Promotor expõe argumentos contra a PEC 37

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Por que sou contra a PEC 37”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Sanches Cunha, Promotor de Justiça em São Paulo (*).

 

Quero atuar num Ministério Público efetivamente autônomo e independente, um órgão em condições de defender a sociedade contra a criminalidade e a violação da lei.

Como titular privativo da ação penal pública, exerço, como Promotor de Justiça, parcela de soberania, e nada mais coerente que eu possa investigar para bem cumprir a minha missão.

Não se pode esquecer que uma das finalidades da investigação é evitar acusações infundadas, acusação esta a ser protagonizada pelo Ministério Público.

Vale lembrar, aqui, a teoria dos poderes implícitos: quando uma Constituição atribui funções a seus órgãos, são igualmente atribuídos os meios e instrumentos necessários para o cumprimento do que fora determinado constitucionalmente.

O Ministério Público quer continuar podendo investigar (jamais assumir a presidência do inquérito policial ou sobrepor-se às polícias civil e federal).

Investigar nada mais é do que ouvir pessoas, juntar documentos, proceder a realização de perícias e outras diligências. O Ministério Público, autor da ação, não pode fazer isso? Será que falta aos Promotores de Justiça capacidade para tanto?

Dizem que não pode porque a atividade de investigação é exclusiva da polícia (art. 144, § 1º, da CF/88). O art. 144, § 1º, IV, da CF não anuncia a exclusividade da investigação criminal para as polícias. O referido artigo utiliza a expressão “exclusividade” com a finalidade de retirar das polícias estaduais a função de polícia judiciária da União. A própria CF/88 prevê que a investigação pode ser conduzida por outros órgãos (dentre eles, a própria Polícia Militar). Se vários órgãos investigam (Comissão de Valores Mobiliários, Agência Brasileira de Inteligência, COAF, Tribunal de Contas, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – criado pela Lei 4.319/64), por que só o Ministério Público, titular da ação penal, deve ser impedido?

Como se nota, o inquérito policial é exclusivo, mas não a investigação (por isso, a redação do artigo 4º parágrafo unico do CPP)!

A tese da exclusividade de investigação pela polícia há anos vem sendo afastada no cenário internacional, inclusive por Tratados Internacionais já pactuados pelo Brasil, sempre com a preocupação de proteção de direitos humanos (cf. Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e Estatuto de Roma). Aliás, faz bem lembrar que já foi recomendação da ONU durante visita ao Brasil que “Os promotores de justiça devem, rotineiramente, conduzir as suas próprias investigações sobre a legalidade das mortes por policiais”.

Dizem que o sistema acusatório impede a investigação do Ministério Público. Ora, quem anuncia essa tese não conhece o citado sistema. Por meio do sistema acusatório triparte-se a função dentro da persecução penal em três: acusar (em regra, exercida pelo Ministério Público), defender (exercida por Advogado Público ou não) e julgar (exclusiva do magistrado). Em que momento foi entregue para personagem específico a tarefa de investigar?

Dizem que a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público carece de previsão legal. Essa tese ignora o art. 129, I, VI, VIII e IX da CF/88, os arts. 7º, 8º e 38 da Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), art. 26 da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), todos conferindo ao Ministério Público a autorização para a condução de procedimentos investigatórios.

Temos, ainda, o art. 29 da Lei 7.492/86 (Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional), que dispõe: “O órgão do Ministério Público, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos crimes previstos nesta lei”.

O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) não possui previsão de inquérito policial para investigações de crimes eleitorais, alertando seu art. 356, § 2º, que a investigação será feita pelo Ministério Público.

A Lei de Abuso de Autoridade prevê a atuação do Ministério Público na apuração dos crimes de abuso de poder (art. 2º).

A mesma atribuição é conferida ao Ministério Público pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 201, VII) e Estatuto de Idoso (art. 74).

Por fim, a resolução nº 13 do CNMP (com força normativa) disciplinou o procedimento investigatório criminal conduzido pelo Promotor de Justiça/Procurador da República.

Conclusão: tanto a CF quanto a Lei autorizam a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público!

Dizem que o Ministério Público investigando perde a imparcialidade. Contudo, no cível, o Ministério Público preside o inquérito civil e, apesar de ter lido muitos artigos sobre o tema, não vi um sequer argumentando que o Promotor de Justiça perde a imparcialidade. Ora, se preserva a imparcialidade na investigação extrapenal, porque a perde na criminal?

Dizem que a investigação ministerial provocará o desequilíbrio do sistema processual penal (quebra de paridade de armas). Paridade de armas? A experiência demonstra que o desequilíbrio é em favor do autor do crime, sempre em vantagem em relação ao Estado que o investiga, pois o criminoso conhece o fato praticado, já o Estado não.

Outro dia ouvi um jurista bradando que a sociedade perde com um Ministério Público com tanto poder!!!! A sociedade perde? Como? Será que essa PEC passa pelo crivo da sociedade, do povo, aquele que a CF/88 diz ser o real detentor do poder? Será que a sociedade ratificaria essa PEC num plebiscito ou referendo?

São estas as minhas impressões, escritas com o devido respeito que merecem as polícias civil e federal, órgãos tão importantes quanto o Ministério Público no combate ao crime (em especial, o organizado, que hoje aparece como um expectador torcendo pela aprovação da PEC).

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(*) O autor é Professor da Escola Superior do Ministerio Público de São Paulo, do Mato Grosso e de Santa Catarina

Comentários

  1. Cabe ao MP investigar sim !
    E para isso, além de acabar com esta ridícula (porém perigosa) PEC 37, há que se dar ao MP a infraestrutura necessária, com corpo técnico habilitado e competente, pois sua atuação – que extrapola, em muito, a área meramente jurídica – fica limitada à capacidade e conhecimento dos promotores e procuradores, muitas vezes insuficientes.

  2. Se essa Pec/37 fosse boa por que será que só 3 paises no mundo adotam esse regime= Uganda (ditadura), Quênia (ditadura),Indonésia. Isso nada mais é que um retrocesso de 200 anos atrás… Só políticos que tem alguma coisa a dever é que ineressam por isto. O povo brasileiro já não é mais analfabeto e nem bobo…portanto acordem seus políticos…

  3. A PEC 37/11, se aprovada, imporá ao Brasil o maior retrocesso de sua recente democracia. Porém, para compreender a “PEC DA IMPUNIDADE , é preciso um breve escorço histórico.

    A vergonhosa proposta só veio à lume depois que a Justiça, máxime o STF (maioria) e o STJ reconheceram o óbvio, i.e., que o MP pode investigar.

    Assim, vencido, de forma definitiva, o falacioso argumento contrário a investigação pelo MP perante a Justiça, partiu-se para o ataque sorrateiro com a infame PEC 37/11. “A Justiça não serve mais aos nossos interesses escusos? Então, vamos ao Congresso Nacional!!”

    Enfim, o Brasil precisa se posicionar e decidir se deseja se juntar de vez ao grupo formado pelos EUA, Itália, França, Alemanha, Inglaterra, Portugal etc, ou aos evoluídos Indonésia, Uganda e Quênia, únicos países no mundo que impedem o MP de investigar e que são reconhecidos mundialmente pelo firme combate à corrupção…

  4. Quando fala-se do inquerito civil publico e da ação civil publica, estranhamente nao quer liberar para outros orgãos.
    Devemos discutir tambem a exclusividade da ação penal, portanto ninguem quer trabalhar mais sim poder.

    1. Exato Renato Dantas! Assim como ocorre com a ação penal pública, que não é exclusiva do MP ante a possibilidade da vítima intentar ação penal privada subsidiária da pública justamente v.g. quando há desídia ou prevaricação do “parquet”, nos casos das investigações deve sim o membro do MP averiguar o que levou à desídia ou prevaricação, mas em decorrência de seu dever constitucional de fiscal da lei e do exercício do controle externo da atividade policial. O exemplo que eu citei ocorre muito (não generalizando, claro) nas comarcas do interior do país, onde uma vítima de violência doméstica ao procurar o promotor de justiça em seu gabinete apenas é ouvida mediante termo (quando muito), sendo tal expediente encaminhado para a polícia instaurar IP (requisição). Estes casos não interessam ao MP? São menos importantes? Em que casos os promotores de justiça atuariam?
      PS.: Não generalizo o que expresso aqui em hipótese alguma. Abraço a todos.

  5. Os abnegados promotores de justiça estariam “dispostos” a investigar um corriqueiro caso de lesão corporal leve praticado no âmbito doméstico ou familiar, uma vez que trata-se de ação penal pública incondicionada, devendo, nestes casos atuar “ex officio”? Ou somente os casos de grande repercussão midiática, atuando como verdadeiros “acusadores de exceção”?

    1. Na fase em que atuei numa vara criminal especializada na violência doméstica, por diversas vezes, ao perceber que existiam fatos possíveis de investigação não me senti impedido e, muito menos, tornava menos séria a investigação policial. Era comum, seja antes da denúncia ou no curso da ação penal complementar a prova colhida na esfera policial. Sem nenhum demérito ao trabalho policial de origem. A busca é sempre pela qualidade das provas. De outro lado, na fase judicial, na oitiva de testemunhas e produção de outras provas, o MP também produz investigação, sob o crivo do contraditório, como também fazem os advogados. Ia esquecendo, já ofereci muitas denúncias criminais com base em peças de informações oriundas de outros órgãos públicos e instituições. Finalmente, os senhores advogados podem se manifestar. Os juízes, também. Já os membros do MP não podem?

    2. Se o MP fosse investigar toda e qualquer conduta criminal, aí sim estaria querendo substituir a polícia. Não há a menor menção disto no artigo.
      Ademais, há centenas e centenas de investigações do MP que passam longe da mídia, como a maior parte daquelas envolvendo o PCC, aqui em São Paulo. holofotes.

      1. Os holofotes da mídia também são vistos nas Operações da Polícia Federal e nem por isso devemos desacreditar de tais investigações. A mídia vai se interessar sempre pelos grandes escândalos, especialmente envolvendo políticos, etc…
        Mas a maioria dos casos, também importantes, tanto nas investigações da PF quanto do MP passam longe da mídia.

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