A espetacularização do grotesco
Sob o título “A violência como gozo escópico. Civilização ou barbárie?”, o artigo a seguir é de autoria de Rosivaldo Toscano Jr., juiz de direito no Rio Grande do Norte e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Foi publicado originalmente em seu blog (*).
Entro no Facebook. Vejo um amigo criticar, estarrecido, uma postagem oriunda de uma determinada comunidade e que foi compartilhada por um conhecido dele. Na referida postagem, uma fotografia em cores de um homem dominado, ao chão, pisoteado, algemado e com uma pistola em sua boca. Na mesma foto, os seguintes dizeres: “Ficou com pena dele? Acha isso um tratamento desumano? Sabe quais foram seus crimes? Leve pra casa e descubra.”
Essa postagem teve muitos compartilhamentos. É a espetacularização do grotesco e o mórbido. Isso vende e rende. Seja a sensação de alívio por não estar ali no lugar da vítima, seja a sanha violenta de se estar ali no lugar do algoz. O primitivo se faz presente. Como caçador ou caça. O sangue. A pulsão de morte grita!
Civilização ou barbárie? Há barbárie na civilização. Ou seria o contrário? Nossos ternos, vestidos, perfumes, joias, requintes, enfim, escondem esse predador perverso que se alastra como praga pelo planeta, submetendo, dizimando e destruindo tudo e todas as demais espécies (inclusive a própria) por onde passa, em nome de uma pretensiosa superioridade, justificando sua violência em um discurso contraditório de bem-querer e de luta pelo bem comum. Sendo mais claro: em nome de deus(es) e do amor. E não nos enganemos. O ser humano de hoje – que também goza com o consumismo, mata com armas, radiação e lixo tóxico. É o exterminador do futuro.
Na imagem, o algoz diz: “sou o portador do falo (da arma), do poder. Sou mais homem que você”. Melhor dizer isso do que, na verdade, reconhecer ser, tão somente, maisanimalesco. Não falta quem bata palmas. Mas quem aplaude a barbárie o que é, senão, um igual bárbaro que goza ao ver seu desejo de sangue sendo gozado, nem que seja pelo gozo do outro? Há um voyeurismo mórbido aí.
A foto é dramática, mas esse drama humano é ofuscado pela banalização da violência: “ficou com pena dele? Acha isso um tratamento desumano?”.
Ao mesmo tempo, a violência e a morte viram algo íntimo, que amedronta e alivia, pois é a violência ou a morte do outro. No imaginário, a morte do outro fascina como fascina a manada de zebras que olha, aliviada, para aquela que foi feita presa dos leões. “Não fui eu, por enquanto, foi o outro”. Alívio fugaz e sensação de medo constante. A morte está à espreita. Para alguns mais fragilizados, o pânico. Para outros, o desejo de ser algoz. O desejo de linchar. De fazer (in)justiça pelas próprias mãos. Cerram-se os punhos, inconscientemente. Exterioriza-se. Tinha que sair.
Se não dá para usar as próprias mãos, simbolize-se nas palavras gritadas na voz ou, se não der, no papel ou na tela do Facebook. “Curtir”. Toda pulsão tem, ao mesmo tempo, dizia Freud, pulsão de vida e pulsão de morte. São os olhos, nesse caso, como fonte de libido. Há o prazer em ver. É o gozo escópico. Mas como o gozo é fugaz (pois é a busca da coisa perdida), busca-se o novo. Há sempre uma nova imagem a ser gozada. O novo para o velho olhar mórbido. Há sempre um programa policial na TV ou no rádio à disposição. E na busca do gozo escópico, racionaliza-se: é notícia, é informação! Muitos desses programas são no horário do almoço. São comidos pelos olhos.
A imagem acima mostra, claramente, uma cena de tortura praticada por agentes do Estado. Para quem pratica o ato, uma completa corrupção da função pública. A despeito de fazer cumprir a lei, viola-a. A pretexto de perseguir pretensos criminosos, pratica crime tão grave, em frontal violação à lei, em desrespeito ao sistema judicial e à Constituição (art. 5º: “III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”). Enfim, é uma cena de covardia. Mas para isso servem os mecanismos de defesa – projeção, racionalização, negação, identificação… Freud explica.
Portanto, há quem, mesmo assim, goze em fotos como essa, reforçando esse comportamento criminoso do pretenso agente da Lei. “Sabe quais foram seus crimes?”. Só sei de um: é tortura. “Leve pra casa e descubra”. A foto revela o flagrante de um crime. Mas o ódio cega. Por isso, há quem não o veja… Onde está a barbárie? Está na foto. E o bárbaro? Na foto ou no olhar? Em alguns casos, em ambos… E a civilização?
(*) www.rosivaldotoscano.com
O aumento da barbárie por parte do cidadão é o reflexo da falência do estado na gestão da segurança, com favorecimento claro e explícito àqueles que vivem à margem da lei. Caso as posições de “algoz” e “vítima” estivessem invertidas, sua manifestação, caro articulista, teria o mesmo teor? Sou a favor dos direitos humanos, mas para humanos direitos.
http://www.rosivaldotoscano.com/2010/03/discurso-sobre-o-sistema-penal-uma.html
O juiz deveria saber que o aplauso a esse tipo de conduta vingativa, bárbara, só tem lugar nos locais onde a impunidade grassa, onde não há justiça efetiva, punição exemplar. Esse é o caso do nosso Brasil, tão cioso pelo bem-estar de seus criminosos.
Como o sistema de justiça convencional não é capaz de dar uma resposta à altura dos crimes cada vez mais nefandos aos quais temos visto (a dentista queimada viva por um menor porque não tinha a quantidade de dinheiro que ele queria; um menor que dá um tiro na cabeça de um jovem por causa de um celular e apresenta-se na DP dois dias antes de completar 18 anos; dois assaltantes que executam friamente um motorista com um tiro na cabeça, tudo filmado pelo GPS do carro etc. etc. etc.), a sociedade sente-se vingada quando vê um criminoso sofrendo um pouquinho daquilo que suas vítimas sofreram.
Naqueles países em que os criminosos são tratados não como “coitadinhos vítimas do sistema”, mas como pessoas que quebraram o pacto social e, por isso, estão sujeitas a punição na medida da gravidade do ato que praticaram, até mesmo à pena de morte ou prisão perpétua em situações limites, tenho certeza de que há mais confiança na justiça do que em justiceiros. Esse, entretanto, não é o caso do Brasil.
Aquele atentado de Boston, com várias pessoas feridas e outras mortas, a pena do executor está variando entre a prisão perpétua e a pena de morte.
Fosse no Brasil, o criminoso seria beneficiado pela esdrúxula figura do concurso formal, além de várias outras (progressão de pena, saidão, indultos, liberdade condicional etc.). Por esse instituto, não importa a quantidade de vítimas que morreram; se a ação foi uma só (colocação da bomba), mas gerou vários resultados (pessoas mortas e feridas), o criminoso receberá a sua pena como se tivesse matado apenas uma pessoa, isso mesmo, uma pessoa, sendo tal pena agravada em patamares ridículos a depender do número de vítimas.
Agora, veja se uma teratologia dessa (dentre tantas outras existentes no Brasil, pródigo, como disse, pelo bem-estar de seus criminosos) não desperta a ira e a revolta da sociedade, incutindo nela sentimentos de justiçamento! Eu acredito que sim; aliás, tenho certeza.
Por isso, antes de dizer que a sociedade está doente porque aplaude esse tipo de conduta, eu digo que ela está é farta da impunidade, da leniência do nosso sistema de justiça criminal para com os criminosos que a amedrontam.
(FAVOR DESCONSIDERAR O PRIMEIRO COMENTÁRIO)
Nem vou precisar gastar pestana e argumentos para comentar o que o nobre magistrado articula, basta fazer minhas as suas palavras, acrescentando que, quem está mesmo doente, ou melhor, acometidos de esquizofrenia, os três podres Poderes e seus “iluminados humanitários” com seus “garantismos”, seus pseudo “direitos humanos”, seus “devidos processos legais” e seus “amplos, gerais, irrestritos, universais, interplanetários e intergalácticos direitos de defesa e ao contraditório”.
Como cidadão, estou farto desta lengalenga, desta demagogia enquanto os cidadãos de bem vão sendo seqüestrados, assassinados com requintes de crueldade e as mulheres sendo assassinadas, estupradas até mesmo em coletivos e uma turminha aí continua com o mesmo discurso da década de 60.
Se a sociedade está cruel porque a bandagem está cada vez mais cruel e os três podres Poderes cada vez mais lenientes e cúmplices!
O que o articulista não aborda é que o Estado de bárbarie é fruto da total inação do Estado ou a ausência do mesmo. Estados falidos conduzem à bárbarie. Não é o que vemos aqui. Trata-se antes de um processo de catarse coletiva induzido pela sensação de insegurança frente à ocorrência de crimes de qualquer natureza, sensação esta a qual se alia a sensação de impunidade. Mas ambas as sensações tem base na realidade factual. Daí o apoio às execuções extrajudiciais, à tortura como instrumento de “investigação policial”, aos programas sensacionalistas. É claro que cedo ou tarde esta violência repressora se volta contra o cidadão, seja na forma da organização de milícias, seja através da extorsão praticada por agentes do Estado. Mas isto não invalida a reação do cidadão frente à crimes que excedem tudo aquilo que podemos chamar de “civilização” e que tem a pena máxima de 30 anos (jamais cumpridos em sua integralidade), punibilidade baseada em uma época em que a expectativa de vida era consideravelmente inferior. A verdade é que a segurança pública é um assunto sério demais para ficar nas mãos de juristas e suas teses garantistas.
Prezado Leandro,
Leia o artigos do Dr. Rosivaldo e verifique que ele tem preocupacao com as vitimas.
Nao se tratar de nao se indignar com os crimes mas aplicar a lei para puni-los, de acordo com a lei. So assim teremos um Estado Democratico de direito.
Pois eu os li, e só o que vi foi a defesa de teses esdrúxulas como a de que a reincidência deveria ser uma atenuante, ou a de que a sociedade é co-autora dos crimes que chegam aos tribunais. Considerando que as vítimas fazem parte da sociedade, parece-me que o Dr. Rosivaldo exultaria em condenar estas e absolver os bandidos. Algo como um médico que prefere matar o paciente e salvar o vírus. Depois não sabem porque a população cada vez mais odeia o judiciário, do qual, nessas horas, me envergonho de fazer parte.
Pois é, ontem um dos programas de maior audiência no Brasil gastou quase 20 minutos mostrando em detalhes surpreendentes uma operação policial em que um dos maiores traficantes do Brasil foi morto pela polícia…. Terminou com entrevista com deputado dos direitos humanos, a chefa da polícia, etc., numa clara condenação da operação policial… Mas não me lembro desse mesmo programa ou dos ‘pseudos’ defensores dos direitos humanos gastarem o mesmo tempo para falar das milhares de vítimas do tráfico comandado pelo “Sr. Traficante”. Então, como muito bem colocou o comentarista Leandro abaixo, eu também me considero um ‘bárbaro’, pois prefiro me preocupar com a integridade da minha família e das pessoas de bem que existem nesse país a gastar um único minuto de preocupação com a proteção de estupradores, menores assassinos, etc., que matam sem dó nem piedade, e muitas vezes, a Justiça da qual faz parte o nobre articulista, é incapaz de puni-los, seja pela fragilidade da Lei, seja pela incompetência em dar a punição dentro de um lapso de tempo legal.
Esse juiz está fazendo ilações. A tal foto vende? Onde? Baseado em que é afirmado que a população aprova que policiais enviem o pé na boca de bandidos? O “povo” está banalizando a violência por causa da tal foto? O Ministro Joaquim Barbosa por generalizações menos amplas foi quase banido do sistema solar. Os operadores de Direito devem sofrer de algum distúrbio cognitivo. Tiram conclusões das mais estapafúrdias a partir de um único exemplo. Vejam o caso repetido “ad vômito” nos meios jurídicos da condenação de Cristo na cruz como exemplo de que o povo é uma raça psicótica e doente. Juízes, advogados e agora promotores gostam de descer a chibata na turba que sustenta esse país nas costas, deve ser um esporte muito apreciado entre as elites e deve render boas conversas em jantares palacianos.
Sugiro ao articulista que leia o artigo de Jose de Souza Martins, sob o titulo “Direitos de todos os humanos”, que esta a pag. E13 do caderno Alias do jornal O Estado de Sao Paulo, de 05/5/13.
Acho louvável a preocupação do Dr. Rosivaldo com os direitos humanos de quem é preso pela polícia. Ficaria muito mais feliz, contudo, se ele e todos os demais defensores de direitos humanos externassem ao menos dez por cento desse cuidado e indignação com aquelas pessoas que, a exemplo do terrível fato ocorrido com a dentista Cíntia em São Paulo, além de perderem de forma cruel seu familiar, ficaram desamparadas, perdendo seu arrimo. Neste caso, foram dois idosos e uma moça deficiente. Em tantos outros, Brasil afora, são milhares de crianças que de uma hora para outra se tornam órfãs, algumas ainda bebês, que além de ficarem desamparadas jamais conhecerão seus pais. E apesar de tudo, nunca vi pessoas como o Dr. Rosivaldo, ou como a nossa Ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário, darem um segundo do seu tempo para escrever alguma coisa sobre os direitos dessas vítimas (se é que eles acham que elas têm algum). Pasmem, nem mesmo a Unicef, supostamente entidade de proteção às crianças, pronunciou-se alguma vez em sua história sobre o assunto, não perdendo a oportunidade, contudo, de vir recentemente em defesa das “crianças” de 17 anos que colocam fogo ou disparam à queima-roupa em outros seres humanos, por trinta reais ou um celular. Não consta, igualmente, que a Unicef alguma vez tenha se levantado contra a responsabilização penal de menores de 18 anos em praticamente todos os países civilizados do mundo. Enfim, acho muito importante que o estado não cometa violência no desempenho de suas funções, mas entre priorizar a preocupação com os direitos de quem sofre um ou dois safanões ao resistir à prisão e os de milhares de vítimas de criminosos sanguinários, eu, talvez um “bárbaro” na opinião do Dr. Rosivaldo, eu fico com estas.