Processo eletrônico sem mágicas ou retórica
Sob o título “O processo eletrônico e a morosidade da Justiça”, o artigo a seguir é de autoria de Georgius Luís Argentini Principe Credidio, Juiz Federal da 29ª Vara Federal de Pernambuco.
Décadas de 80 e 90 do século XX. A maioria das varas e tribunais brasileiros ainda não dispõe de equipamentos de informática, de modo que o controle de prazos e andamento dos processos, a documentação de atos e os julgamentos dependem apenas de meios tradicionais e pouco ágeis, como as máquinas de escrever e os registros em papel, não raras vezes manuscritos.
Divulga-se, então, às vezes com fervor religioso, inclusive na mídia, que a informatização é a grande meta do Judiciário, pois sem dúvida solucionará os graves problemas de morosidade dos julgamentos.
Segunda década do século XXI. Depois de muitos recursos gastos pela União e Estados na compra de equipamentos, os resultados positivos da informatização são inegáveis, mas a morosidade dos julgamentos persiste, aumenta e continua a ser um dos grandes males do Judiciário.
Acumulam-se pesquisas, estatísticas, discussões e críticas, mas a nova solução é anunciada e encontra muitos adeptos, alguns também com fé religiosa, e até na mídia: o processo judicial eletrônico ou “PJe” é a grande solução para a morosidade.
Não há nenhuma dúvida de que o processo eletrônico é um avanço tecnológico do qual não se deve prescindir e que já deveria ter sido totalmente implantado no Judiciário há pelo menos uma década. A experiência dos Juizados Especiais Federais que usam exclusivamente processos eletrônicos é um de muitos exemplos eloquentes.
No entanto, surgem muitas dúvidas quando se afirma, como é possível observar nos últimos meses em declarações de autoridades, propagandas institucionais ou editoriais e artigos de jornais, que o processo eletrônico é a solução definitiva para a morosidade, até mesmo para evitar, por exemplo, a criação de novas unidades judiciárias.
Como todo sistema informatizado, o processo eletrônico dependerá de ajustes e adaptações às necessidades do dia a dia, frequentes correções de erros ou “bugs”, treinamento eficaz dos operadores, amplo acesso à Internet com velocidade de conexão razoável, nem sempre disponível para os órgãos judiciários e advogados, além de dois outros elementos capitais, mas aparentemente esquecidos: a colaboração efetiva de todos aqueles que lidam com o sistema e a mudança de mentalidade sobre o próprio “modo de ser do processo”.
E mais: de nada adiantará novamente o investimento de significativos recursos públicos, por vezes amparado em um discurso meramente retórico, sem atentar racionalmente que a implantação do processo eletrônico não é a solução mágica para a morosidade, pois muitas outras diversas causas de atraso dos julgamentos continuarão presentes e sem nenhuma solução próxima, como o formalismo aliado ao bacharelismo de nossa cultura jurídica, a notória insuficiência do número de servidores e juízes, o emaranhado legislativo, o anacronismo de leis processuais que incentivam milhões de demandas temerárias e recursos protelatórios, e, preponderantemente, a Administração Pública das três esferas de governo (União, Estados e Municípios) como a primeira colocada na instauração de processos, de forma direta ou indireta.
Portanto, se realmente a pretensão é tornar o Judiciário mais rápido e eficiente, é imprescindível que o processo eletrônico seja compreendido como apenas mais uma medida, dentre muitas outras urgentes e necessárias, que poderá auxiliar na aceleração dos julgamentos, desvinculando-o, todavia, do pensamento mágico ou de discursos retóricos.
Caso contrário, o mito da “informatização do Judiciário” dos anos 90 e que também contribuiu com a atual tragédia para aqueles que aguardam há anos um julgamento, se repetirá como uma farsa para as futuras gerações.
(*) O autor é Juiz Federal, ex-Juiz de Direito (1989-1995), ex-Juiz do Trabalho (1995-2003) e Mestre em Direito Público (UFPE).
O que há é excesso de jurisdição. Conforme pesquisas, os juízes brasileiros já são os que mais proferem sentenças no mundo. Não faz sentido pedir que profiram mais ainda, acreditando que isso é que melhorará a prestação jurisdicional. O que nos falta é racionalidade no sistema. Como principal exemplo, tenho que não faz sentido algum não punir o recorrente que perde em todas as instâncias, mantendo a sucumbência idêntica daquele que em primeiro grau já cumpre com a sentença. Menos ainda é cobrar 12 reais para o julgamento de uma apelação, como ocorre em alguns estados. Basta isso e um saco de pão rabiscado e o vencedor perde, na melhor das hipóteses, 3 meses.
Isto é um convite ao abuso que gera o assoberbamento do judiciário e impede o verdadeiro acesso a justiça.
Esperei um pouco antes de fazer qualquer comentário, pressentindo que não haveria. Como o artigo não critica a Justiça ou o juiz, ninguém se manifesta. Concordo com o que diz o juiz, integralmente. Ao invés de termos inúmeros processos em papel, teremos eles virtualmente, e, assim, a morosidade não será superada.