PEC 37 e retrocesso no regime democrático

Frederico Vasconcelos

Nota técnica do CNMP diz que proposta compromete o combate ao crime organizado

 

O monopólio investigativo no Brasil significará “um evidente retrocesso no regime democrático, republicano e de combate ao crime organizado, tendo a sociedade brasileira como a maior prejudicada”.

Este é o entendimento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Nota Técnica publicada no “Diário Oficial da União” na edição desta segunda-feira (20/5).

O documento assinado pelo Procurador-Geral da República e presidente do CNMP, Roberto Gurgel, reforça a posição do órgão contra a aprovação da Proposta da Emenda à Constituição 37.

O CNMP reafirma que o Ministério Público tem prerrogativa constitucional de realizar investigações criminais; que não tem a pretensão de ser exclusivo nessa competência e que a atuação conjunta e a parceria entre os vários órgãos é a melhor fórmula.

“O Ministério Público não deverá ter ceifado do poder de buscar a verdade, através de procedimentos investigatórios”, afirma o CNMP, ao alertar sobre a gravidade e as consequências da eventual aprovação da proposta de emenda constitucional.

Eis a íntegra da Nota Técnica:

 

 

NOTA TÉCNICA Nº 2, DE 24 DE ABRIL DE 2013

Nota Técnica que expede o Conselho Nacional do Ministério Público, no exercício das competências previstas no art. 130-A, § 2o, I, da Constituição Federal, e no artigo 19, VI, do seu Regimento Interno, conforme deliberação deste Conselho na 5ª Sessão Ordinária, ocorrida no dia 24 de abril de 2013.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das competências previstas no art. 130-A, § 2º, II, da Constituição da República, e no art. 5º, V, do seu Regimento Interno, elabora a presente nota técnica com o fim de reafirmar entendimento contrário aos termos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, de 2011, e de oferecer, respeitosamente, subsídios e contribuições aos debates sobre o tema pelos Excelentíssimos Senhores Deputados Federais e Senadores da República.

1. Inicialmente, é necessário assentar que a resistência que vem sendo oferecida pelo Ministério Público brasileiro à aprovação da PEC 37 origina-se da profunda preocupação de todos os membros da instituição e de muitos setores da sociedade, com o estabelecimento do monopólio investigativo no Brasil, situação que, uma vez implantada, significará um evidente retrocesso no regime democrático, republicano e de combate ao crime organizado, tendo a sociedade brasileira como a maior prejudicada.

2. A realidade vem demonstrando que as iniciativas de melhor resultado no plano investigativo originaram-se de uma atuação integrada, articulada e harmônica entre as diversas instituições que receberam do sistema jurídico brasileiro atribuições de natureza investigativa, dentre estas, além da polícia judiciária e do Ministério Público, estão a Receita Federal do Brasil, o Banco Central, os Tribunais de Contas, as Comissões Parlamentares de Inquérito e outras.

3. Esta integração parte do pressuposto da corresponsabilidade dos agentes e impulsiona-os ao comprometimento com os bons resultados de sua atuação.

4.O trabalho em regime de exclusividade, ao contrário, conduz à desarticulação de ações que são, por natureza, interdependentes, complementares, voltadas à adequada persecução penal e ao esclarecimento da verdade. Esta desarticulação está entre as maiores causas, historicamente, dos altos índices de impunidade que afetam o sistema penal e a segurança pública. Este fato tem sido determinante, inclusive, do estabelecimento de diversas estratégias nacionais, originadas de Pactos de Estado firmados entre todos os agentes envolvidos, e cujos resultados já são concretos, mensuráveis e altamente positivos.

5. Sem embargo da atuação integrada que deve haver entre os órgãos, há algumas situações em que não se poderá afastar a investigação originária pelo Ministério Público, sob pena de restar inviabilizada ou extremamente dificultada a própria persecução penal.

6. Como órgão constitucionalmente habilitado para a propositura da ação penal, a cujos membros, em defesa da própria sociedade, o constituinte originário atribuiu independência funcional, inamovibilidade e vitaliciedade, o Ministério Público não deverá ter ceifado do poder de buscar a verdade, através de procedimentos investigatórios.

7. Não desconhece este Conselho Nacional do Ministério Público que a autoridade policial, também por atribuição do constituinte originário, deva presidir o inquérito. Também não se defende, ao contrário do que possa ter sido propalado para justificar posições favoráveis à PEC, que o Ministério Público queira dispor de poderes absolutos em sua atuação investigativa. Ou que, com base na independência funcional dos membros, seus atos não possam ser questionados, revisados ou invalidados, inclusive mediante os meios internos e externos de controle, nas hipóteses de ilegalidade ou abuso de poder. Defende-se, com toda a veemência, a imprescindibilidade de se assegurar os direitos e garantias fundamentais dos investigados.

8. Partindo desses pressupostos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reconhecido a legitimidade dos poderes investigatórios do Ministério Público, na ausência dos quais a instituição ficaria sempre à mercê da polícia, criando-se uma relação de dependência que definitivamente não encontra amparo na Constituição da República. Estando o Ministério Público na condição de dominus litis, necessário que se lhe reconheça a possibilidade do uso dos meios necessários à propositura da ação penal. Em suma, cominando-lhe os fins, não poderia a Constituição subtrair-lhe os meios.

9. A propósito, mencionem-se como representativas da posição da Suprema Corte em favor dos poderes investigatórios do Ministério Público, as decisões proferidas no RE 535.478/SC (2008), no HC 93.224/SP (2008), no HC 89.837/DF (2009), no HC 103.877/RS (2010), no HC 97.969/RS (2011), HC 84.965 (2011), entre outros julgados. Colhe-se da ementa desse último julgado, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que: “A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado.”

10. Assentou o relator, invocando inclusive precedentes anteriores da Corte, que não é o caso de se aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente. Defendeu, como assentado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF, que tal atuação justifica-se em “situações de lesão ao patrimônio público, […] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penais”.

11. Como se vê, todo o esforço hermenêutico que tem sido realizado pelo STF acerca do tema da investigação pelo Ministério Público não tem como foco o próprio poder de investigar, que a Corte Constitucional considera implícito nas atribuições do dominus litis. Centra-se, isto sim, na definição dos respectivos contornos, já que a regra geral é a atuação da polícia judiciária, mediante instauração de inquérito, e porque a atuação eventual do MP, como condutor de uma investigação, reclama, como não poderia deixar de ser, a plena atenção às garantias fundamentais.

12. Reafirma este Conselho Nacional seu compromisso com a missão constitucional que lhe foi atribuída por esse Poder Constituinte derivado , de exercer, com independência, o controle externo da instituição e do mais estrito cumprimento das funções por seus membros, ao tempo em que pede vênia e invoca a sensibilidade desse Parlamento quanto à gravidade e às consequências para a sociedade brasileira, da eventual aprovação da proposta de emenda constitucional.

ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

Presidente do Conselho

Comentários

  1. Ilustríssimos senhores deputados federais e senadores da República, esta PEC, tira a autoridade dos desembargadores, assim sendo, eles não poderão investigar os crimes ediandos, por este motivo solicito os nobre congressistas, que referida pec, não seja aprovada.

  2. A aprovação da PEC 37 será um golpe mortal no povo honesto do Brasil. Deveriamos estar discutindo a subordinação da polícia ao MP. Quem sabe assim teriamos mais corruptos levados a Justiça. Qual o problema em várias instituições investigar crimes? Seriam mais bandidos sob os olhos da Lei. Mas a massa no Brasil é fraca e dominada, senão já estariam nas ruas contra a aprovação desse absurdo.

    1. No estado de sao paulo os secretarios de segurança sao oriundos do mp, ha mais de 20 anos e nem por isso a segurança melhorou.
      No caso do carandiru, o governador e o secretario eram membros do mp.

    1. O próprio CNMP investiga o MP, Juliana. Recomendo que entre no site do CNMP. Lá está para quem quiser ver, a investigações e punições àqueles que erram. Eu levei um caso ao MP uma vez(fui agredida pelo meu cunhado – Lei Maria da Penha), como não tive resposta, entrei no site e reclamei. Dois dias depois a assistente do promotor me ligou informando que meu caso foi encaminhado a polícia, mas a investigação nao andou. O Promotor assumiu o caso. Um mês depois eu estava na frente do Juiz e meu cunhado está respondendo pelo que me fez.

    2. Além disso, eles tem a corregedoria, ouvidoria, procuradores, etc. Nunca vi qualquer outro órgão questionar a legalidade dos concursos deles, já na polícia…

      1. Desde da cf/88, alem do barulho e do midiatico, o que mp fez de fato. A pf foi que mais combateu os corruptos de todos os orgãos publicos do pais.

  3. O MP é uma instituição série e, a meu ver, isenta de pressões políticas. Logo, muita gente deseja limitar os poderes do MP. Eu como sou um cidadão comum que trabalha de dia para comer de noite, desejo que o MP continue protegendo a sociedade como sempre tem feito de forma exemplar.

  4. Ensina o Profº CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO em seu clássico “Curso de Direito Administrativo” que mais grave do ferir uma Norma é violar um Princípio, posto que ao fazê-lo o hermeneuta provoca grave corrosão na coluna mestra, no esteio ou nas bases que sustentam toda a Ordem Jurídica do Estado.

    Por ocasião de outro post aqui publicado sob o Título para “Sartori: ‘Quem acusa não pode investigar’” aludi que: Se partirmos do conceito sobre que nas Ações (penais) Condicionadas à Representação da Vítima, bem como nas Ações Penais Incondicionadas, a investigação criminal pode ser conduzida ou presidida pelo órgão acusador sem quebra do “PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS” entre defesa e acusação e do “PRINCÍPIO ACUSADOR”, temos que concordar que nas Ações Penais Privadas o mesmo Direito deve ser dado ao Querelante.

    A propósito do comentário adverte o jurista IVES GANDRA DA SILVA MARTINS que:
    “Gostaria inicialmente de lembrar o que foi discutido na Constituinte de 87, quando se dividiu a Constituinte em 8 comissões e 24 subcomissões, o titulo 4 foi dedicado aos poderes. Preocupava tanto ter uma divisão harmônica dos poderes, pois saíamos de um regime, onde o poder Executivo estava inflado, um poder que tinha todos os poderes.
    Se analisarmos o título 4, nós temos uma clara divisão entre o poder legislativo, considerado o poder da totalidade da nação, depois vem o poder executivo em que só a maioria da nação está representada, não a totalidade, e por fim o poder judiciário. O MP é uma instituição importantíssima, mas não é superior a advocacia e nem é superior a nenhuma outra instituição.
    (…)
    O que é mais importante naquilo que nós constitucionalistas chamamos de regime constitucional das crises, vale dizer, estado de sítio, de defesa, forças armadas e segurança pública, nós encontramos os caminhos, as formas pela qual nós temos um regime democrático onde os três poderes são garantidos pelo artigo 2, harmônicos e independentes, mas no campo da segurança pública, aquilo que representa o aspecto vestibular da imparcialidade do poder judiciário no inquérito policial foi outorgada por isso.
    Por isso nós já temos, com todas as interpretações que possam dar ao parágrafo 4, definido o que é a polícia judiciária e esse adjetivo tem uma importância muito grande porque é outorgada ao delegado. Não se colocou ali a figura do MP. O MP está em outro capítulo. O MP tem as suas funções ao lado da advocacia pública e privada.
    (…)
    Em texto do ministro Carlos Veloso dizia: ‘somente a autoridade judiciária tem o dever ser imparcial, mas o MP não tem o dever da imparcialidade.’ Porque o MP, na dúvida, acusa. Aliás, tem obrigação de acusar porque pode ser acusado de estar prevaricando.
    Mas uma autoridade que tem obrigação de acusar na dúvida quanto todo o direito penal que diz que na dúvida tem de se decidir a favor do réu, que o processo penal é um processo de defesa do cidadão em uma democracia contra a força do Estado. Foi essa razão tem de ter a garantia do direito de defesa que é a principal garantia de uma democracia, como alguém que tem a obrigação de não ser imparcial, de acusar na dúvida pode ser ele o investigador e ser ele que vai presidir o inquérito…” (cf, http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/05/10/8725/?searchterm=pec 37).

    Portanto, essa questão deve ser analisada sem corporativismo, sem revanchismo, sem arrogância, por que o resultado, seja Ele qual for, provocará mudanças sérias de paradigmas e relevante influência no cotidiano de cada um Nós!

      1. Olá CSS, obrigado pelo lisonjeiro comentário. Atendo a sua sugestão vou publicá-lo em Nossa página na internet!

  5. E democratico o mp ter exclusividade da ação penal publica ou inquerito civil publico?
    E democratico sobrepor a defensoria ou os advogados?
    E democratico os promotores somente serem investigados pelo proprio Mp.?
    O correto seria que o congresso nacional eleito pelo povo, fosse proibido de discutir qualquer assunto?

      1. Senhor Manoel,

        O sistema democrático brasileiro é elogiado em todo o mundo. Todas as instituições devem concretizar sua função de forma eficiente. Hoje nós temos o CNMP.
        E o senhor pode questionar qualquer item indicado em seu comentário diretamente no CNMP ou no E. STF. Isso é democracia!

    1. É democrático qualquer um poder processar alguém criminalmente?
      É democrático os advogados se submeterem a Juiz, Promotor, etc., apesar da Lei os colocarem em igualdade? Ou é falta de conhecimento? Olhe a aprovação nos exames da OAB.
      É correto que membros do Congresso Nacional que estão sendo processados e condenados nos processos do MP limitar o poder de investigação em causa própria?

      1. Na nação brasileira, o unico orgão que nao tem defeito algum e o mp e os demais ninguem presta. Salvo engano os militares em 1964, tambem pensavam desta forma.

  6. O problema é operacional, não de PEC. Nenhum órgão deveria estar sob agenda, requisição ou comando de outro. E harmonização de procedimentos, na prática, vem sendo feita na base da disputa de poder, com suposta superioridade do MP.

  7. A aprovação da PEC 37 não interessa à sociedade brasileira que tem como um dos seus desejos a prevalença da justiça para todos. A ela interessa: o fim dos privilégios, das impunidades, das desigualdades de tratamento entre os brasileiros por motivos de cargo público, dinheiro ou prestígio etc.

  8. Gostaria que os mentores da PEC 37 explicassem como o membro do MP, que começa a formar sua convicção sobre a existência ou não de crime e sobre a autoria, no curso da investigação, poderá, ao final da investigação que a policia fez , ter formado a convicção pela propositura ou não da ação penal.

    Para uma emenda constitucional, deve haver a exigência por razoes históricas, sociais e jurídicas para justificar a alteração da Carta Magna.

    Aguardo os doutos fundamentos de quem idealizou essa aberração.

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