“Preço da reinação populista e marqueteira”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Jogando pra torcida“, o artigo a seguir é de autoria do juiz Gustavo Sauaia, de São Paulo.

 

Quando se pensa que os governantes não inventarão nada mais descompensado, eis que nos deparamos com a proposta do plebiscito para a reforma política. O mais impressionante (e assustador) é que a ideia conta com o apoio de formadores de opinião, incluindo editoriais. A longa distância, a proposta até pode parecer interessante. Mas é inadmissível que jornalistas e juristas com o mínimo de experiência – e bom senso – ignorem a presença de ao menos três motivos para jogá-la na lata de lixo.

1 – não há tempo hábil para a realização do plebiscito até um ano antes das próximas eleições – condição indispensável para que as novas normas valham para o pleito de 2014. Ao contrário do que alguns aproveitadores de desavisados querem fazer crer, plebiscito não é como uma pesquisa do IBOPE. Trata-se de um procedimento complexo, organizado pela Justiça Eleitoral com os mesmos cuidados de qualquer outra votação. É preciso haver um período razoável de campanha para a defesa das opções, incluindo horário eleitoral gratuito. O aparelhamento também demanda uma série de providências, como a convocação de novos mesários e o árduo preparo das urnas eletrônicas.  Ademais, a Justiça Eleitoral se encontra prestes a realizar recadastramento biológico, programado para agosto em várias cidades. A situação, que já se mostraria caótica, ficaria incontrolável.

2 – os assuntos que pretendem levar para a escolha do eleitorado, como voto distrital misto e financiamento público de campanhas, já são de compreensão complexa até para bacharéis em Direito, quanto mais para leigos. Ainda que finalmente os brasileiros tenham tomado coragem de expor sua indignação, ela sozinha não é suficiente para superar a falta de cultura geral que assola grande parte dos eleitores. Não se trata de preconceito, e sim de realismo. Não faltaram exemplos negativos em consultas relativamente mais simples. Em 1993, o plebiscito entre presidencialismo e parlamentarismo foi decidido com base no argumento mentiroso do “a gente põe, a gente tira”, como se fosse simples e cotidiano fazer o impeachment. Sem contar a constrangedora e fracassada tentativa do Ministro do TSE, Paulo Brossard, para tornar a doutrina mais clara aos votantes. O referendo das armas, em 2005, também virou um tiroteio verbal que pouco ingressou no assunto realmente votado. Ante tais dificuldades, deixar toda uma reforma política nas mãos de quem não conhece o tema é meio caminho para, no lugar de uma solução, criar um monstro jurídico-político.

3 – afinal de contas, os congressistas não são eleitos e pagos justamente pra decidir temas complicados como estes? Vão jogar a tarefa em cima de quem os elegeu para isso? Rejeitar uma PEC oportunista (que eles mesmos criaram) é fácil. Transformar corrupção em crime hediondo, como se isso fosse o bastante para acabar com a impunidade, idem. Difícil é debater aquilo que, de fato, exige a capacidade que garantiram ter durante suas campanhas. É como se um jogador, na hora do pênalti, chamasse alguém da torcida para cobrá-lo. Minto. Pênalti é quase moleza. Na verdade, é como se o goleiro chamasse o torcedor para defender a penalidade máxima em seu lugar. Não quero dizer que o plebiscito nunca deve ser utilizado, mas em casos excepcionais, nos quais a plateia tenha condições efetivas de decidir. Do contrário, que me perdoem a insistência na comparação, mas é “pipocada”, mesmo.

O preço desta reinação populista e marqueteira, como disse acima, pode ser ainda pior que a confusão já dominante. Mais que novas normas, precisamos da revisão decididamente indispensável: a de caráter. O eleitor começou a fazer sua parte, deixando de ser apenas um resmungão – embora, curiosamente, esteja protestando contra prefeitos que acabou de eleger (quando não reeleger). É a vez dos membros de Poder assumirem suas responsabilidades, ao invés de jogá-las nos ombros alheios. Democracia não se faz brincando de batata quente.

 

Comentários

  1. Ao contrário do articulista, considero que uma mini constituinte exclusiva, aprovada através de plebiscito, seja o melhor caminho para desatar o nó da reforma política já que, considerar que o Legislativo tenha a vontade política de fazê-la é desconhecer a realidade política do país. Sómente agora o peso da vontade popular se faz sentir e se existe a incompreensão e o desconhecimento dos mecanismos tradicionais da democracia por parte do povo, em termos educacionais, será o exercício constante de sua soberania que fará a Democracia se fortalecer. Chega dos iluminados que com suas teses jurídicas e políticas, ótimas, por exemplo, para a Suécia, impedem que as mazelas nacionais tenham um fim.

  2. A reforma política e muitas leis contra corrupção estão paradas há anos no Congresso. O povo que foi as ruas não merece ficar de fora das decisões. Por mais complexos que sejam os debates é melhor uma decisão errada feita pelo povo, do que o status quo, que é exatamente o que o Congresso quer.

  3. Uma reforma política para valer baterá de frente com os interesses dos políticos tradicionais. Acredito que o embate começaria pela necessidade de declarar a política como “serviço temporário” e não como “profissão”, como é vista hoje em dia. Admitir-se-ia apenas um único mandato, em qualquer cargo eletivo, uma única vez na vida. Com isso, teríamos rotatividade na representação! Os políticos que ai estão aprovariam um item como este na reforma?

  4. Uma reforma política deveria ser discutida com toda a sociedade, independentemente de partidos pois estes vão agir olhando seus próprios interesses. Discutir com gente que entende de política, organização partidária, eleições e pós-eleições, entre outros detalhes sem desprezar ideias novas. E quando ela estiver pronta, mostrar como ficou ao povo, tentar explicar os detalhes ao máximo. A maioria do povo não entenderia os detalhes deste novo contrato político, mas é possível fazer uma discussão posterior e a partir dos resultados finais fazer o referendo. Perguntar simplesmente ao povo a necessidade de tal reforma e fazê-la sem discutir os detalhes com os verdadeiros interessados e fazer mais do mesmo que sempre foi feito neste país.

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