meu direito natural, defender-me da mesma forma (e com as mesmas armas) que me atacam; vida só tenho uma! É um desrespeito à sociedade, esse negócio de menor poder tudo impunemente; o fato de ser menor, não lhes da o direito de tirar a vida alheia. É preciso fazer algo sobre isso, e urgente!

    2. Um passeio comigo (de no máximo meia hora) na grande São Paulo em um fim de semana qualquer, o fará mudar de ideia rapidinho! Se você não tem conhecimento de fatos assim e quer saber de estatísticas, de um pulinho ao IML de Osasco e região e confirmará os dados.

  6. A diminuição da idade para responsabilização penal visa permitir a real retribuição a quem cometeu um crime, pois jovens de 16 anos tem a mesma capacidade de compreensão dos que tem 18 anos. Simples assim.

  7. Concordo plenamente com o ponto de vista do magistrado, mas, infelizmente o que prevalece no paraíso da impunidade é a voz daqueles que têm, há décadas, o mesmo discursinho enfadonho e demagógico de lengalenga do tipo, é “pobrema social”, a diminuição da maioridade não diminui a violência e outras baboseiras que o povo já está cansado de ouvir e aqueles que se contrapõem a estes pseudo-humanistas são tidos como radicais e reacionários, enquanto isso os nenéns bandidos, carinhosamente chamados de “menó infratô” vão estuprando, seqüestrando, matando e chefiando quadrilhas e às pessoas de bem só restam viverem em regime fechando, sem direito a progressão de pena, banho de sol e saidinhas temporárias pra ver o coelhinho da Páscoa e o Papai Noel.

  8. Sou juiz e cumprimento o colega pela lucidez. Se apoiar a punição severíssima e exemplar dos menores infratores, com cadeia por muitos anos, é ser radical, então sou radical. Com certeza, a punição exemplar desestimularia muito os demais “de menor” que estão à solta por aí com armas na mão e matando como gente grande, com a tranquilidade que a frouxidão da lei atual garante.

  9. Gostaria de sugerir que fosse publicado um artigo de um outro Juiz, mas em sentido contrário, fomentando o debate.

    1. Excelente proposta ! Mas gostaria que os argumentos da defesa da imputabilidade penal viessem embasado em dados. P. Ex: Qual o crime que os menores mais cometem, em percentual; índice de “reincidência” etc.
      Assim não fica um “defesa” vazia, baseado nos “achômetros” e na defesa do que é politicamente correto. Quero dados e soluções.

          1. foi mesmo, colocando-se no mesmo balaio juízes e débeis mentais. Agora somam-se os adjetivos bandido, prevaricadores e inimputáveis todos aplicados aos juízes. Viva a imprensa livre.

  10. Finalmente um lampejo de lucidez sobre o obscurantismo dos bem pensantes insensíveis.

    No Jornal da Cultura de ontem assistimos impotentes à sustentação dessa tese furada de que a diminuição da maioridade não vai reduzir a criminalidade. Não é esse o foco. A redução só ocorrerá quando tivermos um povo altamente educado, todos sabem disso. Ou seja, daqui a 100 anos se começarmos agora.

    Enquanto isso, no mesmo jornal eram exibidas imagens de duas crianças de 10 e 11 anos sendo levadas algemadas para a prisão. Elas haviam sequestrado e matado uma menina de 2 anos. Provavelmente vão pegar prisão perpétua, conforme as leis americanas.

    Em alguns países mais avançados não existe idade mínima. Matou, vai para a cadeia como qualquer criminoso. Mas no país dos intelectuais que adoram posar de superiores, pregar essa tese seria o mesmo que oferecer a cara ao revólver das teses defendidas por eles.

    Enquanto isso, um latrocínio ocorre a cada dois dias em SP.

  11. Como Promotor de Justiça que sou, perfeito o artigo, um tapa na cara do politicamente correto que domina o país.

  12. Parabéns Frederico, por publicar muito sem dizer nada.
    Exmo. Dr. Gustavo, sinta-se apoiado em sua posição e use sua autoridade para defender a parte vítima da sociedade, pois nós (a parte vítima) estamos abandonados.

Comments are closed.