A Justiça falha e o Ministério Público tarda

Frederico Vasconcelos

Gurgel limpa suas gavetas e expõe lentidão em inquéritos contra parlamentares.

 

 

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que encerra o segundo mandato na próxima quinta-feira, fez uma limpeza nas suas gavetas.

Reportagem do editor deste Blog, publicada na Folha neste domingo, lista 13 inquéritos criminais contra parlamentares, cujos autos foram devolvidos nas últimas semanas ao Supremo Tribunal Federal. Oito inquéritos foram enviados ao STF no mesmo dia.

Essa amostragem sugere o cuidado de não deixar acervo volumoso para o sucessor. Mas a demora ao encaminhar alguns casos expõe a lentidão do Ministério Público, que leva anos na condução das investigações.

Gurgel ofereceu denúncia contra o senador Gim Argello (PTB-DF) e os deputados federais Anthony Garotinho (PR-RJ) e Jaqueline Roriz (PMN-DF). Requereu o arquivamento de inquéritos contra o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e o deputado federal Romário (PSB-RJ).

Ainda do mesmo levantamento, continuam sob investigação os senadores Romero Jucá (PMDB-RR), Renan Calheiros (PMDB-AL), Lúcia Vânia (PSDB-GO), Alfredo Nascimento (PR-AM), Clésio Andrade (PMDB-MG), Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) e os deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Osmar Terra (PMDB-RS).

O inquérito contra a senadora Lúcia Vânia, suspeita de peculato, foi protocolado na PGR há nove anos. Houve sucessivas ampliações de prazo, autorizadas pelo MPF, para a Polícia Federal realizar diligências. O inquérito aguardava manifestação da procuradoria desde setembro de 2010.

É da mesma época uma investigação contra Romero Jucá, por suposto crime de responsabilidade. Os autos foram enviados pelo Supremo, para manifestação do MPF, em março de 2012.

A recente denúncia contra Gim Argello, por suposto crime contra licitações, levou quase dois anos para ser oferecida pelo MPF.

Há outros casos de morosidade da PGR não incluídos na reportagem. Um inquérito contra um parlamentar, que tramita em segredo de Justiça, aguardou durante dois anos a manifestação sobre a quebra do sigilo bancário.

Numa das ações da megalavagem de dinheiro do caso Banestado, a PGR levou um ano e três meses para emitir um parecer, no primeiro mandato de Gurgel.

O atraso não se justificaria em casos mais simples, quando não há denúncia, apenas um parecer interlocutório para pedir diligências e continuar a investigação. A demora para arquivar um inquérito pode ser estratégia para esfriar o assunto.

Desde o ano passado, a procuradora regional da República Raquel Branquinho ajuda a subprocuradora-geral Cláudia Sampaio, mulher de Gurgel, a reduzir o acervo do gabinete do procurador-geral.

As ações penais costumam ser divididas entre Gurgel e sua mulher, cuja experiência nessa área é reconhecida.

O julgamento do mensalão pode ter represado as ações. Mas os candidatos à sucessão de Gurgel apontaram –em entrevistas concedidas à Folha, em abril– problemas de gestão e a concentração dos processos, que não são distribuídos a outros subprocuradores-gerais.

Rodrigo Janot, o mais votado pelos membros do MPF, sugeriu criar um “cartório” no gabinete do futuro PGR, para organizar e controlar a entrada e a saída de processos em ordem cronológica.

“O cargo exige uma dedicação que não permite mais essa concentração. Temos colegas preparados que podem contribuir para a fluidez desses serviços”, afirmou Janot.

“As propostas de todos nós são de reestruturar um projeto estratégico para a PGR”, disse a subprocuradora-geral Ela Wiecko.

“Minha ideia é ter uma equipe de procuradores trabalhando nesse acervo enorme, de modo a que os processos não tardem, que saiam no tempo que a lei prescreve”, disse Deborah Duprat.

A procuradora regional da República Luiza Cristina Frischeisen, de São Paulo, entende que o problema central é de planejamento e gestão no gabinete do PGR. Ela prevê mudanças, seja quem for escolhido para o cargo.

“O procurador-geral assumiu muitas funções e a estrutura do gabinete não acompanhou essas mudanças. O gabinete do PGR tem que se adaptar a novas funções. Quem assumir, vai gerir com assessoria de procuradores, para descentralizar”, diz Frischeisen.

O fato de Gurgel não distribuir processos a outros subprocuradores-gerais tem motivado críticas. O centralismo também era apontado como uma característica dos ex-PGRs Geraldo Brindeiro e Antonio Fernando de Souza.

“Foi um erro administrativo e estratégico Gurgel concentrar tantos processos criminais com a subprocuradora-geral Cláudia Sampaio, ou até mesmo com ele próprio”, diz a procuradora aposentada Ana Lúcia Amaral. “A ‘desova’ dos últimos dias de mandato está afetando a imagem da instituição”, diz.

Ana Lúcia atuou numa ação penal contra um juiz federal em São Paulo e elogia o desempenho de Cláudia Sampaio no caso, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.

“Casal é monarquia, jamais república. Cláudia é digna de todo louvor funcional. Contudo, jamais poderia atuar como ‘delegada’ do marido”, afirma o procurador da República Celso Três. Ele iniciou o caso Banestado, no Paraná.

“O centralismo nas ações penais contra políticos é nefasto”, diz Três. “Desgasta, quando o chefe da instituição atua com força, angariando a antipatia dos atingidos, ou quando, pelo excesso de atribuições, é tardio, a exemplo dos casos envolvendo os senadores Demóstenes Torres e Renan Calheiros”, afirma.

Consultada, a PGR não se manifestou.

Comentários

  1. Para o nao operador do Direito, algumas observacoes aqui sao como “dividir fio de cabelo” (splitting hair) na giria americana.
    Processos que ficam engavetados ou “emprateleirados” sem que haja um sistema de contagem de tempo, um controle de prioridade, por simples que seja, parecem ser ocorrencias comuns.
    Se foi na Advocacia Geral, no Procuradoria ou no Poder Judiciario, pouco importa. A impressao geral e’ que nao ha’ interesse no cumprimento estrito dos prazos e que certos individuos sao “mais iguais” que outros.
    Na maioria das atividades, publicas ou privadas, existe a percepcao de que algo sera’ feito e executado dentro de um certo prazo. Quando essa percepcao nao se transforma em realidade ha’ o inevitavel questionamento.
    Eu imagino que quando um processo e’ enviado a um outro departamento ou orgao, o prazo para que este se pronuncie e’ claramento especificado. Se nao e’, ha’ erro. Se e’, e o prazo nao e’ cumprido, o orgao faltante deveria produzir uma justificativa.
    Mas tudo e’ tao sem controle.

  2. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! Duas coisas são preocupantes: a) Endeusamento de pessoas b) Acreditar que pessoas podem ser certinhas. Cuidado com isso!!! Imperfeições, desajustes, erros ocasionais NÃO intencionais, podem acontecer. Até, pois, a “OUSADIA” como proposta, busca da inventividade e da criatividade podem em alguns casos, padecer desses equívocos. Em que pese o esforço pelo acerto do presidente do STF, o mesmo, tem ERRADO feio em perseguir algumas ideias NÃO democráticas e por sinal muito DITADORAS. Tal qual, aconteceu com o TSE, sua presidente e corregedoras, no caso, VENDA de dados e informações, como aconteceu. O que acredito BACANA é perseguir ao máximo possível, ideias com filtros DEMOCRÁTICOS, LIBERTÁRIOS e, CAPITALISTA INTELIGENTES. Nossa chance de acertar mais, será maior, bem como os benefícios serão maiores. E, por sinal, tudo que for pelo: POLITICAMENTE CORRETO, LIMPINHO e FAXINADO, deve ser DESCARTADO como fruto de LIXO consciente ou inconsciente. Respostas encontradas no ambiente, democrático de liberdade, de respeito a liberdade de expressão e manifestação, pelo simples fato de proibir, agora sim, a CENSURA. E, respeito aos princípios Constitucionais, coisa muito negada atualmente por entes PÚBLICOS, e negação que atinge exatamente o cidadão comum precisam sim, ser tratadas de maneira mais elevada, mais RESPEITOSA. O discurso das autoridades, NÃO, e, NÃO, confere com a realidade prática, praticada e esperada. Isso FRUSTRA mais, que às vezes, não fazer ou fazer equivocadamente. Como dizemos nós os comuns; muita conversa MOLE e pouca REALIDADE! Isso vale para o MP, também, OPINIÃO!

  3. E a concentração de poderes no Ministerio Publico, o correto seria que outros e instituição tambem fossem autorizadas a entrarem com ação penal nos tribunais.
    A OAB., banco central, receita federal, são exemplos de instituições que poderiam entrar com as ações.

  4. Sou servidor público e tenho vergonha da instituição MPU. Há muito tempo, desde a gestão do engavetador-geral (Brindeirão), virou quintal do PSDB/PFL/PPS. A classe jurídica deveria se indignar e apoiar o Joaquim Barbosa. Ele está tentando limpar a barra do Judiciário, cobrando mais celeridade e respeito aos cofres públicos. Quem sabe o novo(a) PGR não se espelha nele…
    A OAB também deveria exercer o seu papel. Com a defesa da reforma política, vejo uma luz no fim do túnel! Um abraço a todos.

  5. Perfeito, sr. Frederico. Sou morador de Valparaíso de Goiás, a Las Vegas brasileira (cidade dominada pela jogatina e o crime organizado). O Dr. Gurgel sentou-se no processo Demostenes/Perillo/Cachoeira. Será que se aquelas escutas indecorosas fossem provenientes de um senador do PT ele teria demorado tanto a agir? Fica a pergunta aos seus leitores.

  6. As denúncias podem não ser oferecidas “no tempo que a lei prescreve”. Mas a prestensão executória (fazer o condenado cumprir a pena, qualquer que seja) precreve “no tempo que a lei prescreve”. Em miúdos: o bandido é condenado mas sai limpo. E aí está mais uma jabuticaba de nossa legislação penal, a indicar que o crime compensa, sim!

  7. Para não perder a linha editorial do blog, em que pese a matéria só trate da lentidão do MPF, o título da matéria começa com “A justiça falha …”.

    1. Caro Marcelo, Grato pelo comentário. Sua observação é procedente. Melhor teria sido a inversão dos verbos. Mas não houve a preocupação em “não perder a linha editorial do blog”… Ao contrário, muitos leitores pedem mais reportagens sobre distorções no Ministério Público. abs. fred

      1. Obrigado pela observação. Mas continuo discordando. Sem a pretensão de exercer o papel de editor, para o qual não tenho capacidade, entendo que o título da matéria deveria tratar apenas do Ministério Público, dado o seu conteúdo. É que em matérias nas quais só foram tratadas questões afetas ao Poder Judiciário (e, quando espontâneas, sempre negativas), não vi títulos mencionado o MP. Por isso é que entendo que o blog não fugiu da sua linha editorial. Abç.

        1. Neste caso falha sim. Esgotado o prazo, em caso de simples manifestações, deveria o relator requisitar os autos, independentemente de manifestação.

      2. Fred, fico feliz que você tenha percebido o anseio dos leitores referente ao MP.

        É certo que o MP cumpre seu papel em certas ocasiões e merece congratulações da sociedade. Entretanto, em inúmeras situações o MP deixa a desejar e por ter uma atuação forte, alguns fatos são colocados de lado por setores da imprensa, algo semelhante a: “Ele pode cometer um deslize, pois ´faz muita coisa boa`”.

        Fred, quando for possível avalie a conveniência de abordar os setores administrativos do MP, especialmente as distorções internas existentes, pois se trata de um “categoria de serviços” que não é fiscalizada pelo “Parquet”.

        1. Daniel, diga o que vc sabe e aponte algumas pistas para nós… Diga que deslizes são esses. Palavras vazias… Os problemas estruturais que o MP tem como instituição burocrática são extensíveis a TODAS as instituições estatais. As contas do MP são julgadas pelos Tribunais de Contas. Não tenho notícias de contas rejeitadas. E vc?

          1. Wesley, não estou aqui para indicar expressamente as “faltas” de nenhum órgão. Não é meu trabalho e o espaço não é adequado. Foi apenas uma sugestão ao autor do blog, especialmente em razão de alguns “setores administrativos” (distorcidos) do MP serem completos desconhecidos do povo.

            Em relação ao julgamento das contas do MP pelo TC, é com tristeza que afirmo: Contas “aprovadas” pelas cortes administrativas em nosso país são irrelevantes.

      1. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! Olá Wesley, como vai.., Note: Se, arrancar um crachá do Corpo do Funcionário for AGRESSÃO e, considero que é, então; Houve um CRIME. Até, pois, o crachá pertence ao órgão público correspondente Não é TITULAR do crachá, nem o pargengler nem o funcionário, ambos, são portadores temporários de identificação que é pertinente ao órgão em questão. Dai entendo que houve CRIME. Banal, num primeiro momento, entretanto, agravado pela demissão; torna-se crime continuado e aí se caracterizando a PERSEGUIÇÃO gratuita, até, pelas possíveis soluções alternativas sobre o tema. E houve inércia e desleixo do MP em investigar o todo possível. O que NÃO fez. Faltou ao caso APURAÇÃO responsável. OPINIÃO!

  8. Eu apenas me pergunto, sobre o porquê de não ter feito essa espécie de “mutirão”, a cada 6 meses? Precisa esperar o apagar das luzes? Se conseguiu colocar em dia neste momento, o que sugere que não o conseguiria há 1 ano?

    1. É isso mesmo, se pode hj, poderia ter sido feito esse multirão, limpa gavetas seja lá o que for, antes tb poderia. Mas os interesses desses políticos, mesmo que sejam interesses criminais, sempre prevalecem sobre os interesses de uma nação.

  9. A solução não pode ser outra senão o fim do foro por prerrogativa de função, bem como a diminuição das atribuições dos Tribunais Superiores, que se transformaram em verdadeiras terceira e quarta instâncias. Do contrário, continuaremos tendo um dos piores sistemas judiciais do mundo, embora bastante defendido por uma comunidade jurídica caduca e que se beneficia fortemente dessas engrenagens.

  10. isso me cheira muito estranho. Tanta demora, para casos importantes, deveriam servir de exemplo para os demais cidadãos. Por isso tanto descrédito. mesmo a população abarcando as causas do MP, vg. PEC 37. As respostas do PGJ deveriam ser imediatas e a altura do crime cometidos pelos políticos, daqui a pouco vai tá tudo prescrito.

  11. Mas estes processos estavam com o PGR por avocação ou imposição legal? Se é o segundo, como se pode substituí-lo por um ‘colegiado’ de subprocuradores?

  12. Olá! Caros Comentaristas! E, FRED! Enquanto NÃO democratizar esses órgãos da justiça, digamos assim, sempre estaremos com distorções presentes. É o caso do TSE, recente. E cada vez ficará mais grave e sempre em prejuízo à democracia, liberdade e legitimidade! OPINIÃO! VOTO FACULTATIVO é o início da saída desse imbróglio. OPINIÃO!

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