Juiz assistiu “incrédulo” julgamento no CNJ

Frederico Vasconcelos

Em nota na internet, Vitor Bizerra (BA) diz que direito de defesa foi cerceado.

 

Um dia depois de ser afastado do cargo de titular da Vara Criminal do município de Barra (BA), o juiz Vitor Bezerra divulgou na rede de discussões dos magistrados na internet a mensagem reproduzida abaixo.

Por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça aprovou, na última segunda-feira (23/9), a proposta do corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, de instauração de Processo Administrativo Disciplinar para apurar a suspeita de envolvimento de Bizerra em irregularidades na adoção de crianças.

Reportagem de autoria do editor deste Blog, publicada neste sábado (28/9) na Folha, e transcrita em seguida, revela que o CNJ também vai investigar o magistrado por suspeita de grilagem de terras.

Bizerra nega que ter havido adoção ilegal e diz que as acusações de grilagem são “vazias e falsas”.

 

Eis a íntegra da nota do magistrado:

 

Prezados colegas,

Ontem foi um dia preocupante. Não falo por mim, mas pela Magistratura.

Assisti a um órgão de natureza administrativa doutrinar sobre Infância e Adolescente a fim de justificar a instauração de um PAD [Processo Administrativo Disciplinar] cuja justificativa parece apenas buscar a validação de uma estória criada por um veículo de comunicação.

Na sessão plenária:

“Aprendi” que em sede de infância e juventude, celeridade pode ser falta funcional.

Ouvi que existe o princípio da “proteção aos pais biológicos” em detrimento dos interesses das crianças.

Foi estabelecido ainda a “preferência à institucionalização” das crianças, em detrimento do acolhimento familiar.

Vi ainda que os argumentos de defesa podem ser suprimidos ou “pulados” quando da leitura do voto relator.

Em nome de defender o direito de defesa das partes de um processo, o Juiz pode ser penalizado tendo o seu direito de defesa cerceado.

Um Juiz pode ter um processo aberto contra si sem oportunidade de ser ouvido e depois de serem juntadas pilhas de pronunciamentos e documentos sem oportunidade de falar sobre eles.

Pode-se abrir um PAD mesmo que existam pedidos de produção de provas que sequer foram apreciados.

Pode se justificar um pedido de afastamento sobre “acusações” não constantes dos autos.

Assisti incrédulo. Tive a impressão de que as longas e muitíssimas horas de estudo e trabalho na seara jurídica não existiram ou que tudo havia mudado. Talvez tenha sido transportado para os tempos de vigência da CF de 1937.

Longe de trazer aqui uma lamentação, trago elementos de reflexão. Onde iremos chegar? Será esse o Judiciário Brasileiro? Permaneceremos inertes enquanto os golpes não forem dados em nosso próprio lombo?

Não entrarei aqui em outras questões mais específicas. Não tenho a intenção de criticar decisões de órgãos constituídos, inclusive a do CNJ. Exerço aqui o direito de refletir e de me manifestar restritamente entre os meus pares para que amadureçamos juntos em nossas experiências.

Forte abraço a todos. Que Deus nos proteja! E para os colegas que Nele não creem, não sei o que dizer…

 

 

Eis a íntegra da reportagem publicada na Folha neste sábado:

 

Juiz já afastado por adoções ilegais é investigado por grilagem de terras

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) vai apurar a suspeita de prática de grilagem de terras pelo juiz Vitor Manoel Sabino Xavier Bizerra, titular da Vara Criminal do município de Barra (BA).

Na última segunda-feira, o juiz foi afastado do cargo pelo CNJ por suposto envolvimento com adoções ilegais de cinco crianças. Elas foram retiradas de seus pais biológicos, no interior da Bahia, e entregues para famílias que moram em São Paulo.

Bizerra sustenta que houve cerceamento de defesa. Em entrevista à Folha, ele diz que as acusações de grilagem são “vazias e falsas”.

Ele nega que tenha havido adoção ilegal. “Apenas deferi uma medida de urgência para retirar as crianças de risco. Faria tudo novamente só por saber que as crianças se mantiveram vivas”, diz.

“O fato de ser visto como um juiz linha dura’ para não ceder ou transigir com quem quer que seja, fez com que eu desagradasse quem se acha acima da lei”, afirma.

Em decisão unânime, o colegiado acompanhou na última sessão do CNJ o voto do corregedor Francisco Falcão, que propôs a abertura de processo administrativo disciplinar contra o magistrado referente ao caso das adoções.

SUSPEITA DE GRILAGEM

Posteriormente, Falcão determinou a abertura de novo procedimento para investigar as suspeitas de grilagem. Até o final da apuração, Bizerra está impedido de utilizar seu local de trabalho e de usar veículo oficial.

O caso das adoções foi revelado pelo “Fantástico”, da TV Globo, no ano passado.

Falcão citou no seu voto que Bizerra teria usado o cargo para forçar a saída de invasores de terras em Sento Sé (BA) que seriam de propriedade do magistrado.

Segundo o corregedor, o juiz teria retirado peças de processo do cartório, que foram mantidas em seu poder mesmo depois de deixar a comarca. O objetivo seria prejudicar o cumprimento de ordem de outro juiz.

Bizerra também teria usado relação com uma promotora de Justiça para obter documentos com o propósito de cancelar matrículas em cartórios de registro de imóveis.

Outra sindicância na Bahia apura suposta participação do juiz em gerência ou administração de empresa, o que é vedado pela legislação.

Falcão narrou ao colegiado ter recebido, no início do mês, prepostos da Quifel Energy Brasil Participações Ltda., acompanhados de representantes da Embaixada de Portugal. Eles teriam informado sobre decisões do magistrado que inviabilizariam a atividade da empresa.

O corregedor de Justiça informou que os indícios de irregularidades foram apurados em correição realizada em novembro nas comarcas baianas de Monte Santo, Cansansão e Euclides da Cunha.

OUTRO LADO

O juiz Vitor Bizerra diz que nunca foi ouvido pela Corregedoria do CNJ sobre as suspeitas de grilagem. “Postulei a produção de provas, pedi a juntada de documentos, e nada foi apreciado”, disse.

“É muito perigoso o caminho trilhado pela condenação antecipada baseada apenas em uma acusação vazia e com interesses não amparados na lei”, declarou.

Bizerra diz que a representação contra ele foi feita por uma empresa que responde a processos por grilagem e por ter tentar usurpar áreas de proprietários privados.

“Por decisão da Corregedoria do TJ-BA as matrículas desta empresa já foram bloqueadas. Fui um calo’ para eles, pois conheço profundamente a região e o proceder de grileiros na área”, disse.

“Se o corregedor disse ter identificado várias irregularidades em diversos processos de adoção por vários juízes, por que abrir procedimento apenas contra mim?”

Segundo ele, “existem 37 processos administrativos e até criminais contra o juiz que denunciou o caso. Dentre eles a acusação de manipular autos e coagir pessoas a validar a história do Fantástico'”.

Bizerra nega participar de administração de empresa. Sobre a retirada dos autos, diz que passava semanalmente na comarca de Sento Sé, retirando autos para devolvê-los na semana seguinte. “O fato é corriqueiro com juízes designados. Nenhum processo da empresa denunciante foi por mim despachado”, disse.

Comentários

  1. O juiz que reclama deveria informar aos desavisados que ele não foi julgado. Foi instaurado um procedimento administrativo, de cunho disciplinar, diante da apresentação de uma série de dados que aconselha a aprofundar a investigação. Ele, afastado de suas funções, terá muito maior disponibilidade para cuidar de sua defesa no curso do procedimento.

    Menos drama…

    1. Cara Ana Lucia, temos que unificar os procedimentos dos Conselhos para evitar a utilização do Conselho Nacional de Justiça como forma de perseguição política. O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público devem aplicar o mesmo procedimento de transparência. abraço.

    2. Bem, não temos realmente elementos para avaliar o mérito da questão disciplinar. Espero que o CNJ decida sempre com a justiça que leva em seu nome.

      Em relação à conveniência da disponbilidade para o juiz investigado, contudo, há uma observação necessária: a disponibilidade é com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Então, se o juiz em questão tiver doze anos de carreira, receberá um terço do salário, sem poder exercer nenhuma outra atividade. Eu, com os compromissos que legitimanete assumi , depois de vender o apartamento, mudar os filhos de escola, e sabedor de que jamais me desviei da honestidade, cortaria os pulsos…

  2. Caros Rodrigo e Mauricio,
    Os senhores sabem que, no caso de cerceamento de defesa, a parte pode recorrer ao Tribunal. O problema em relação aos magistrados é que a falta de transparência e o cerceamento de defesa possibilitam a intimidação do magistrado, que é agente politico. Todos sabem que, muitas vezes, os juízes interferem em interesses econômicos e políticos, por isso, as garantias Constitucionais, em todas as épocas, vigoraram para tutelar o magistrado e protege-lo de interferências nefastas. Hoje estamos vendo um triste espetáculo em que os magistrados são colocados no picadeiro e a violação das garantias da magistratura são corriqueiras, como se fossem normas programáticas. Como disse em outro comentário, quando é que as Associações de juízes irão exigir a isonomia de procedimentos entre os Conselhos da Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça e a OAB. Todas as pessoas envolvidas em casos de corrupção devem ser punidas. abraço

    1. Quem lê, pensa que até ontem todo o judiciário punia poderosos e agora, coitadinhos, os juízes intimidados só condenam pé-rapados.

  3. Acho curioso quando os juízes que são investigados, administrativa ou judicialmente, reclamam de cerceamento de defesa. Argumentos de defesa serem “suprimidos” ou “pulados” , ou documentos essenciais para o deslinde serem também desconsiderados pelos julgadores, é comportamento que não é exceção. A pergunta persiste: esses magistrados, quando no exercício de suas atividades judicantes, procediam de modo diferente daquele que agora se dizem vítimas?

  4. Hoje saiu um artigo muito interessante de Ferreira Gullar na Folha que diz que punição e justiça são coisas incompatíveis, a ponto de advogados (e talvez muitos juízes) proporem a extinção da prisão no Brasil (Uma idéia maluca que vai contra a classe. A prisão deve existir nem que seja só no papel, senão como advogados ganhariam dinheiro?). Esse conceito de que Justiça boa é justiça que absolve está cada vez se tornando lugar comum. É só ver frases do tipo, só rico tem justiça (porque sempre é absolvido). Portanto, o juiz Vitor Bizerra tem que ficar incrédulo mesmo, mas não perca tempo se deprimindo Sr. Bizerra, no final, tudo vai se resolver, pois são infinitos e benevolentes os caminhos dos recursos.

    1. Senhor Mauricio,

      Há estudos feitos em grandes universidades (Espanha, Alemanha, Portugal, Estados Unidos, etc. ) indicando que a pena é um mal necessário. Não conheço juiz que defenda teses abolicionistas, talvez, o senhor possa indicar o nome deles.
      Em relação aos recursos processuais e administrativos, eles estão previstos na lei, se estão errados, mudem-se as leis. A culpa do sistema não é do juiz.
      Em relação ao artigo do colega, ele está declarando que a transparência nos processos do Conselho Nacional de Justiça não é clara.
      E por último, precisamos unificar os procedimentos administrativos do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, este último não expõe os promotores como faz o outro Conselho. Pergunta que não quer calar: Por que a diferença de tratamento?

  5. Acho que ele deveria falar por ele mesmo, porque muitos juízes, na sua esmagadora maioria, não fazem o que este senhor fez no interior da Bahia. Perplexo fica a sociedade, porque desde as denúncias, somente agora o CNJ tomou as providências, diga-se tardiamente.

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