Debate truncado sobre novos TRFs

Frederico Vasconcelos

Sob o título “É admissível a não promulgação da PEC dos tribunais?”, o artigo a seguir é de autoria de Nino Toldo, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). O texto foi publicado originalmente no jornal “Correio Braziliense“, na edição desta terça-feira (23/4).

 

A criação de quatro Tribunais Regionais Federais pela PEC 544/2002, aprovada pelo Congresso Nacional, acirrou os ânimos no Poder Judiciário. Vozes contrárias à ampliação da 2ª instância da Justiça Federal pedem ao Presidente do Senado que não promulgue a Emenda, apesar da regularidade do processo legislativo.

Isso, porém, é inaceitável. O ato de promulgação é vinculado e não há motivo para que deixe de ser realizado.Emendas à Constituição devem ser promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que devem fazê-lo sempre que o projeto for aprovado no plenário, em dois turnos e por três quintos dos votos dos respectivos membros, conforme determina a Constituição.

A promulgação não é o momento para se proceder ao controle de constitucionalidade da PEC, o que cabia às Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania das duas Casas, que afirmaram sua constitucionalidade.

As Mesas, pela natureza de órgão fracionário, não têm poder de veto sobre a vontade do plenário.

Três objeções foram apresentadas para obstar a promulgação da PEC: vício de iniciativa, excesso de gastos e necessidade de retorno ao Senado para apreciação do texto aprovado pela Câmara.

Pela natureza jurídica do ato de promulgação, os dois primeiros argumentos (vício de iniciativa e impacto financeiro) sequer deveriam ser discutidos, já que a PEC observou todas as formalidades previstas na Constituição e nos Regimentos Internos das Casas. Os argumentos, porém, além de inapropriados, são duvidosos e inconsistentes.

Com efeito, seriam inconstitucionais, por vício de iniciativa, duas emendas anteriores (24 e 45), de iniciativa parlamentar, que interferiram profundamente na estrutura do Poder Judiciário? Por que não houve essa dúvida quando da promulgação da EC 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autorizou a criação de câmaras regionais e extinguiu os Tribunais de Alçada no âmbito dos Estados? Por que não se suscitou esse debate quando a EC 24 extinguiu a figura do juiz classista e impôs que em cada Estado e no Distrito Federal houvesse pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho?

A segunda objeção aproxima-se do absurdo. Com certo terrorismo argumentativo, afirmou-se que os novos tribunais custariam, “por baixo”, R$ 8 bilhões de reais ao país, embora não se saiba qual o método de aferição desse valor. Se existente estudo nesse sentido, a ele não se deu publicidade.

Essa estimativa, porém, é equivocada e revela desconhecimento da Justiça Federal. O orçamento da Justiça Federal para 2013 é da ordem de R$ 7,8 bilhões. Desse montante, 78,6% serão destinados ao 1º grau da Justiça Federal, que não sofrerá nenhum aumento em decorrência da PEC 544. Como explicar, então, que quatro novos tribunais custariam mais que todo o orçamento da Justiça Federal?

Da análise do orçamento da Justiça Federal pode-se afirmar que o custo médio dos atuais tribunais regionais é de R$ 272 milhões anuais, sendo que o menor deles, que tem o perfil dos novos tribunais, é de R$ 154 milhões por ano, incluindo-se despesas com pessoal, benefícios e de custeio. Logo, os novos tribunais não poderão custar mais do que R$ 700 milhões ao ano. Além disso, o Conselho da Justiça Federal (CJF), em resposta a questionamento de parlamentares, concluiu que a PEC 544 está em conformidade, do ponto de vista orçamentário e financeiro, com os limites da lei de responsabilidade fiscal, uma vez que a margem de expansão comporta as despesas projetadas, consoante fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O argumento da alteração de texto também não se sustenta, pois a modificação realizada pela Câmara consistiu em mera adequação formal, sem mudança de conteúdo, o que, segundo precedentes do Legislativo e do STF, dispensa o retorno à outra Casa. Este juízo, aliás, foi realizado em 2003, quando, após parecer técnico, o senador José Sarney, então Presidente do Senado Federal, dispensou a necessidade de retorno da PEC.

Vê-se, portanto, que o debate público sobre o tema ficou truncado em razão da distorção de informações e da utilização de adjetivações sensacionalistas com o intuito de colocar a opinião pública, o Executivo e a imprensa contra a criação de novos tribunais federais.

Seja como for, considerando-se a ausência de vícios na tramitação da PEC, sua não promulgação consistiria em afronta a uma decisão soberana do Poder Legislativo e um precedente perigoso para o país, pois configuraria um ato político sem respaldo no ordenamento constitucional.

Comentários

  1. Interessante a premissa de que os novos TRF não ultrapassarão o orçamento dos atuais. Os prédios brotarão do solo? Ou será um tribunal virtual, com todos os novos desembargadores e assessores trabalhando de casa realizando sessões via skype?

    1. Caro Senhor JKS,
      Quanto aos prédios, na Justiça Federal, os prédios serão cedidos pelas governos dos respectivos Estados: Paraná, Minas e Manaus.
      Em relação aos servidores, os quadros serão mais compatíveis com a nova realidade e muitos servidores serão aproveitados da própria estrutura do Poder Judiciário Federal.
      Não há milagre, se a população quer uma justiça mais célere, ela deve investir em estrutura.
      Curioso é que a Justiça Federal possui vinte e sete tribunais e nunca vimos tanta preocupação sobre a estrutura da justiça trabalhista como em relação à justiça federal.
      Por quê? Penso que o maior demandado da justiça é a União. O povo pode esperar para ter o seu direito reconhecido. È isso?
      Então, vamos todos esperar sentados por dias melhores.

      1. Não dá para comparar a Justiça Trabalhista com a Justiça Federal, por razões óbvias.

        Poder-se-ia diminuir as demandas, e sobretudo o seu tempo de tramitação, se não houvesse tanto “J.Digam”, expediente do qual se valem os serventuários, enquanto o julgador não está disposto a decidir…

    2. Ninguém cogita de dar uma guinada na orientação jurisprudencial, que puna a administração federal por adiar o cumprimento das leis, jogando tudo para o P. Judiciário.

      Demandas desnecessárias deveriam gerar multas altissimas, de forma a alterar o padrão de ilegalidade da Administração Publica Federal.

      Lembro de ação civil publica para desbloqueio dos cruzados — governo Collor — que foi alvo de criticas de juízes federais, vez que o MPF estaria retirando das jurisdição daqueles juízes centenas de milhares de ações individuais, sobre o mesmo assunto!!!

      Precisa mudar a mentalidade e não aumentar mais do mesmo.

        1. Cara Senhora Ana Lucia,
          Por que o Ministério Público conhecedor do congestionamento dos Tribunais e da ineficiência das varas do interior nunca questionou o tema? Vocês não fiscalizam a Justiça?

  2. estou decepcionado com todo este debate. Na minha opinião a PEC deveria ser pormulgada, porque infelizmente temos muitos processos na arrea federal e poucos julgadores em grau de recurso. Se não promulgar esta PEC, que pelo menos se aumente o número de desembargadores no TRF da 3ª Região e também da 1ª Região, para que possa dar vazão aos processos represados. Este aumento de desembargadores é feito através de Lei Ordinária, como foi feito no TRT da 15ª Região, onde foi dobrado o número de desembargadores Trabalhistas e o tempo de tramitação dos recursos passou de 2 anos para no máximo 6 meses.

  3. A criação de novos TRFs decorre de uma opção política inescapável do nosso regime: o da judicialização de tudo. São quase 100 milhões de processos. Pra se dar vazão a esse volume insano, é preciso mais Tribunais, afinal, transformaram parcela da JF em balcão do INSS. Além disso, um superficial estudo de jurimetria comparada facilmente demonstraria algo aqui de muito em errado: a transformação do Poder Judiciário não em instrumento voltado à implementação de direitos, mas sim ao sustento de uma gigantesca comunidade jurídica derivada, pasmem, de milhares de faculdades de Direito.

  4. É ÍNCRÍVEL! NADA MUDOU COM A REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO. Em 2001 Armando Castelar Pinheiro já dizia: “Isso ilustra um efeito indireto mas não menos importante da lentidão da justiça: ela encoraja o recurso ao Judiciário não para buscar um direito ou impor o respeito a um contrato, mas para impedir que isso aconteça ou pelo menos protelar o cumprimento de uma obrigação. Isso significa que há um círculo vicioso na morosidade, com um número grande das ações que enchem o Judiciário, desta forma contribuindo para a sua lentidão, estando lá apenas para explorar a sua morosidade” (Economia e Justiça: Conceitos e Evidência Empírica, 2001).
    A morosidade do Judiciário interessa a muita gente. Por isso a dificuldade de se melhorar o sistema judicial.
    A motivação contra a promulgação dos novos Tribunais é a economia ao erário.
    No entanto isso é uma falácia. Por quê?
    Porque, na atualidade, há uma norma que diz que nenhum servidor poderá receber salário maior do que o subsídio do Ministro ou do Juiz que o chefia. Essa norma não é obedecida.
    Há na justiça mais de quarenta mil servidores e o salário deles foi incrementado em mais de trinta por cento. Um índice maior do que o dos Juízes. ( Há na justiça federal apenas mil e oitocentos juízes). Portanto, qualquer aumento para servidores é muito mais custoso para os cofres públicos do que o aumento dos subsídios dos juízes.
    Enfim, o aumento dos servidores causará um enorme comprometimento do orçamento judiciário, vários servidores ganharão mais do que os Juízes.
    Não vi a AGU ou o MP questionarem a aplicação da norma no CNJ para economizar valores ao erário.
    No entanto verificamos que a AGU questionou o pagamento dos atrasados do auxílio-alimentação dos juízes. Detalhe: os defensores públicos recebem vantagens patrimoniais criadas, inclusive o auxílio-alimentação, por portaria, e também recebem subsídios.
    Enfim, a quem interessa o sucateamento dos Juízes?
    Se o interesse é a economia ao erário, por que não questionaram a obrigatoriedade de aplicação da referida norma que exige que nenhum servidor ganhe mais que o Juiz? Imagine a economia que se faria ao erário? Ora, como podemos verificar, o interesse verdadeiro não é a economia orçamentária. Há muita coisa para cortar, mas não se corta.
    O que se quer é diminuir os Juízes federais.
    O mesmo pode ser dito sobre os referidos tribunais.
    Eles não serão tão custosos como se diz. Toda sociedade ganhará com eles.
    Mas, muita gente torce para que o Judiciário não funcione.

    1. Temos aqui mais um caso de “juizite” contra servidores. Espanta ver alguém encarregado de aplicar a norma, defender tal entendimento autoritário.
      Sou servidor do Judiciário e não ganho um terço do salário de um juiz, ocupando cargo de nível superior, responsável por minutar suas sentenças e decisões, tenho adicional de pós graduação, gratificação de função comissionada e não recebo um terço do que o distinto magistrado ganha.
      Mas, se tais servidores ganham mais, certamente é porque o regime jurídico então em vigência lhes garantiu acumular tais vencimentos. Isso se chama direito adquirido, algo que eu, como cidadão, espero que os juízes, que tanto propalam sua independência e excelência, defendam.
      O distinto comentário reflete a pequenez da classe judiciária. Não é que nós queremos ganhar mais. Queremos, por vaidade, que NINGUÉM ganhe mais do que a gente. Não vamos usar o argumento de que o servidor ganha 10 e nós 8 para aumentar nosso salário para 12 ou 15. Vamos usar o argumento de que eles não podem frequentar o mesmo restaurante que frequentamos ou o mesmo hotel de férias. Somos especiais, senhores!! Somos!!! E não podemos nos misturar a qualquer segmento, como o presidente da AJUFE disse ao afirmar que não poderiam ser tratados como sindicados de motoristas de ônibus. Uma palavra apenas. Decepção.

      1. Caro Senhor Anderson,
        Acompanhe a jurisprudência do E. STF sobre o tema. Os conceitos clássicos estão se transformando.
        A interpretação da lei evolui com o tempo, mas ela deve ser aplicada e não ignorada.
        Os fiscais da lei ( MP e AGU ) devem atuar e questionar o tema.
        att.

        1. Com certeza acompanho senhor (ou doutor) CSS. Tanto que redijo as minutas de sentença. Não se trata de evolução ai, data maxima, e sim de vaidade. Saudações.

Comments are closed.