Celso de Mello e a opinião pública

Frederico Vasconcelos

Em seu livro de memórias “Código da Vida“, o advogado Saulo Ramos, morto em abril deste ano, relata episódio ocorrido com o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, envolvendo a questão da independência do magistrado e a influência da opinião pública sobre as decisão do juiz –tema que ganhou atualidade com o empate sobre o acolhimento ou não dos embargos infringentes na ação do mensalão.

Saulo Ramos foi consultor-geral da República e ministro da Justiça no governo Sarney (1985-90). Celso de Mello foi seu secretário na Consultoria Geral da República, nomeado ministro do STF por Sarney, por empenho de Saulo Ramos.

Quando o PMDB negou a legenda para Sarney disputar o Senado, o maranhense candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnação e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.

No dia do julgamento do mérito, Sarney ganhou, mas o último a votar foi o ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura.

Segundo o advogado, o ministro explicou que votou contra para desmentir a Folha, que, na véspera, citara o seu nome como um dos votos certos a favor do ex-presidente.

Eis o diálogo entre Saulo Ramos e Celso de Mello reproduzido no livro (pág. 170):

 

“- Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S.Paulo noticiou que você votaria a favor?

– Sim.

– E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, nesse caso, votaria a favor?

– Exatamente. O senhor entendeu?

– Entendi. Entendi que você é um juiz de merda!

Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”

 

Em 2008, ao entrevistar o advogado, o editor deste Blog perguntou se a revelação do diálogo em suas memórias trouxera algum constrangimento, e se o ministro havia se manifestado.

“Nem uma coisa, nem outra”, respondeu Saulo Ramos. “A liberdade de expressão e a critica são valores que não devem espantar jornalistas”, comentou na entrevista.

O ministro não ligou para reclamar da entrevista.

Celso de Mello tem sido um defensor da liberdade de imprensa. Rejeitou, por exemplo, recomendação do ex-presidente do STF Cezar Peluso para que os investigados no Supremo tivessem apenas as iniciais na capa dos processos.

O ministro quebrou o sigilo em queixa-crime –depois rejeitada– movida por um juiz contra a então corregedora nacional da Justiça, ministra Eliana Calmon. Fez o mesmo no pedido de apuração dos fatos que levaram um estagiário a revelar a um delegado de polícia que fora alvo de assédio moral praticado pelo então presidente do STJ, ministro Ari Pargendler.

Enquanto isso, o jornal “O Estado de S. Paulo” permanece sob censura, sem poder publicar informações relacionadas ao inquérito da “Operação Boi Barrica”, da Polícia Federal, que investigou Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP).

Em agosto de 2012, no início do julgamento do mensalão, Saulo Ramos evitou comentar a ação penal.

“Tenho muitos amigos entre os advogados, entre os ministros e severas restrições a teses defendidas por alguns deles no debate da matéria. Prefiro ficar afastado disso. Até por uma questão de ética que impede ao advogado de dar opiniões sobre causas patrocinadas por outros”, afirmou a este editor.

Comentários

  1. Abstraindo possíveis influencias políticas -embora não as descarte -acho que o ministro Celso de Melo votou correto.O mensalão é um processo quase atípico.Em todos os sentidos.O PT rejeita-o por motivos mais que óbvios.Seria passar atestado de desonestidade ao governo de Lula.A oposição e a imprensa ampliaram, sem dúvida, alguns fatos que constituem o processo em si.Evidente que a opinião pública é, em sua maioria, favorável á condenação de Dirceu e seus amigos envolvidos diretamente no caso.A posição do ministro, em que pese as acusações -se verdadeiras forem-de Saulo Ramos, sem contestação, segundo diz o blog, comprometem a integridade de um magistrado supremo.Pode ser que Celso de Melo tenha apenas ignorado o assunto evitando polêmica inócua.Pode ser.
    O Supremo, agora, tem o dever de dar uma reposta à sociedade brasileira mostrando que não postergou a decisão “ad infinitum”, acelerando ao máximo o julgamento dos embargos infringentes.As razões de Celso de Melo me pareceram justificáveis quanto á pressão exterior.Um julgador não pode se submeter a isso.Seu voto pode ter sido frustrante e até mesmo trazer consequencias na eleição do próximo ano desfavoráveis ao PT. Mas é imperioso entender que o bom Direito está acima de tudo.E isso só acontece nas sociedades abertas, naa democracias.Uma lição ao próprio PT e alguns de seus áulicos, incluindo o acusado mais “célebre” desse julgamento, o Dirceu, que se mostra sempre partidário do autoritarismo.O Brasil quando quer dá sinais de um país maduro.Lá na frente, vamos ter a sensatez de analisar a decisão de hoje.

  2. A questão que se apresenta não tem a ver com probidade intelectual ou moral do juiz ao proferir seu julgamento, como ato de fidelidade a si mesmo e de independência em relação à opinião pública.

    O juiz só não pode revelar-se, em questões cruciais para o país, ou quando envolvam interesses protegidos por poderosos, um PAGADOR DE PROMESSAS, pois aí só invocará a independência como pretexto para a sua servidão. ISTO É O QUE ESTÁ ACONTECENDO AGORA.

    Como mostra um excelente texto de ARNALDO JABOR publicado nos jornais desta data, todos nós tivemos em nossa trajetória a influência constante das opiniões alheias, individuais ou coletivas, formando a nossa própria, seguidamente com conflitos. MILLÔR FERNANDES disse isso mesmo, debochando do cinismo dessa “independência autoprocalamada”: “Depois que li ‘Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas’ nunca mais parei de fazer inimigos e de ser influenciado pelos outros”.

    O ministro CELSO DE MELLO está a um passo de cavar sua sepultura histórica, com a verborragia justificadora que vem treinando há longo tempo, e acolherá os embargos que depois não irá julgar no mérito, porque já está com a aposentadoria programada para breve. Dará lugar a outro “novato” pagador de promessa.

    Muitos são os que se comovem com o arcabouço argumentativo alegórico que juristas de paróquia gostam de usar, em discursos intermináveis, ignorando a advertência que provém da psicanálise: quanto mais rebuscada a justificação menor é a verdade a expor (ou melhor, a ocultar). De novo, cabe invocar MILLÔR: toda pessoa que fala demais mente, pois o estoque de verdades é pequeno e logo acaba.

    Dias de grande descrédito para os juristas virão. O Supremo se transformou num tribunal perplexo. Com seus empates (lembrem-se: já foi assim em relação à vigência da lei da ficha limpa) veio a dar uma dimensão nova à “lei” de Nélson Rodrigues “toda unanimidade é burra”. A DISSENÇÃO PARALISANE TAMBÉM É.

    Um tribunal supremo que não sabe julgar, e nunca irá julgar satisfatoriamente aquele que ele próprio considera o caso criminal mais importante de sua história de mais de duzentos anos, não sabe salvaguardar a democracia que – nunca é tarde para lembrar – foi duramente reconquistada pelo povo para que, entre outros direitos, pudesse ter o de formar a ‘opinião pública’, que hoje parece tão desdenhada por novas cabeças que se imaginam coroadas, mas que são cabeças de papel.

    Sobre tudo isso o ministro Joaquim Barbosa, como conferencista requisitado nos Estados Unidos, já aposentado depois que terminar sua presidência, discorrerá seguidamente para plateias sequiosas de entender porque nos tornamos um país masoquista.

    Vale lembrar: do acórdão que acolher os embargos infringentes, no julgamento de seu mérito, caberão ainda embargos declaratórios e, depois, revisão criminal e, desta, novos embargos infringentes, aos quais poderão ser opostos outros embargos declaratórios. Tudo isso está expresso no Regimento Interno do STF. Alguém acredita que vá ter fim? Antes que termine a vida, com a nossa esperança, certamente não.

    Luiz Fernando Cabeda

    1. Caro Luiz, você não precisava ser tão realista em seu pronunciamento. Agora mais do que nunca, muitos saberão que não terá fim a novela “o direito de encher” que se desenrola no palco do STF. E, digo mais: os velhos atores serão substituídos por novos que atuarão da mesma forma. Mas, foi lúcido e extremamente esclarecedor seu comentário. Parabéns.

  3. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! O caso primeiro, desconheço. O caso segundo Eliana Calmon é uma tristeza, pois, utilizou-se de resolução ilegal contra os JUÍZES e JUÍZAS, brasileiros. O que considero, por parte do cnj, ilegal e imoral. O caso terceiro do estagiário continua NÃO esclarecido e, tudo leva crer que o Ari Pargendler ERROU FEIO. O caso quarto sobre o episódio Estadão, NÃO considero CENSURA. O que não foi, ou ainda está, proibido de divulgar, é pedaço de matéria restrita e, o que há é insistência do Estadão. Vai continuar perdendo. Sobre o quinto caso: Mensalão, continuo apoiando a ideia de ACEITAR os embargos infringentes. A vantagem que vejo sair da decisão que tomará o Min. Celso Mello, é que acumula, longa experiência como advogado, promotor e juiz. E, conhece toda a marmelada, no dizer das ruas. E, salvo engano, não presenciei nos últimos tempos DESTEMPERO frente ao STF e frente aos PARES. Parece-me pessoa muito centrada. Qualquer decisão será BEM VINDA! OPINIÃO!

  4. As decisões contraditórias representam algumas variações de conduta sobremodo importantes:

    1ª) os Ministros do STF adoram estar na mídia e ao julgamento dela se submetem;
    2ª) têm eles traço psicológico instável;
    3ª) seus votos são de cunho eminentemente político e não técnico, como deveriam ser: e
    4ª) em muitas ocasiões, derrapam na correta interpretação da CF e das leis.

    O certo é que esta instabilidade gera, à evidência, insegurança jurídica, colocando em risco o valor e a nobreza da instância máxima do Poder Judiciário.

  5. Como magistrado, espero que o Ministro Celso de Mello rejeite os embargos infringentes. Se aceitar, nem será a desmoralização da Justiça. Sua excelência, o Ministro, deve sim analisar as consequências de sua decisão. Admitir que os condenados sejam novamente julgados em razão de firulas jurídicas, dará a população brasileira a mensagem de que roubar vale a pena. Basta ter um bom advogado e “amigos” para você se safar.

  6. A surpreendente reprodução deste trecho do livro, que li, friso e anoto, dá a impressão de que o Frederico Vasconcelos não leu este importante artigo http://www.conjur.com.br/2007-jun-27/saulo_ramos_reescreve_historia_causa_propria
    cujo trecho mais importante para este post copio a seguir:
    “Os trechos mais perversos do panegírico que Saulo escreveu em sua homenagem são os que mencionam o ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello Filho. O advogado diz que, quando se ia examinar a validade do domicílio eleitoral de José Sarney no Amapá, Celso de Mello teria telefonado para avisar que só se encontravam no STF ele e o ministro Marco Aurélio. E que seria arriscado entrar com o pedido, já que Marco Aurélio, por ser primo de Collor, poderia complicar as coisas para Sarney. Na vida real, os onze ministros do STF encontravam-se na Corte naquele dia, conforme atesta a própria Ata de Distribuição de processos.

    Mas o fato é que o pedido caiu nas mãos de Marco Aurélio, que deu a liminar em favor de Sarney. E relata Saulo: “Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura de Sarney.”

    Corria o ano de 1990. No dia seguinte, Celso de Mello, na versão de Saulo, teria lhe explicado que “quando chegou minha vez, o presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu.” A explicação atribuída ao ministro foi que seu voto contrário se devia a uma notícia da Folha de S.Paulo, informando que Celso de Mello votaria a favor do presidente que o nomeou para o STF. Pela narrativa de Saulo, ele teria dito um palavrão ao ministro, batido o telefone e nunca mais falado com ele, certamente inconformado com a absoluta independência e integridade que o ministro Celso sempre demonstrou no exercício de sua função, como é notório e reconhecido pela comunidade jurídica do país.

    Correções ao livro: os arquivos da Folha não mostram a tal notícia. Saulo Ramos, na própria publicação, cita outros diálogos posteriores com o ministro — sempre para ofendê-lo gratuitamente — sem contar que compareceu à posse de Celso quando este assumiu a Presidência do Supremo, em 1997.

    Celso de Mello não foi o último a votar no caso mencionado. Ele era um dos mais jovens integrantes da Corte e, nessa condição, votava antes. Ele foi o terceiro a se manifestar, logo depois do relator, Marco Aurélio, e de Carlos Velloso — ambos favoráveis a Sarney. Celso votou contra, em voto longo e fundamentado, acompanhado por Sydney Sanches e Octávio Galotti, em momento no qual o resultado do julgamento estava longe de se definir.”

    1. A mim não surpreende. O editor deste Blog é conhecido manipulador de informações, sempre em detrimento do Judiciário. Aliás, insiste em confundir censura (ato administrativo prévio e com motivações políticas e ideológicas) com defesa de direitos fundamentais em sede judicial, impondo a jornais obrigações de não fazer, quando eventuais publicações ofendem valores (direitos) individuais(neste caso há ponderação de direitos fundamentais – liberdade de imprensa e honra ), ou seja, o que insiste em chamar de censura judicial é mera aplicação do Direito, destituída de cunho político e ideológico. Obviamente, a questão do editor é pessoal, já que entende ele que a imprensa é, ou deveria ser, a única imune à sindicabilidade judicial, criando com isso a ditadura do quarto (ou quinto) Poder. É como penso e espero que seja publicado.

    2. Se o Ministro não foi o último a votar, como ele conhecia o teor do voto de seus colegas? Interessante a questão, porque o Saulo Ramos é uma pessoa que conhece os bastidores do Poder. ELe não está vivo para se defender, mas ninguém questionou a inverdade da informação em juízo. Por quê? Eis a questão?

  7. Caros,

    Os embargos infringentes não são um recurso, propriamente, porque o recurso deve ser julgado por outros juízes ou outro tribunal. Os embargos são um pedido de novo julgamento, quando não se formou maioria (por exemplo: um juiz disse sim; houve recurso, julgado por outros três juízes, dois disseram não, e o outro disse sim: ficou empatado em 2 a 2. Cabem embargos infringentes, para acabar com o empate; cinco juízes irão julgar de novo os pontos de desacordo; qualquer que seja o resultado, haverá desempate, mesmo que 3 a 2. Ponto final). No caso do E. Supremo Tribunal Federal, há lei posterior, que revogou o regimento interno. A Constituição não autoriza o Supremo a criar novo processo, novas regras processuais. Não há embargos contra a decisão do pleno (todos os 11 juízes), exatamente porque não há empate e não há como chamar mais juízes. Simples. Embargos não são sinônimo de ampla defesa, nem são recurso, nem cumprem requisito de dplo grau de jurisdição (direito de ouvir outra opinião por outro tribunal, outros juízes). São uma ficção, à qual muitos estão se apegando. Em outros Países: cada vez mais abandonados e em desuso, porque os embargos são resquício de um processo anterior à modernidade, Antes da modernidade, os processos não terminavam ou só terminavam com a morte de alguém. É isso. A situação é tão estranha, que, não resiste à crítica. Supondo que sejam recebidos os embargos. Novo julgamento sobre os pontos será feito pelos onze juízes. Se a decisão for 6 a 5 ou 7 a 4, não trará qualquer alteração das convicções. E se um dos uízes se aposentar e não houver tempo de chamar outro? E o resultado, então, vir a ser 5 a 5? Valerá voto de minerva ou valerá o julgamento anterior, ou o reú será beneficiado? Claro que dirão que o julgamento pode mudar, porque há novos ministros. Talvez, fosse o caso de deixar esse julgamento sempre aberto a novas revisões, a cada mudança de ministros. Na verdade, seria melhor deixar esse julgamento para a história, aprender as lições, caminhar pra frente.
    Espero que o E. Supremo Tribunal Federal vire a página.

  8. Por uma questão de isonomia sugiro que relate demais historias envolvendo outros ministros – e bem recentes- vide Mendes e FUX .Quer dizer que o raciocínio seria o mesmo?..

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