O desempate no derby jurídico
Sob o título “O Empate”, o artigo a seguir é de autoria do Procurador da República Vladimir Aras. Foi publicado originalmente em seu blog, no dia 12/9.
Empatou. Não foi um chocho zero a zero, retrancado, sem ataque, sem defesa, com todo mundo enrolando no meio do campo. Não. Foi um empate épico, desses de se lembrar por anos a fio, com defesas espetaculares, jogadas de efeito, murros na mesa, frases fortíssimas, artilharia pesada. Tonitruantes cinco a cinco, placar dos anos sessenta. E, na hora do último pênalti, último voto, o Presidente Supremo consulta sua agenda, olha para seu relógio e apita: o final da novela-jogo-espetáculo-circo-arena-julgamento ficará para a semana que vem.
Inesperadamente, será o voo-solo do decano do time, do mais experiente, do mais ouvido, do mais legítimo. A ele caberá resolver um enigma: cabem embargos infringentes?
Com toda a certeza, 99,99% da população nunca ouviu falar desse nome esquisito. Para esses saudáveis brasileiros, posso dizer que os embargos infringentes se constituem numa espécie de recurso, e todos sabemos o que é recurso: uma forma de rediscutir o que já foi discutido. Todos os dias, recorremos de tudo na vida. Pedimos novamente por mil vezes o beijo que foi anteriormente negado, pedimos de novo o empréstimo bancário, buzinamos loucamente para que as pessoas decidam seguir, já que haviam decidido parar. Existe recurso para tudo, pedimos até para que o amor reate e nos re-ame. No Direito, também é assim, nunca teremos uma decisão que não possa ser revista, rediscutida; na falibilidade humana, seria uma loucura e uma monstruosidade que alguém pudesse decidir sem nenhuma possibilidade de revisão de seu julgamento, havendo um consenso quase mundial em torno de uma coisa: ninguém pode decidir sem possibilidade de revisão.
Tudo isso para evite de se punir injustamente alguém por aquilo que não fez. O mantra que se repete desde a faculdade é que sempre será melhor um culpado solto a um inocente preso. Por isso, os recursos, os infinitos recursos, que a gente sempre odeia quando se trata do direito do vizinho, claro.
No caso do Supremo, todavia, a situação é bem tensa. Uma das coisas mais inexplicáveis que temos na lei é aquilo que se chama de “foro privilegiado”, uma espécie de senha VIP que algumas pessoas ganham, para, em razão do cargo que ocupam, serem julgadas diretamente por instâncias superiores; quanto mais bacana for, mais alta será a corte da senha VIP. Deputados, senadores e outros príncipes republicanos garantiram seu camarote de foro privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal. São tão importantes, tão acima da patuléia dos mortais comuns da arquibancada, que serão julgados pelos onze juízes mais proeminentes do país, originariamente, isto é, como se fossem os ministros juízes de primeiro grau ou, acabaram tardiamente se dando conta disso, único grau.
No caldeirão das feitiçarias corporativistas, colocaram tanta asa de barata, bigode de rato, pena de urubu que não se deram conta os senhores deputados e senadores de que estavam armando uma arapuca para eles mesmos: ao serem julgados diretamente pelos supremos ministros, esqueceram um detalhe fundamental: quem reveria a decisão dos supremos magistrados da nação? Caramba, quem pode rever a decisão daquele que está no topo da pirâmide?
Por isso, o empate.
De um lado, os que entendem que aquilo que já está decidido, não mais se discute; quem perdeu, perdeu. Quem ganhou, solte rojões, nunca mais será incomodado, mas quem perdeu, esse um rodou e pronto, garantiu sua passagem para o inferno. A regra foi feita por eles e está na Constituição. Quiseram ser mais malandros que a malandragem e foram vítimas da própria esperteza. Cinco Ministros disseram isso e estão cobertos de razão. Cem por cento de razão a eles.
Do outro lado, os que admitem que ninguém pode ser julgado sem direito a um segundo pronunciamento, ainda que seja no Olimpo judiciário brasileiro. E que eles, deuses juristas inatingíveis, rediscutam a sorte daqueles mortais que lhes caíram nas mãos. É a única chance de se repararem erros porventura cometidos. O Supremo Tribunal pode errar de forma suprema, eis que composto por humanos iguais aos marceneiros, manicures, pilotos de avião, engolidores de faca ou prêmios Nobel de Economia. Precavidos e cautelosos, defendem que se reabra a discussão, enfim, até que sobrevenha o consenso ou uma folgada maioria. Outros cinco Ministros disseram isso e estão cobertos de razão. Cem por cento de razão a eles.
O Direito é assim, 100% de um lado e 100% de outro lado, porque não existe uma verdade absoluta. O decano, que é o nome que se dá ao Ministro de mais tempo de Corte, irá escolher entre uma das duas posições. Ele é o sexto, O Cara. Desempatar, eis sua missão. Terá que escolher um dos lados da cerca. Com todos certos e com carradas de razão, terá que se posicionar. Nessa situação criada, qualquer decisão que tome, será duramente criticada porque esta ação penal 470 se transformou há tempos num derby jurídico. Qualquer decisão que tomar, mil e uma Teorias da Conspiração hão de surgir e infestar as redes sociais.
Não dá para ter inveja dele.
Texto muito bom, leve e de verve humoristico-didatica. O procurador deveria escrever mais sobre este e outros assuntos juridicos.
O unico problema e’ que quando todos estao certos, ninguem esta’ errado e fica por isso mesmo.
Por esse mesmo tipo de atitude temos andando em nossas ruas um terrorista italiano, que entrou no pais com documentos falsos, diga-se. Temos deputados presidiarios; temos condenados exercendo funcao na CCJ da Camara; temos ate’ deputados com mandado de prisao internacional. Que, aparentemente, nao vale aqui.
Se o caso Madoff tivesse acontecido no Brasil, ele seria o Ministro da Fazenda.
Temos tantas “jaboticabas” em nossas leis que faz com que a 1a. instancia do Judiciario seja irrelevante, com excecao dos 3 “Ps”.
Sr. Aras,
Qual é a sua opinião sobre o tema? Cada um tem a sua verdade, não é possível permanecer neutro.
Para a minha cultura de mais de sesenta anos,juiz julgou esta julgado,recorre depois.
Agora que as brilhantes teses jurídicas (plenamente aplicáveis digamos, na Escandinávia) levaram a um impasse que terá desdobramentos no campo político e partidário, perigosamente pertos de uma campanha presidencial que já se antecipa com todo o potencial explosivo de confronto tanto ideológico como político, a hora é de repensar o papel do STF e sua relação direta com o instituto do foro privilegiado. Afinal o STF é corte constitucional ou Vara Criminal ? Outra reflexão que deveria ser feita é sobre a investidura de Ministros não oriundos da Magistratura ou seja, não tenho dúvidas de que a procedência de cada um dos Ministros também também se refletiu no caos formado. Poucos juízes para muitos procuradores, advogados e advogados gerais da União.
Parabéns ao autor. Texto brilhante, com simplicidade disse tudo.
Excelente texto do Dr. Aras.
Agora é aguardar para sabermos se ainda existem Juízes em Brasília-DF.
Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! Olá! Marcelo Martins Cunha, como vai.., Concordo que o texto é excelente e merece parabéns o Dr. Aras, até fiz uma brincadeira. Entretanto, a colocação sobre Os Juízes/as, está incorreta. Não só são, como continuam sendo. E, muito BONS. Nossa opinião NÃO pode pretender desqualificar os Juízes/as. Se, o Celso Mello, votar diferente do que penso, continuarei prestigiando o mesmo. OPINIÃO!
Jovem RICARDO,
estava apenas parafraseando, pois o alto nível dos debates, no STF, mostra que, independente do que se decidir, ainda há juízes em Brasília.
Ainda há juízes em Berlim – Essa locução é de uso corrente quando se quer demonstrar confiança na justiça, contra as iniquidades dos poderosos e, em particular, dos governantes. Surgiu de um conto em verso do escritor François-Guillaume-Jean-Stanislas Andrieux, membro da Academia Francesa, nascido em Estrasburgo em 1759 e morto em 1833. O conto se intitula “O Moleiro de Sans-Souci”. Ai se narra que, quando o rei da Prússia resolveu mandar construir o famoso castelo de Sans-Souci, o seu intendente tudo fez para afastar da vizinhança um modesto moleiro, cujo moinho daria uma nota prosaica a tão belo sítio. O moleiro, porém, não aceitou nenhuma proposta para sair do local e permitir a demolição de seu moinho. Ameaçado com a expulsão violenta, ainda assim não se deu por vencido e gritou, decidido a ir lutar com o rei na justiça : Il y a des juges à Berlin (Há juízes em Berlim). Quando a justiça dá um mau passo, dobrando-se ao poder, também se usa a expressão : Não há mais juízes em Berlim. Aliás o poeta francês mesmo conclui que “on respecte un moulin, on vole une province” (respeita-se um moinho, mas furta-se uma província).
Olá! Caros Comentaristas! E, FRED! Olá! Marcelo Martins Cunha, como vai.., Muito obrigado por expor passagem tão dignificante, trazer um conhecimento que NÃO tenho, e agora passei a conhecer e portanto, a apreciar. Fico feliz, que por ignorância MINHA tenha me enganado, e, possibilitado tal engano, todos apreciarem passagem tão BONITA como descrita por você. É que tenho certo apreço e CUIDADO com nossos JUÍZES E JUÍZAS, tão mal tratados e de maneira equivocada pelas razões amplamente conhecidas. Sinceramente, agradeço os ensinamentos. Muito OBRIGADO! OPINIÃO!
Caro Colega Comentarista Ricardo,
o espaço destinado a nós no Blog propicia essa troca de informações e respectivamente conhecimento.
O Blog é um dos raros que prima pelo respeito nos comentários a serem publicados, devidamente filtrados pelo Jovem Fred.
Se o Tribunal fosse Jurídico dever-se-ia que todos os julgadores apenas fossem legítimos se algum dia já passou em concurso público – como a maioria dos tribunais e como deveria ser o Tribunal de Contas.
Já o STF é um tribunal político e deve ser político, pois a política que cuida das relações de poder e da legitimidade – ou seja, tendo as suas decisões repercussões além do simples julgamento jurídico (que observa apenas princípios e leis… e não deve se afastar disso, pois cairia na arbitrariedade e deslegitimação democrática).
Em decisões tem que se decidir, pois senão afrontaria-se a justiça (como bem citava Rui Barbosa). Na minha humilde decisão gostaria que o STF tivesse o dobro de julgadores, continuasse um tribunal político (mas que suas decisões se voltassem para o fortalecimento da sociedade e do Estado – sem ser influenciado por questões econômicas)… e que finalmente DECIDISSE!
Logo sou contra esses embargos infrigentes e todas as decisões que só alimentam a impunidade em um país que ricos ficam ricos praticando crimes… que nunca são julgados – quicá irem pra cadeia!
Olá! Caros Comentaristas! E, FRED! Texto muito interessante com aplicação de percentuais, imagino probabilidades e etc.., Ótimo. Pelo apresentado dá para concluir que: O julgamento do Mensalão ACABOU e os RÉUS estão LIVRES. É princípio de Direito Penal. Obrigado Procurador. Trata-se: do In dubio pro reo e do princípio de presunção de inocência e ZAFFARONE diz que: à lei que não cuida, na duvida, deve ser aplicado ” o in dúbio pro réu “. Daí eu insistir em EMBARGOS INFRINGENTES, lei que CUIDA, ou o JULGAMENTO ACABOU. MOTIVO aritmético simples: 5 votaram sim e 5 votaram não. Dúvida estabelecida. Proporcionalmente, 1 que falta, como diz: o Min. Marco Aurélio Mello, “A CONTA NÃO FECHA”. Ou seja, 5 – 5 = ZERO e o 1 que falta não dará 6 e sim, 5,90, o que implica dizer o Devido Processo legal não foi CUMPRIDO na sua INTEIREZA. Então: Saída? No empate ou na incompletude dos 6, até pela afirmação: No direito NÃO há verdade “ABSOLUTA”, logo; relativa ou fracionária, temos ABSOLVIÇÃO TOTAL ou, a possibilidade de revisão pelos “EMBARGOS INFRINTES” ou o nome que se queira dar. 10 cabeças em dúvida divididas por 11 cabeças dá = 0,9090909090909091, menos que 1 cabeça inteira, portanto, NÃO cumprido o devido processo legal. O Semovente aqui, em alusão ao Derby, ainda que de raça, é tendente ao suicídio. Estão no precipício. Para evitar essa situação: Pela Aceitação dos Embargos Infringentes. FREDERICO VASCONCELOS: espero NÃO apanhar. Não vale agressão pessoal, tenho IMUNIDADE como comentarista!!! HAHAHA!!! Tchau!!! OPINIÃO!
Preciso, cirúrgico e altamente verdadeiro
Filosofar êh preciso para os que não querem dicidir.