“Carta de Brasília” reforça oposição à PEC 37

Frederico Vasconcelos

Proposta fortalece elo que tem “monopólio da força” e “histórico de abusos”.

O Colégio dos Procuradores da República divulgou nesta terça-feira (18/6) a “Carta de Brasília: Por que somos contra a PEC 37”, documento que elenca as razões pelas quais os membros do Ministério Público Federal consideram a PEC 37 “um retrocesso em favor da impunidade”.

“A PEC 37 fortalece apenas um dos elos da justiça penal, o qual tem o monopólio da força e do uso cotidiano de armas, além do histórico de abusos e excessos, ainda amplamente praticados e que tendem a permanecer impunes caso o monopólio instituído pela PEC 37 seja aprovado”, afirma o documento.

O  encontro aconteceu no auditório da Procuradoria Geral da República e reuniu parlamentares, integrantes do Poder Judiciário, da Polícia  Federal, de associações do MP e de outras instituições.

Os 320 procuradores presentes ao ato aprovaram duas propostas complementares: a) intensificação do diálogo com o Congresso Nacional, por realizações conjuntas com os demais órgãos que teriam o poder de investigação afetado, em caso de aprovação da PEC 37, e b) criação de um um comitê executivo para representar o MPF no Poder Legislativo.

Eis a íntegra da manifestação:

 

Carta de Brasília – Por que somos contra a PEC/37

O Colégio dos Procuradores da República, órgão do Ministério Público Federal, autoconvocado, reuniu-se em 18 de junho de 2013, no exercício de seu dever constitucional de zelar pelo estado democrático de direito e pelo respeito aos direitos constitucionais, para garantir a manutenção da capacidade de investigação para fins penais do Ministério Público e outras instituições atualmente investidas de poder de polícia, e impedir retrocesso em favor da impunidade e contra a segurança cidadã. Para isso, é necessário dizer não à PEC 37.

A PEC 37 pretende estabelecer o monopólio da investigação pela Polícia. O Estado abriga vários órgãos com poder de polícia, como a maioria dos países do mundo. A limitação a um só canal reduz em muito a capacidade de investigação dos órgãos do Estado.

A PEC 37 desfavorece as vítimas e os inocentes e favorece a impunidade e a perseguição. Mulheres agredidas, pessoas torturadas, vítimas de abusos policiais que estejam na posse da prova de sua inocência ou da culpa de terceiros, não encontrando espaço para apresentá-la à polícia, terão dificuldade em vê-la encartada em um processo investigatório.

A PEC 37 impede a investigação de graves violações de direitos humanos pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH.

A PEC 37 fortalece apenas um dos elos da justiça penal, o qual tem o monopólio da força e do uso cotidiano de armas, além do histórico de abusos e excessos, ainda amplamente praticados e que tendem a permanecer impunes caso o monopólio instituído pela PEC 37 seja aprovado.

A PEC 37 põe em risco a apuração de crimes tributários, financeiros, de cartel, previdenciários, ambientais, de lavagem de dinheiro, de violência contra a mulher e contra minorias, corrupção, entre outros. Também inibe a cooperação internacional de natureza investigatória, que vem sendo realizada no país com o apoio de instituições não policiais e do Ministério Público, violando tratados internacionais já firmados, como a Convenção de Palermo (contra o crime organizado transnacional) e de Mérida (contra a corrupção).

A PEC 37 não se harmoniza com o modelo de investigação criminal do Tribunal Penal Internacional, firmado pelo Tratado de Roma, o que poderá incompatibilizar o Brasil com o sistema de jurisdição penal internacional.   A ineficiência da investigação de crimes aumentará porque os atos investigatórios da Receita Federal, do TCU, da CGU, do INSS, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do COAF, do CADE e da SDE, da ANP, do Banco Central, da Receita Federal e dos órgão ambientais, não poderão ser apresentados diretamente ao Ministério Público.

A concentração do sistema investigatório em um único órgão público, a polícia, conduzirá à elevação dos gastos públicos, em razão da necessidade de repetir em inquérito policial atos investigatórios hoje a cargo de órgãos especializados.

O monopólio da investigação criminal pelas polícias dificultará o exercício do controle externo da atividade policial, que está diretamente ligado ao poder de investigação pelo Ministério Público.

Por essas razões, o Colégio dos Procuradores da República exorta o povo brasileiro, as autoridades e, sobretudo, os parlamentares para o aprimoramento normativo da investigação, quer pelo Ministério Público, quer pelas policias, para que se consiga punir os criminosos, aumentar a segurança cidadã e reprimir excessos e abusos em todas as instituições do sistema de justiça penal.

O Colégio de Procuradores também manifesta estar aberto ao diálogo com o Congresso Nacional para auxiliar na preparação de um projeto de lei que aumente, no Ministério Público e nas Polícias, a transparência dos atos, a efetividade da atuação e a eliminação de excessos e abusos.

Brasília, 18 de junho de 2013.   

Comentários

  1. Acredito que para se rejeitar a PEC37 é preciso antes de tudo reformar o CNMP, permitindo que outros seguimentos sociais façam parte deste Conselho, sob pena de termos uma instituição dotada de demasiados poderes, livre da vigilância da sociedade. Conforme o ditado, de boas intenções o inferno está cheio. Afinal é preciso destacar que ao longo do tempo, diversos episódios ficam sem resposta por parte do MP, como a leniência em apresentar os pareceres que o Poder Judiciário eventualmente solicita para a instrução de processos rumorosos. Episódios pouco esclarecidos sobre engavetamentos e protelações por parte dos diversos Procuradores-Gerais da República. E assusta o fato de que tamanho poder seja entregue de bandeja quando a experiência mostra que em diversas ocasiões tais poderes foram exercidos com nítida intenção de causar efeitos políticos ou constrangimento a partidos políticos. Sem fiscalização da sociedade sobre os abusos do MP, já que CNMP é inoperante, sou inteiramente a favor da PEC37.

    1. José Antônio, o CNMP já tem componentes de outros órgãos como OAB, Judiciário, Senado e Câmara dos Deputados. E vamos concordar em uma coisa: os defensores da PEC sempre falam em abusos do MP, mas não conseguem se lembrar de nenhum fato específico de abuso. A Polícia está cheia de casos bem documentados de abuso (Caso da Escola Base, Bar Bodega etc). Poderia citar outros, mas não vou para não poluir o texto. Uma outra coisa: quando se atinge algum poderoso, ele sempre fala que é perseguido politicamente, nunca admite que tem problemas sérios de conduta. Essa tática é muito velha. Agora fica estranho temer abusos e entregar “toda” a atividade de investigação a uma única instituição, armada e que, por isso, não pode ser desvinculada de controle. A Polícia não protela e não engaveta, mesmo quando se depara com um poderoso? Deixa disso e aponte o fato em que ocorreu engavetamento e protelação e aí podemos conversar. Um abraço, Marcos

      1. O caso Celso Daniel configura aquilo que se poderia chamar de abusos do MP. Apesar de dois inquéritos policiais abertos, da confissão dos envolvidos, uma CPI parlamentar e amplo jornalismo investigativo, todas as conclusões convergiram para a tese de crime comum. Entretanto fica clara a intenção de causar efeitos políticos quando os promotores pressionaram pela reabertura das investigações apenas um mês antes do primeiro turno das eleições presidenciais de 2006. Este é um claro exemplo do perigo que pode representar a atribuição de superpoderes à uma instituição.

      2. Quanto a protelamentos e omissões basta citar dois exemplos recentíssimos. A leniência da PGR no caso Demostenes Torres. A operação Las Vegas tinha autorização para grampear a quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Quando a Polícia Federal se deu conta de que Demóstenes era interlocutor frequente, oficiou o juiz de 1ª Instância, que encaminhou o pedido de investigação ao STF, através do Procurador-Geral que segurou o pedido beneficiando Demóstenes em dois pontos ao impedir que a PF pudesse grampear diretamente as conversas de Demóstenes e, assim, aprofundar as investigações.
        além de permitir ao advogado de Demóstenes, solicitar a nulidade dos grampos apresentados por não ter autorização do STF. O juiz e a PF cumpriram com sua obrigação. Outro exemplo de leniência também se encontra na cobrança do Tribunal de Goiás sobre o inquérito criminal do referido ex-senador que se encontra parada há seis meses no MP. Isto tem um nome, chama-se prevaricação.

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