Banestado: ações e omissões do MPF

Frederico Vasconcelos

Prescrição retroativa é “invenção brasileira” com “modalidades exóticas”.

 

O reconhecimento da prescrição de crimes cometidos por ex-gestores do Banestado abre espaço para uma reflexão sobre as ações e omissões do Ministério Público Federal que contribuíram para esse desfecho.

Trata-se de mais um caso de impunidade em crimes graves permitida pela legislação processual e agravada pela demora nas investigações e na tramitação das ações.

Reportagem de autoria do editor deste blog, publicada na edição desta terça-feira (23/4) na Folha, revela que o Superior Tribunal de Justiça extinguiu completamente a punição de sete dos 14 ex-diretores e gerentes do Banestado —banco paranaense privatizado em 2000— condenados pela remessa fraudulenta de R$ 2,4 bilhões ao exterior, nos anos 90.

Em 2003, uma força-tarefa –formada por membros do MPF, Polícia Federal, Receita Federal e Banco Central– investigou o esquema que transferia para paraísos fiscais dinheiro da corrupção e do tráfico de drogas através de depósitos de doleiros em contas de laranjas e nas chamadas contas CC5 (criadas para permitir transferências legais para o exterior).

Em agosto de 2004, o procurador Celso Três, que iniciou as investigações em Cascavel (PR), relatou à Folha a precariedade dos meios para investigar o Caso Banestado e a falta de apoio da Procuradoria-Geral da República.

Três responsabilizou a cúpula da PGR à época e a Polícia Federal pela “aberrante morosidade” na investigação. Ele afirmou que o então procurador-geral, Geraldo Brindeiro, deveria ter constituído uma força-tarefa em 1998, o que só fez “no crepúsculo de sua gestão, acossado pela CPI do Banestado”.

Na fase inicial das investigações, trabalhava-se com um computador, apreendido pela Receita, operado por um motorista do MPF.

Em apenas doze meses, entre agosto de 2003 e agosto de 2004, o juiz federal Sergio Fernando Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, julgou a ação penal, um processo com 20 denunciados –metade do número de réus do mensalão.

A tramitação do processo nos tribunais, contudo, foi marcada pela morosidade. A ação permaneceu durante cinco anos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, para julgamento de apelações. O processo está há mais de três anos no STJ.

A Procuradoria-Geral da República levou um ano e três meses para emitir um parecer.

“A prescrição retroativa, ao fim das intermináveis quatro instâncias, é invenção brasileira sem paralelo no mundo”, diz Celso Três. “Faz-se tramitar todo o processo para, apenas no final, saber se está prescrito ou não”.

“Não estou decepcionado, pois o resultado era previsível”, afirma.

“É realmente lamentável que a prescrição tenha ocorrido”, diz o procurador da República Vladimir Aras, que também participou das investigações.

“Precisamos modificar as regras de prescrição, para que não haja impunidade em crimes graves. Os prazos atuais são muito exíguos e há modalidades prescricionais exóticas, só conhecidas no Brasil”, diz.

Segundo o procurador, “apesar da prescrição, a força-tarefa foi exitosa, pois conseguimos repatriar US$ 3,6 milhões, e a Receita Federal lançou mais de R$ 8 bilhões em tributos”.

“Enfim, bem ou mal alguma Justiça se obteve”, diz Aras.

Comentários

  1. Bilhoes sairam e alguem se alegra por repatriar a milesima parte ?
    Na minha atividade tecnica, empresa privada, somos avaliados pela performance no desempenho das funcoes.
    Na atividade publica ( os 3 poderes) poder-se-ia criar criterios de desempenho e a permanencia no emprego ser decidida em funcao de uma avaliacao nestes moldes.
    Informatizacao ajuda a monitorar prazos e a profissionalizacao dos quadros e recursos ajuda a evitar que o motorista seja utilizado para operar o computador emprestado.
    Uma outra maneira de agilizar processos e’ o cumprimento das decisoes de primeira instancia.
    Se o individuo e’ condenado, que seja PRESO. Que seu advogado apele enquanto ele cumpre pena.
    Haveria uma reducao enorme de medidas protelatorias.
    O processo legal foi cumprido. Se houver erros, que aprendamos todos com eles, mas chega de tanta impunidade!!

  2. Na época deste escândalo do Banestado, eu fiz diversas charges para o jornal Impacto Paraná. Nesta época nós já com a certeza de que depois de repartida a pilhagem jamais haveria punições para os sócios. Agora vocês também podem ter a certeza que esta grana toda não vai voltar. A prescrição foi transformada em mercadoria, impunidade não sai no fiado. Veja algumas charges destes escândalos no blog mataalheiamamatanossa.blogspot.com e divirta-se com as charges, das poucas certezas que temos nesta vida, que é uma “justiça ” podre muito bem remunerada.

  3. Se a morosidade fosse do juiz, o Falcão, após ler a reportagem, já estaria requisitando explicações e após punição com rigor com direito a publicação em jornais.

  4. Em minha humilde opinião, creio que o Ministério Público, pela nobre missão que lhe foi confiada e pela confiança que conquistou junto à sociedade, deveria expor de forma mais clara como é feita a fiscalização de seus próprios membros. Nenhuma crítica à instituição. Preocupação de quem, ao final, paga as contas.

    1. Autorreconhecimento de humildade é, de fato, uma contradição. Os órgãos de controle são semelhantes aos da magistratura: Tribunais de Contas (o MP presta contas!), Corregedorias, Conselho Nacional do Ministério Público, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas. No MPF e em alguns MPs estaduais, Ouvidorias. Obs. 1: Os Conselhos Nacionais têm membros cidadãos, indicados pelo Congresso, advogados e magistrados. Obs. 2: Assim como os Ministros do STF, os Procuradores de Justiça e o PGR estão sujeitos a impeachment. E não bastasse, assim como os atos administrativos e também os jurisdicionais praticados por magistrados, os praticados por membros do MP estão sujeitos a amplo controle jurisdicional. Devo ter me esquecido de algum…

      1. Eu nunca vi Juiz ou Promotor ser impeachmado. E não me recordo de nenhuma punição de membro do MP pelo CNMP. Sobre o controle jurisdicional, ele existe de fato. Mas ele é limitado.
        att.

  5. De novo virão as velhas e conhecidas explicações que atribuirão à legislação processual a culpa pela morosidade. Puro engodo. Não é a primeira ação e nem será a última que terá a prescrição como resultado final. E isto é óbvio já que nunca se individualizam as respónsabilidades. Por exemplo, é incorreto dizer sobre a omissão do MPF. O certo é falar sobre a omissão de alguém do MPF. Não se pode diluir a responsabilidade sob o manto da impessoalidade da instituição, seja esta o MP ou o Judiciário. Simples, dêem rostos às decisões, personalizem os responsáveis, individualizem a conduta, assim o véu da irresponsablidade será rasgado e veremos os responsáveis, em última instância, pela impunidade reinante.

  6. O que mais choca é a seguinte parte do texto:

    “A tramitação do processo nos tribunais, contudo, foi marcada pela morosidade. A ação permaneceu durante cinco anos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, para julgamento de apelações. O processo está há mais de três anos no STJ.”

    Eu como paranaense me sinto ultrajado pelo fato desta ação ter permanecido 5 anos no TRF da 4ª Região em Porto Alegre

    Espanta a morosidade deste tribunal. Mas é justificável já que metade das ações que julga são originárias do Paraná.

    Por que não há um TRF no Paraná? Por quê? A constituição de outros TRF’s em outros estados certamente tornaria a justiça mais célere. É dever do estado prover justiça ao cidadão e agora? Os crimes do Banestado prescreveram graças a morosidade dos órgãos competentes pela investigação e pelo julgamento. Mas agora, todos viraram paladinos da justiça, bons moços e defensores do dinheiro público!

    Lembrando que a tramitação da PEC dos TRF’s foi iniciada em 2002, portanto nada teve de sorrateira. A sua aprovação no Congresso recebeu 350 votos favoráveis e por causa de um ministro do Supremo deslumbrado com os holofotes e sem freios na língua e um senador que dispensa apresentações pela sua (má) fama acusam a criação desses novos TRF’s de dispendiosa! Onde está a democracia? Que democracia é essa que deveria cumprir a Constituição e levar a Justiça Federal à todos, mas para ficar em evidência na mídia prefere discutir custos de tribunais?
    E agora pessoal que concorda com o ministro do Supremo, com o novo paladino da justiça “o senador”, como fica a impunidade do Caso Banestado?
    Creio que vocês devem estar em resorts, bem como o TRF da 4ª Regiçao que demonstrou, nesse caso, que não funciona. Será que não deve estar instalado em algum resort lá em Porto Alegre?
    É por isso que sou favorável a PEC do TRF’s!
    TRF da 6ª Região no Paraná já!
    Promulga Renan!

    1. Manoel, quem deveria investigar eventual falta funcional seria a Corregedoria do MPF. Seria bom alguém representar o responsável pela desídia no CNMP, já que parece que a Corregedoria do MPF não funciona.

  7. Notável que, sem condições, a primeira instância — MPF e JF — tenha dado conta do trabalho até que com certa agilidade. Um ano e três meses para dar um parecer, quando o MPF é o autor é para lá de lamentável.

  8. O processo em causa deixa transparecer qeu a Justiça Federal é realmente especial, ou seja, é apenas para alguns…

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