Em nota, Anamages critica Barbosa e Falcão

Frederico Vasconcelos

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), Antonio Sbano, enviou ofício ao senador Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, anexando Nota Pública em que a entidade critica declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, sobre a PEC que criou novos Tribunais Regionais Federais, durante audiência a dirigentes de associações de magistrados.

“Sentimo-nos no dever de externar nosso constragimento diante das críticas feitas e que, a nosso sentir, ferem o princípio da independência, separação e harmonia entre os Poderes da República”, afirma Sbano.

Segundo a Anamages, “as declarações se demonstam, ainda, ofensivas à nobre classe dos advogados e, como se tornou público, à toda magistratura representada por suas associações de classe, ainda que a Anamages não se fizesse presente à infausta audiência”.

Na nota pública, a Anamages também critica declarações do ministro Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça, a quem atribui a afirmação de que “juízes não trabalham todos os dias”, ao tratar da campanha “Juiz na Comarca”.

“A magistratura brasileira deseja a modernização da Justiça e que os eventuais casos de desvio de conduta sejam apurados e punidos severamente”, afirma a nota.

Eis a íntegra da Nota Pública:

 

Nota Pública

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS ESTADUAIS – ANAMAGES, tendo em vista as recentes manifestações dos Excelentíssimos Senhores Ministros Joaquim Barbosa, Presidente do STF e do CNJ, e do Ministro Francisco Falcão, DD. Corregedor Nacional de Justiça, vem a público em defesa da honra, da dignidade funcional e, sobretudo na salvaguarda do Estado de Direito e dos princípios republicamos, se manifestar nos termos que seguem.

1. O exercício da judicatura exige de todos seus membros serenidade, equilíbrio e comedimento nas ações e nas manifestações, tanto em sede processual como diante do público.

2. Infelizmente, em alguns momentos tais princípios são esquecidos, podendo se destacar, verbis gratia:

a) – Ministro Joaquim Barbosa: “Precisamos colocar para fora muitos juízes”, ao que o Conselheiro Tourinho Neto retrucou: e também desembargadores e ministros (Sessão do CNJ);

b) “Basta que um juiz engavete um processo contra uma determinada pessoa durante cinco, seis anos… e esqueça daquele processo. Quando ele se lembrar, já estará prescrito”

– Ministro Francisco Falcão:

A) juízes não trabalham todos os dias;

B) O Tribunal de Justiça da Bahia é o pior do Brasil, além de abordar genericamente a imputação de corrupção naquela Corte.

3. Poderíamos, ainda, elencar uma série de outras manifestações que apenas servem para denegrir e destruir a imagem do Poder Judiciário.

4. Ressalte-se, ainda, os incidentes referentes à criação dos novos Tribunais Regionais Federais, assunto discutido por mais uma década no Congresso Nacional e que contou com manifestação favorável do CNJ, antes da gestão de seu atual Presidente.

Tal criação se situa no âmbito da oportunidade e conveniência política do PODER LEGISLATIVO. Ao Poder Judiciário caberia, apenas e tão só, propor e alimentar dados estatísticos, sem qualquer manifestação acerca do mérito, sob pena de se ferir o princípio da separação, independência e harmonia entre os Poderes.

Dizer que a aprovação da PEC implicará despesas desnecessárias e que os novos tribunais serão implantados em resorts para garantir emprego aos advogados se constitui em grave ofensa ao Parlamento e à nobre classe dos Advogados, o que se lastima e não reflete, com toda certeza, o pensamento do Poder Judiciário como um todo, mas sim uma visão pessoal do Exmo. Sr. Ministro, ferindo os mais elementares princípios éticos e republicanos.

A magistratura brasileira deseja a modernização da Justiça e que os eventuais casos de desvio de conduta sejam apurados e punidos severamente. Contudo, não pode aceitar calada e inerte acusações genéricas, feitas para a mídia e sem respeito a todos quanto têm o dever sagrado de julgar. Identifiquem-se os faltosos e, após o devido processo legal e a ampla defesa, direitos concedidos a qualquer bandido, se aplique a justa pena no plano administrativo, cível e criminal, conforme o caso.

A campanha “Juiz na Comarca”, conquanto elogiável, se critica pela forma como colocada ao público, dando a impressão de que todos os atores convidados trabalham, menos os juízes, os que legalmente tem o poder/dever de organizar os trabalhos e são colocados no palco coercitivamente, sequer ouvidos quanto à possibilidade das metas perseguidas. A mais, se fere a autonomia constitucional deferida aos tribunais..

Outrossim, o trabalho de um  juiz não se resume a realizar audiências exigindo tempo para análise dos processos, prolação de despachos, decisões interlocutórias e de sentenças, além de atender aos Srs. Advogados e elaborar uma série de trabalhos burocráticos de alçada das serventias, mas que por atos do CNJ estão sendo impostos aos magistrados.

É muito simpática e traz efeitos mediáticos a expressão “Juiz na Comarca”, mas aqui se pergunta:

– Quantos juízes estão acumulando diversas varas e, até mesmo comarcas distantes centenas de quilômetros?

– Quantas varas/comarcas estão vagas em todo o País por falta de juízes em decorrência do desestímulo à carreira e por limitações orçamentárias?

– Como realizar audiências, quando não há representante do Ministério Público ou Advogados presentes para as audiências, em especial no caso de nomeação de defensor dativo ou, ainda, quando o juiz não tem servidor sequer para digitalizar as audiências ou oficial de justiça para os pregões e demais atos?

Evidente que se quer colocar o telhado, sem construir as paredes.

O congestionamento é uma constante no Poder Judiciário atingindo desde o STF até os juízos singulares e a grande causa é sempre a mesma: a excessiva judicialização e recursos processuais, ao lado das deficiências estruturais. Entretanto, enfrentar tais causas gerará impacto político e, assim, é mais fácil ignorá-las e buscar um “culpado”, ainda que forma indevida.

A sobrecarga e congestionamento afetam o próprio CNJ, em especial sua Corregedoria que ao longo dos anos vem acumulando processo conclusos a vários meses ou que, como outros, incluídos em pauta são adiados. Na Sessão 166ª dos 94 processos pautados, 49 foram adiados. Sessões só uma a cada 15 dias; nos Tribunais, julgamentos apenas uma ou duas vezes por semana!

A magistratura brasileira quer, e deseja, solução para a morosidade e aprimoramento da prestação jurisdicional, MAS COM RESPEITO ÉTICO A TODOS SEUS INTEGRANTES, NÃO SE ACEITANDO, DATA MÁXIMA VÊNIA, QUE AUTORIDADES SE MANIFESTEM DE FORMA OFENSIVA E DEGRADANTE A TODOS (proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decôro de suas funções – art, 39, inc. 5, Lei 1.079/50)., em alguns casos transbordando os limites do Judiciário para ofender a dignidade parlamentar ou a advocacia.

Não se pode aceitar silente, por exemplo, o Ministro mandar que um Juiz se cale (ambos são magistrados, o primeiro, por viés político; o segundo, concursado) e só fale quando autorizado por ele – enfim, a ditadura já se foi há mais de duas décadas e, mesmo durante seu tempo, não se desrespeitou tanto a Justiça Brasileira e seus Juízes.

Comentários

  1. Tudo perfeito, salvo o agá que engoliram em “a ditadura se foi HÁ mais de duas décadas…”.
    O erro partiu da Anamages, certamente. Revisar é preciso.

  2. A propósito da ideia do “juiz na Comarca”, a solução é simples, basta punir quem, injustificadamente, nela não permanece nos dias devidos. Agora, querer que se marque audiências todos os dias é coisa de quem desconhece o ofício judicante, afinal, a que horas ou em que dias os juízes, como bem colocado na nota supra, irão despachar, sentenciar, atender os advogados? Só falta daqui a pouco o CNJ querer que o juiz cronometre o tempo das audiências e ainda acabar fixando tempo máximo para oitivas das partes e testemunhas, independentemente da complexidade das causas. Gente, fórum não é fábrica de parafusos nem os processos tramitam em linha de montagem…
    PS: o último parágrafo da nota acima é simplesmente perfeito.

  3. Se fosse um terceiro afirmasse que os juízes não trabalham todos os dias seria um deus nos acuda. Entretanto, tal afirmativa partiu de um magistrado de carreira, com longa atuação no PJ. Mas, ainda assim, essa entidade retruca. Não sabem quantos moram em outras cidades e dão meio expediente. Não sabem que diversos atuam em comarca distante da Capital, onde moram, e “tomam” avião às segundas e “retornam às “sextas”. Enfim, não sou eu que fala. Repito: é o próprio magistrado corregedor.

        1. Sim. Muito grande para digitá-lo no celular. E você, reprovou em mais algum concurso para a magistratura? E também na provinha preambular?

  4. Elucidativa a frase “a ditadura já se foi a mais de duas décadas”. Interessante é que esta mesma Ditadura militar foi quem presenteou a magistratura (e o Ministério Público) com privilégios tais como férias de sessenta dias, para ficar em somente um exemplo. Afinal foi o Ministro da Justiça do general Ernesto Geisel, o notório Armando Falcão, quem promoveu a legislação. Estranho é que esta legislação, parte do chamado entulho autoritário, foi mantida após o fim do ciclo militar e o Congresso não tenha se movido para eliminar mais este resquício de uma legislação imposta por força das armas. Afinal aceitem os juízes ou não, a História comprova que a Loman foi um presente dos militares.

    1. A Lei Orgânica do Ministério Público tem bem mais prerrogativas e foi debatida, aprovada e assinada, há poucos anos e durante o rege democrático. Foi presente de quem, desta vez?

    2. engana-se quem imagina que as férias elastecidas foram conferidas aos juízes pela Loman. Esta afirmação demonstra com uma pitada de insinuação ao regime de exceção que governou o país, como se fosse uma cortesia dos militares. Ledo engano, as férias judiciais vigoram no Brasil há mais dois séculos porque tal direito já existia desde a época do império, pelo Decreto nº 1.285 – de 30 de Novembro de 1853, renovado pelo decreto 848/1990, que instituiu a Justiça Federal, já na República, pelo Código de Processo Civil de 1939, e atualmente previsto na Loman.

        1. é verdade, mas perceba que foi um benefício que poderia ser revogado na república, pelo decreto que instituiu a justiça federal, com inspiração em Ruy Barbosa. Poderia ser revogado pelo CPC de 1939, não foi.
          ps: nos dias de hj, a inglaterra que tem trens-bala dá aos juízes de lá três meses.

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