A vidraça quebrada e a urgência de Barbosa

Frederico Vasconcelos

Ao decidir suspender a criação dos quatro novos tribunais regionais federais, em decisão liminar, o ministro Joaquim Barbosa justificou a urgência da medida, entre outros motivos, pelos planos e providências que afetarão a vida pessoal de juízes, servidores, advogados e seus familiares (*).

Ao tratar dos custos com as novas cortes, ilustrou com a ideia de “custo de opção” e a história da vidraça quebrada:

A União também terá que despender recursos. Ao contrário do que estabelece a crença popular, a realização de gastos imprevistos ou determinados por fatores externos não é produtiva em termos econômicos, tampouco no plano social.

Ilustrada pela história da vidraça quebrada, a ideia de “custo de opção” revela que a decisão por uma despesa específica implica necessariamente uma perda: a perda da utilidade proporcionada pela aplicação dos recursos em outras finalidades.

Quando uma pessoa se vê obrigada a reparar a janela quebrada, a vantagem é do vidraceiro. Mas recursos são escassos, e não se pode gastar o mesmo dinheiro duas vezes. A vantagem do vidraceiro é a desvantagem do sapateiro, do industrial, da entidade financeira, da poupança nacional, dos necessitados por doações, porquanto o dono da vidraça não poderá dar outra destinação ao valor despendido com o reparo.

É muito provável que a União esteja às voltas com carências e demandas tão ou mais relevantes do que a criação de quatro novos tribunais. A despeito de suas obrigações constitucionais e legais, a União não terá recursos indispensáveis para cumprir seu papel para com os administrados.

 

Sobre a expectativa de mudança na vida das pessoas, o presidente do STF argumentou:

A criação dos novos tribunais projetará uma série de expectativas para a magistratura, para a União, para a advocacia pública, para a advocacia privada e para os jurisdicionados.

Provavelmente esses novos tribunais serão compostos, de início, por magistrados atualmente vinculados a outras regiões. Aberta a possibilidade de esses magistrados serem removidos ou concorrerem à remoção para as novas regiões, emergirá uma série de escolhas importantes para a vida dos juízes, dos servidores, dos advogados e de seus familiares. Planos serão feitos, relacionamentos formados e dissolvidos, aquisições imobiliárias efetuadas, escolas trocadas etc.

Outra dúvida importante se refere à linha de frente da Magistratura, ou seja, os juízes substitutos e os juízes titulares de primeira instância. Não são idênticas as privações e os desafios dos juízes de primeira instância e de seus colegas de segunda instância. Mas é essa linha de frente que recebe a pesada carga gerada pelas demandas jurisdicionais.

O atual momento demanda o fortalecimento e mais atenção aos juízes singulares, substitutos e titulares.

Na mesma situação se encontram a advocacia pública e a advocacia privada, compelidas a refazer planos e expectativas até dezembro de 2013. Assim, há potencial inequívoco de consolidação de situações e estabilização de expectativas que dificilmente seriam desmanchadas, ainda que fossem julgados procedentes os pedidos de mérito desta ação direta de inconstitucionalidade.

 

Barbosa expôs sua preocupação com a fragmentação da Justiça Federal e o equilíbrio entre os Poderes:

A fragmentação da Justiça Federal é deletéria para uma Justiça que se entende nacional. Por conjectura, a redução da competência territorial tende a tornar o órgão jurisdicional mais propenso às investidas de interesses paroquiais.

Cabe aqui reforçar o que me é perceptível: não se prestigia a Magistratura com a criação de tribunais; prestigia-se a Magistratura pela valorização e pela formação do magistrado, especialmente aqueles que estão distantes da estrutural ideal para que esses servidores públicos possam atuar com equilíbrio e sem prejuízo à vida pessoal.

Dados do CNJ e do IPEA sugerem que o gasto com os novos tribunais será ineficiente para enfrentar o afogamento da Justiça Federal.

O alegado vício de iniciativa e de enfraquecimento da independência do Judiciário são densamente plausíveis. O equilíbrio entre os Poderes depende do grau de autonomia que cada um deles tem para planejar sua estrutura, recrutar seus próprios servidores elaborar seus planos institucionais e contar com recursos para não sofrer pressões indiretas dos demais entes que compõem a cúpula do Estado.

No controle jurisdicional, é imprescindível apontar o risco que correm as instituições em caso de precedente que autorize hipoteticamente um Poder a modificar unilateralmente a estrutura ou a competência de outro Poder. Sem o Judiciário, o Legislativo e o Executivo independentes, é mera questão de tempo a ocorrência de algo que não se deseja: a supressão das competências de cada órgão formador da vontade do Estado.

 

Finalmente, Barbosa afirmou que a suspensão temporária dos efeitos da EC 73/2013 é plenamente reversível.

Estando sujeita ao referendo do Colegiado, a medida cautelar ora concedida poderá ser examinada em breve. Não haverá prejuízo, portanto, se o Plenário entender por sua cassação.

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI_5017__Liminar.pdf

Comentários

  1. Aqui no TRF3, o exame de admissibilidade de um recurso especial leva 04 anos pra ser feito. Isso é um absurdo. Tem gente que está esperando o julgamento de processos há mais de 15 anos. Sou juiz estadual e atuo no interior de São Paulo, exercendo a competência delegada (Previdenciária); 40% do movimento da minha vara é por conta do INSS. Não temos estrutura para uma demanda tão grande. E o pior, é que a Justiça Federal se recusa a custear os gastos da estadual com o exercício da competência delegada. Sequer oferece aos juízes estaduais, cursos de atualização -oferecidos aos juízes federais-, para melhorar os nossos conhecimentos. Se não bastasse tudo isso, de uns tempos pra cá, segurados do INSS estão dando endereços de parentes que moram na Comarca onde atuo para ingressarem com suas ações na Justiça Estadual. Quando descobrimos as manobras, somos obrigados a remeter os processos para as Varas ou o Juizado Federal que dista 8 Km. Há uma choradeira dos advogados, dizem que se o processo for remetido pra Justiça Federal o proccliente vai morrer e não irá receber em vida o que tem direito. É triste, mas não podemos abrir exceções. Sei que a culpa não é dos Juízes Federais. A culpa é da falta de infraestrutura da Justiça Federal. Toda Cidade com mais de cem mil habitantes deve, obrigatoriamente, ter um Juizado Federal. Portanto, é preciso expandir a Justiça Federal para que ela exerça sua jurisdição.

  2. Para comprovar que as mordomias não existem na justiça comum:
    Segundo a Folha de SP, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, comprou um apartamento em Miami (EUA) no ano passado, usando uma empresa que abriu para obter benefícios fiscais no futuro. O valor do bem é estimado no mercado entre R$ 546 mil e R$ 1 milhão, sendo que o ministro comprador não quis informar à imprensa quanto pagou pelo imóvel. A questão denunciada pelo jornal não é se ele tem lastro para a compra (não se nega isso na matéria), mas por que razão um ministro do STF iria abrir uma empresa e comprar um apartamento em Miami-Flórida, em pleno exercício da Presidência do STF. Se um Juiz de 1o. grau fizesse isso, já estaria no CNJ (Presidido pelo próprio ministro comprador). Assim fica muito difícil fazer a defesa do princípio da isonomia!
    http://app.folha.com/m/noticia/285851

  3. Se Barbosa valorizasse a carreira da magistratura seria muito bom, mas não é o que tem feito à frente do STF e do CNJ.

  4. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, afirmou que a Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf) não tem legitimidade para entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade cujo objeto é a criação de tribunais, uma vez que isso não se enquadra nas finalidades da associação. Com isso, a não teria validade a liminar concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, contra a criação dos novos Tribunais Regionais Federais. Segundo Furtado Coêlho, o Conselho Federal da OAB vai requerer ingresso na lide e defender que o plenário não homologue a liminar.

    De acordo com o argumento desenvolvido por Furtado Coêlho, que foi professor de Direito Constitucional por 10 anos, a pertinência temática pressupõe a correlação entre o objeto da ação e as finalidades institucionais do autor. Segundo ele, o STF já se posicionou a respeito ao julgar a ADI 1.157, relatada pelo ministro Celso de Mello, quando o Plenário da corte concluiu que a mera existência de interesse de caráter econômico-financeiro não é suficiente para caracterizar a pertinência. A competência do Judiciário em iniciar projetos de lei de criação de tribunais não pode ser defendida por entidade de classe, mas apenas por quem possui legitimidade universal para propor ADI, como o procurador-geral da República e o Conselho Federal da OAB.

    De acordo com Furtado Coêlho, o estatuto de uma associação não pode lhe conceder uma prerrogativa constitucional e legalmente reservada a alguns entes. “A criação dos novos tribunais não ofende direitos e garantias dos associados da Anpaf, logo, ela não possui legitimidade para propor a ADI”,

  5. Aqueles que são contra a criação dos TRF’s, que dê uma sugestão para que os processos do TRF1, sejam julgados em tempo razoável, assim adiro a sua tese, e passarei a ser contra a criação das cortes de julgamento. Qual a solução, para que os processos não sejam julgados em 20 anos, mas sim em 1 ou 2 anos, tempo mais que suficiente para que possa ser considerado o tempo razoável, em MG, BA, AM e demais estados componentes do famigerado TRF1. QUAL A SOLUÇÃO??????????????

    1. O maior gargalo se encontra na justiça comum, onde tramitam demandas de interesse de toda população. É nesta que devem ser concentrados todos os esforços……

      1. Sr. Turco, a JF é uma justiça comum, assim como a estadual. Especializadas são a trabalhista, eleitoral e militar. Também não se confunde o conceito de justiça comum com primeira instância, que, creio, era a essa última a que o senhor queria se referir. Quanto a esse ponto, antes de reproduzir acriticamente o argumento usado pelo Min. Joaquim de que o gargalo está na primeira instância da JF, saiba que ela passou por ampliação recente. Sem maiores esforços, podemos concluir que se a segunda instância não acompanhar o movimento, teremos mais juízes singulares julgado e recursos chegando aos tribunais com a mesma (pouca) quantidade de desembargadores. O incremento da segunda instância deve ocorrer. Se o constituinte derivado achou por bem que acontecesse na forma de novos tribunais, tendo votado a EC de acordo com as regras da CF, não há razão para atropelarmos o processo democrático só porque pensamos diferente, não é mesmo?

        1. Opa, ao menos o interesse inconfessável veio à tona. Os magistrados federais mineiros não estão nem aí para a sociedade, o erário e o tempo de tramitação de seus processos. Querem é um tribunal federal pra chamar de seu, pouco importando o custo que isso acarretará para o contribuinte.

          1. Erik,
            Não se trata de interesse pessoal. Por mais de 25 anos o povo mineiro luta pelo direito de sediar um TRF nos termos do art. 98, XIII, da Constituição.
            Ademais, a Justiça Federal é superavitária. arrecada mais do que gasta. Os TRFs, seguindo o prognóstico de 25 anos da Justiça Federal, representam um investimento. Arrecadará muito mais em execução fiscal e em combate ao crime organizado. Ademais, é fundamental para a efeitividade da Lei da Fichal Limpa.

      1. Então Dr. Antônio,

        Porque as câmara nunca foram criadas, não obstante ser a constituição federal do ano 1988, e a emenda constitucional de 2004. Kd as câmaras…??? será que ninguém via o problema antes, porque depois desses anos todos eles começaram a enxergar as câmaras

      2. Sr. Antônio, não é tão simples. As câmaras teriam que funcionar em algum prédio, correto? E os gastos com diárias dos desembargadores e servidors envolvidos? Sim, porque nas sessões plenárias e demais atividades, eles teriam que se descolar, não é? E o número de desembargadores ficaria o mesmo? O problema de congestionamento não permaneceria intacto?

  6. Os argumentos do ministro são respeitáveis, porém, entendo que a decisão de criação foi feita pelo Legislativo e houve uma intromissão indevida na seara de outro Poder. Além disso, o ministro já havia deixado bem claro a sua posição a respeito da criação de novos tribunais, de modo que já havia pré-julgamento de sua parte, o que, a meu ver, maculou a sua decisão. De qualquer forma, o primeiro grau de jurisdição federal reclama muito mais investimentos do que o segundo grau e os gastos com os tribunais seriam, muito melhor se direcionados à criação de novas varas federais. O ministro acertou na decisão, mas comprou outra briga com o Legislativo.

    1. Caro Wilson,
      O Sr. está equivocado. Os investimentos na 1a instância da Justiça Federal em relação a mais varas e às turmas recursais já estão sendo feitos e os resultados colhidos pela população. Basta um exame dos autos virtuais. Entretanto, é necessário mais investimento na 2a instância. Por fim, a Justiça Federal é superavitária. Arrecada mais que gasta. TRF é investimento. Infelizmente, o Min. Barbosa denota desconhecer a Justiça Federal. Onde ele estava nos dez anos de debate pelos novos TRFs?

  7. Temos de concordar com o ministro. Não é a criação de novos tribunais que melhorará a Justiça Federal, cujo maior problema reside no primeiro grau. Não se vê preocupação com a efetiva interiorização da Justiça Federal, mediante criação de mais varas federais (órgão jurisdicionais de primeira instância), visando torná-la realmente mais próxima do cidadão. Por exemplo, no Estado de São Paulo, nas cidades do interior, o simples trabalhador rural não pode contar com a Justiça Federal para buscar seu benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural. O trabalhador de cidade interiorana vê-se obrigado a usar a já assoberdada estrutura da Justiça Comum do Estado com sua competência suplementar para a jurisdição federal. Em alguns comarcas da Justiça Estadual, com forte incidência de rurícolas em razão das atividades economicas desenvolvidas na sua região, é comum que o expediente diário do juiz de Direito seja composto em sua maior parte de feitos previdenciários, o mesmo ocorrendo com sua pauta de audiências, em prejuízo aos jurisdicionados da Justiça Estadual, que não são poucos, nem são irrelevantes, como as causas de réus presos alimentos, guarda, infância e juventude, inclusive infracional. O juiz de Direito não raro reserva ao menos um dia todo da pauta semanal só para feitos previdenciários, em detrimento dos processos urgentes de sua competência originária, como réu preso, adolescentes internados, disputas de guarda de menores, processos de família (inclusive alimentos, que reclamam urgência), entre outros. Apesar disso, é normal ouvir de advogados que ainda preferem ajuizar ação previdenciária na vara cumulativa da jurisdição comum estadual, pois, embora assoberdada, ainda assim seria mais ágil que as varas federais. Mas os juízes federais, ao que tudo indica, não têm a preocupação de criação de mais varas federais. Querem mesmo é a criação de novos tribunais –e consequentemente mais cargos de desembargador federal– a fim de catalisar a carreira da magistratura federal.

    1. Prezado Godoy,

      V.Exa. demonstrou um completo desconhecimento da questão referente a justiça federal nesses estados de cuja competência atualmente pertence ao TRF1, em Brasilia, a 1ª instância por aqui, está muito boa, com as exceções devidas, o gargalo é realmente no TRF1, que não dá conta de julgar as ações que lá chegam, dos 13 estados que a jurisdição do tribunal abarca. Então, os processos ficam 15 a 20 anos no TRF! para um simples acórdão, mas vai piorar acredito que logo esse tempo facilmente chegará a 30 anos de espera, se algo não for feito com urgência. Que justiça é essa???? Mas, fica a preocupação com a questão dos tribunais, qto a pessoal, carreira, livre nomeação, tudo isso merece um maior critério de controle. Se vc quiser alguns números de processo lhe passo para comprovar isso.

      1. Então porque não criam uma câmara regional por estado no TRF1, como já permite a constituição sem a emenda 73 ?

        1. Caro Cristiano,
          Qual a diferença de custos entre uma Câmara regional e um TRF? Na prática, elas são possivelmente mais caras.

          1. Imagino que uma câmara regional, por se tratar de órgão fracionário, certamente reclama uma estrutura semelhante a de uma vara. Está mais para uma vara do que para um tribunal, data vênia.

          2. Caro Doutor Antônio, o problema do país é a falta de compromisso com o funcionamento do sistema público. A previsão para a criação das câmaras regionais existe a mais de dez anos. Nenhuma ação foi cogitada para a concretização das referidas câmaras. Outrossim, nos últimos anos, os juizados federais foram criados e eles não desafogaram os tribunais. De fato, para desafogar os tribunais, juízes são convocados e assim desfalca-se a primeira instância. Portanto, o argumento da criação das referidas câmaras é falacioso. Ademais, ninguém se preocupou em fazer estudos e análises sobre elas. Enfim, as universidades gostam de elaborar estudos estatísticos para informar os gargalos da justiça e criticar o sistema. O Conselho Nacional de Justiça não tem informações de quantos magistrados de primeiro grau estão convocados e de quantas varas federais estão desfalcadas e quanto isto custa para o jurisdicionado. Não há informações precisas sobre o assunto. Enfim, o projeto dos novos tribunais está em tramitação a mais de dez anos. Ele foi conquistado com muita luta. Os juízes não aguentam mais a morosidade do sistema. att.

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