Moro: “É necessário reformar a lei processual”
A pedido do Blog, o juiz federal Sergio Fernando Moro, titular de vara especializada em julgar crimes de lavagem de dinheiro em Curitiba (PR), comenta artigo de autoria do criminalista Celso Vilardi publicado no jornal “Valor Econômico“, que teve trechos reproduzidos neste espaço [veja aqui].
Ao avaliar o combate aos crimes de lavagem, o advogado afirma que “a obrigação de denunciar operações suspeitas representa um gigantesco fracasso estatal. O Estado reconhece sua incapacidade de investigar crimes e obriga os particulares a ajudar nessa missão”.
Eis o comentário do juiz Moro:
Li o artigo divulgado neste blog do ilustre advogado Celso Vilardi sobre o crime de lavagem de dinheiro.
Chamou a atenção a afirmação de que o Brasil teria experimentado “resultados pífios no combate” ao crime de lavagem de dinheiro sob a égide da lei antiga.
Não sei se foram tão pífios assim. Apesar do quadro geral não ser dos melhores, há exemplos de casos criminais envolvendo a lavagem de dinheiro e que chegaram a um bom resultado.
De todo modo, é de todo evidente que a falta de maior efetividade do sistema de Justiça criminal em relação à criminalidade mais complexa não tem por causa falhas do Direito material.
O problema é o processo.
Não são só os processos de crimes de lavagem que apresentam pouca efetividade, mas processos que envolvem a criminalidade complexa em geral, como, v.g., o crime de corrupção.
A afirmação pode ser ilustrada com recentes estatísticas levantadas pelo Conselho Nacional de Justiça a respeito do crime de corrupção e de lavagem, no sentido de que, em 2010 e 2011, teria sido declarada a prescrição em 2.918 ações e procedimentos penais relativos a esses delitos.
Mesmo para crimes mais clássicos, como homicídios, a efetividade do sistema de Justiça criminal é ruim, conforme levantamento realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (“as investigações, na maior parte das vezes, não chegam à elucidação do crime – arquiva-se mais do que se denuncia”, como afirmado por um Conselheiro do CNMP). Aliás, essa falta de efetividade motivou a adoção pelo Conselho da louvável Meta 2.
Mesmo não sendo bons os resultados do processo criminal em relação a crimes de corrupção e homicídio, não seria aceitável crítica que propusesse, como resposta, a redução da abrangência desses crimes.
No mesmo sentido, é questionável a crítica do ilustre advogado quanto à ampliação da abrangência da lei de lavagem baseada na mera falta de efetividade da lei anterior. O diagnóstico pode até ser acolhido, precisamos de resultados melhores nos processos criminais por lavagem, mas esta questão não tem qualquer relação com a abrangência da lei de lavagem anterior ou presente.
O que é realmente necessário é reformar a lei processual, investir no aparato policial, com recursos e treinamento para maior e melhor emprego de métodos especiais de investigação, mudar a cultura de nossas Cortes de Justiça e igualmente do Ministério Público para que dêem prioridade ao processo e ao julgamento dos casos mais complexos e diminuam a leniência em relação à certas espécies de crimes. Nada disso tem a ver com a lei material. Precisa-se, porém, de vontade política para romper a inércia que muitas vezes contamina nossas instituições.
“…mudar a cultura de nossas Cortes de Justiça e igualmente do Ministério Público para que dêem prioridade ao processo e ao julgamento dos casos mais complexos e diminuam a leniência em relação à certas espécies de crimes…” Na minha avaliação, em que pesem e sejam relevantes as observações sobre o rito processual, o cerne da questão se encontra no trecho selecionado. A origem da leniência, da proscrastinação, do formalismo burocrático, do descompromisso, que muitas vezes levam à prescrição, é usualmente encontrada nos orgãos colegiados do Poder Judiciário sem desconhecer que o MP muitas vezes também carrega essa responsabilidade ao postergar indefinidamente a entrega de pareceres ou com sérias deficiências na instrução do processo.
O ilustre magistrado tem razão: o problema é mesmo o processo. Digo mais: além da esfera criminal e em todos os demais ramos do direito.