Trombadinhas, reeducandos e latrocidas
Sob o título “Não é apenas um jogo”, o artigo a seguir é de autoria de Gustavo Sauaia, juiz de direito em São Paulo.
O jogador de futebol Neymar finalmente atuará no futebol europeu. Já vai tarde. Há pelo menos um ano era possível perceber que, atuando em solo brasileiro, não conseguiria evoluir para enfrentar equipes mais compactas e defesas de melhor qualidade. Ainda assim, comentaristas e torcedores insistiam com argumentos nacionalistas, quase ofendidos pela hipótese de admitir que estavam errados. Este tempo perdido pode custar caro em sua preparação para a Copa do Mundo. Tudo por ter acreditado em quem se prendia a uma opinião ufanista como se fosse cláusula pétrea.
Não estranhem o título e o parágrafo inicial, caros leitores. Coloco a situação porque, guardadas as proporções, ela encontra analogia em outras nas quais especialistas e intelectuais teimam em desprezar a realidade em suas teses, como se errada estivesse a própria realidade. Algo como aqueles que lamentam a queda do muro de Berlim, porque teria feito as pessoas pensarem que o comunismo não dá certo – sem conseguirem apontar um único país em que o comunismo tenha funcionado. E, pois sim, aqueles que não aceitam sequer discutir a modificação da menoridade penal, como se fosse direito fundamental ver uma presunção prevalecer sobre a vida real.
Neste final de semana, foi apreendido o sujeito de 17 anos que teria matado outro de 19, durante a Virada Cultural. Descobriu-se que já tinha DOZE ocorrências por atos infracionais. Não há malabarismo verbal que evite inferir que tal pessoa não apenas tinha ciência da gravidade das condutas, como se aproveitou da proteção legal para praticá-las. Como demonstrei em artigo anterior, quem pratica um ato infracional passível de internação tem licença para praticar outros a granel, pois será punido com a mesma internação. Punido, não. Medida sócio-educativa difere de pena. Esta tem como primeiro objetivo proteger a sociedade e, em seguida, reeducar o criminoso. Já a medida do ECA se preocupa exclusivamente com a recuperação. Quando a imagem do menor infrator era a de trombadinha, fazia sentido. Difícil é adaptar este entendimento quando ela passa a ser a de um latrocida.
A cada semana, a sociedade desconsiderada se revolta com exemplos similares. Adolescentes prestes a atingir os 18 anos praticam crimes violentos, como que aproveitando as últimas chances de se beneficiar do status de “reeducandos”. Em sua defesa, valem-se da desculpa da falta de oportunidades. A mesma falta de oportunidades que, curiosamente, não impede as classes menos endinheiradas de ostentarem o melhor índice de cumprimento de leis. A mesma falta de oportunidades que, ainda que em menor número, não é exclusiva dos mais pobres. Salvo casos verdadeiramente iluminados, ninguém consegue tudo o que quer na vida. Nem por isso a frustração e a inveja justificam a prática de um crime. Muito menos servem como desculpa para que o Direito, numa bizarra Lei da Compensação, trate o invejoso como a verdadeira vítima.
Assim como Neymar demorou a sair, passou da hora de inteligência e intelectualidade andarem no mesmo sentido. Intelectual não pode ser aquele que se acha no dever de sempre pensar diferente dos outros, descrição que combina muito melhor com a de um idiota. Não é inteligente fechar os olhos para continuar vendo o que só os conceitos ultrapassados desenham. Pode ser até engraçado ver comentaristas se xingando numa mesa redonda, para ainda encamparem a ouviram-do-ipirangada contra a “arrogância européia”. O mesmo não se pode dizer quando juristas embarcam na maré do “é minha opinião e não se fala mais no assunto”. Isso não se tolera mais, caro professor e Ministro. Nem na várzea.
O artigo é muito interessante. Merece ser lido e comentado. Todavia, mesmo com o dever de acusar diariamente, e faço sempre com rigor, penso diferente do notável magistrado. Primeiro, não se deve legislar pela exceção, porém pela regra, pois de cada 4 crimes, as crianças e adolescentes são vítimas de 3. Segundo, nos centros de internação os adolescentes cumprem pena, denominada medida de internação. Mero eufemismo. Terceiro, basta comparar o número de juízes e promotores da infância e juventude para se perceber que as instituições não tratam os direitos infantojuvenis como prioridade absoluta. Quarto, a mudança da idade penal viola uma cláusula pétrea. Quinto, o maior problema é que os estados da federação e os municípios ainda não levaram a sério, como deveriam, a execução das medidas socioeducativas determinadas pelos juízes. Sexto, registros policiais militares não geram reincidência e não são considerados para punir adultos. Sétimo, não existem vagas no sistema prisional nem para os adultos. Se reduzir a idade, onde serão colocados os ex-adolescentes. Oitavo, colocar adolescentes em celas com adultos é desconhecer as origens das organizações criminosas nas cadeias e presídios. Décimo, comungo do pensamento do douto magistrado de que se deve punir severamente e com rigor todos que violam as leis penais. Os adolescentes também devem ser punidos. Porém, em primeiro lugar, deve-se cobrar do Estado e dos Municípios que organizem o sistema punitivo. Ora, quem duvida que a internação não é uma prisão, sempre com respeito, basta passar dois dias para perceber as mazelas do sistema. Compreende-se o clamor popular, porém o foco está equivocado e distante do sistema legal em vigor. Ponderação, equilíbrio, serenidade e a luta pela defesa dos direitos das crianças e adolescentes-vítimas da família, da sociedade e do Estado. Com respeito e consideração, sempre. Reflitam!
Beleza, o Sr. elencou os direitos do meliantes. E a sociedade? e as vidas ceifadas. não tenho pena nenhuma, de la para o cemitério assim seria melhor. Fico indignado, pois els sabem o que fazem. Repito, se continuar assim os HOMENS de bem tem que fazer valer o direito à Autotutela.
Este e’ o cerne do problema. O operador do Direito nao quer operar. Vive a sindrome do “coitadinho”. O simples fato de haverem vitimas adolescentes ja’ e’ para ele razao suficiente para nao punir o adolescente criminoso/infrator. Vamos extrapolar e aplicar o mesmo principio aos adultos. Por que nao?
A bem da verdade ja’ estamos porque nao temos criminosos de colarinho branco nas prisoes.
Penso que a simples redução da maioridade penal de 18 para, digamos, 16, pouco ou nada contribuirá para a redução dos crimes. As medidas socioeducativas me parecem o caminho correto quando se trata de atos infracionais mais leves, como furto e uso de drogas. Porém, claramente, elas não são suficientes quando a ação é mais grave, como roubo, latrocínio, estupro e homicídio. Tem me parecido que essas duas classes de adolescentes devem ser tratadas diferentemente, ainda que se reduza a maioridade penal: de um lado o infrator leve, ressocializável; de outro, o sociopata. Pode ser que para tanto sequer seja necessária a redução da maioridade penal. O ECA já apena com internação os maiores entre 18 e 21. Por que não aumentar para 18 a 30? Ou 35? É só uma sugestão para fomentar o debate. Abs.
A sociedade tem que assumir a tarefa de exigir mais respeito e sem meias-conversas. E com pressa. A sociedade virou refém do blá blá blá do “dimenor”, que aproveita e debocha da sociedade. Inventa-se desculpa para todos os atos de violência e a situação é insuportável. Tem que se falar, ir às ruas, exigir das autoridades o respeito que toda a população merece. Ótimo texto.
Muito bom Artigo. Concordo plenamente. Não consigo entender porque os politicos sequer comentam sobre esse assunto. A população brasileira não aguenta mais esse ECA da forma que ele está. Daqui a pouco a vingança dos homens de bem, vai ser na forma da autotutlea, esperem e assistirão..
Foucault socou tanta abobrinha na nossa esquerda que só um século irá curar esse mal.
Grande artigo. Penso o mesmo. Não se pode tratar um latrocida na mesma proporcionalidade que um trombadinha. Colocar a menoridade penal no pedestal e impedir qualquer discussão é típico das pessoas que se acham donos de uma virtude superior e monopolizadores do bem e todos que pensam de modo diverso são tachados de reacionários, nazistas e parara, piriri, pororô. Ou sejam, fogem da discussão. O mais legal é que parte daqueles que são contra a redução da menoridade penal (se for possível) ou de um aperto na punição dos menores infratores são os mesmos que defendem fervorosamente a liberação do aborto e das drogas.
Em tempo: dizem que o Neymar comemorou muito o contrato com o Barcelona. Ele bebeu até ficar em pé.
Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Não sei… Mas sei que, segundo a Física, se eu empurrar uma parede, ela me empurra de volta… Reduzir o limite mínimo de imputação penal é uma necessidade hoje em dia, sem dúvida; no entanto, ninguém está discutindo, salvo filosoficamente, as causas dessa necessidade. Creio que a grande maioria dos adolescentes que cometem crimes bem sabem o que estão fazendo e, inclusive, se aproveitam de sua inimputabilidade. Ainda assim, creio também que esses jovens, ao menos em sua maioria, assumiriam outro comportamento se tivessem vivenciado uma infância menos deficitária. Claro que nem todos aproveitariam… Mas não é lícito presumir que ninguém aproveitaria. Diminua-se a maioridade para fins penais… É preciso, sim. Mas só isso não vai mudar nada no panorama social… A causa do fenômeno não vem sendo efetivamente atacada. Continuaremos a produzir jovens bandidos se a sociedade como um todo não abandonar o ilusório atalho das medidas superficiais, dando de ombros para “coisas que não são problemas meus”…
Endosso tudo o que foi dito, perfeita a argumentação.
Maravilhosamente lúcida e bem ponderada a
assertiva. Pena que poucos assim enxerguem.
Pela verba que o Governo de São Paulo diz que gasta com cada menor infrator, era pra eles estarem melhor que muitos filhos da classe A. Alguma coisa está errada, ou a verba não chega ao destino ou está sendo aplicada de forma incorreta.CPI NELES !!!!
Ao criminoso as benesses da lei, aos corretos as obrigações;