Uma organização judiciária anacrônica

Frederico Vasconcelos
Sob o título “Repensando o sistema judicial brasileiro”, o artigo a seguir é de autoria de  João Ricardo dos Santos Costa, Juiz de Direito no Rio Grande do Sul e ex-presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul.

A morosidade continua sendo o maior problema da Justiça brasileira, conforme expressa o CNJ ao divulgar os números do Poder Judiciário de 2012. O precário financiamento da justiça não pode impedir que se faça criteriosa e aprofundada avaliação sobre a atuação do Poder Judiciário na solução dos conflitos, notadamente quando a dinâmica social lhe submete a uma situação limite.

Como exemplo de circunstância extrema, podemos adjetivar o conflito de massa que envolve poupadores e instituições financeiras, oriundo dos planos Bresser (1987), Verão (1989) Collor (1990) e Collor II (1991). Embora como milhões de lesados, apenas uma minoria ingressou com ações individuais, porém, suficiente para contribuir com o congestionamento processual, em um contexto que agrega outras tantas violações massificadas de direitos, compondo uma contabilidade marcada pela repetição do mesmo julgamento milhares de vezes e sem qualquer redução no custo individual do processo. Desde 1987, as decisões são favoráveis aos poupadores consolidando o que chamamos de uma posição pacífica dos tribunais. Mas, a dimensão do litígio e suas implicações sociais somente foram percebidas vinte anos após primeiro plano econômico quando, às vésperas da prescrição em relação ao Plano Bresser, milhares correram ao Judiciário para reaver os valores.


Em alguns locais do país, instituições e entidades legitimadas ingressaram com ações coletivas. Tais ações visam reparar o dano sofrido por todos, independentemente de terem ingressado com ação individual. Algumas decisões vieram em quatro meses com ordem às instituições financeiras para devolverem os valores devidos. Decisão aparentemente óbvia, diante de uma jurisprudência consolidada já no milênio passado. A justa expectativa da sociedade era, de imediato, receber os valores.


Mas não é bem assim que as coisas funcionam, e é aqui que pretendo pautar a questão. O mais resistente dos obstáculos para superarmos o excessivo tempo do processo é a vetusta forma de intervenção do Judiciário na solução dos conflitos, fruto de uma organização judiciária anacrônica e uma ideologia processual destoante da demanda por justiça, sem desconsiderar a cultura individual de solução de conflitos, que, sequer, garante os ditos direitos subjetivos.
 
O primeiro obstáculo está no fato de termos quatro instâncias na estrutura judiciária nacional: o juiz singular (1º grau), os tribunais de apelação (2º grau), o STJ (3º grau) e o STF (4º grau). Não é muito difícil levar um processo a todos os graus, basta o manejo hábil de um especialista. São tantos recursos que o princípio do duplo grau vira elemento de abolição do acesso à justiça, sem contar os recursos disponíveis em cada degrau recursal.

Recentes reformas processuais aos poucos estão removendo as amarras impostas aos operadores do direito, simplificando o processo. Um novo Código de Processo Coletivo abrirá a possibilidade de o Judiciário dimensionar o impacto social de um direito violado, libertando-se do juízo restrito do dano individual ausente de conteúdo similar aos casos de lesões coletivas.


O caso das cadernetas de poupança é emblemático para demonstrar a iniquidade do sistema. O referencial decorre da mobilização das instituições financeiras diante da iminência de terem que devolver tais valores para sociedade lesada. A Febraban, diga-se, respaldada na lei processual vigente, foi ao Supremo Tribunal Federal tentar reverter a histórica jurisprudência. Pasmem, isso é possível. O sistema aqui denunciado possibilita que tal ocorra.


Em realista explanação, podemos dizer que o direito dos poupadores, violado no século XX, antes da queda do muro de Berlim, gerou um conflito judicial que sobreviveu ao século, para não dizer o milênio, viu nascer e morrer o neoliberalismo, testemunhou a criação da internet e está resistindo, nessa primeira década do século XXI, com singular vigor, habitando durante todos esses anos os tribunais, onde se institucionalizou.


Mas mesmo com as dificuldades que cercam essa questão, temos razões de sobra para acreditar em mudanças. O empenho da magistratura brasileira na luta por reformas processuais e a mobilização de todos os segmentos da cena judiciária, na elaboração de um projeto de reforma do processo coletivo e na redução dos recursos, são iniciativas que prometem uma evolução racional do sistema e sua adequação aos conflitos no nosso tempo.

Comentários

  1. O próprio Poder Judiciário fomenta referido anacronismo, principalmente em sua organização administrativa e gestão processual.
    Contudo, as justificativas são sempre as mesmas e extremamente vagas: “muitos processos”, como se fosse possível fechar o setor de protocolo dos fóruns e tribunais.
    Pensar fora do engessado padrão institucional é o início das mudanças nesse poder…

  2. Olá! Caros Comentaristas! E, FRED! Lendo mais atentamente o texto, o que espanta é: a) No primeiro e segundo parágrafos o JUIZ reconhece que poupadores foram LESADOS pelo sistema. Entretanto, reclama de congestionamento que é fruto das reclamações, pelo que entendi; legítimas. No terceiro e quarto parágrafos nota-se o reconhecimento da solicitação coletiva, embora NÃO atendido e reclama novamente das ações individuais. Ora, a JUSTIÇA é para todos coletiva ou individualmente. E mais, não há algo que vincule decisões, uma “tal” súmula? Ou é depende apenas dos interesses? Perseguidos. No quinto parágrafo começa o discurso que pode levar a CENSURA aos brasileiros/as exercerem seu direito de LITIGAR. Uma pena caro JUIZ. As recentes reformas processuais em andamento só retiram direitos dos mais POBRES E INDEFESOS. E, ao contrário ajudam a BANDIDAGEM. Embora com carinha de honestidade legal e de celeridade. Pura BOBAGEM, parágrafo sexto. As cadernetas de poupança são: uma VERGONHA NACIONAL. Uma enganação ao POVO. O que foi violado em 1933 na Alemanha foi o DIREITO À VIDA. Existindo apenas o dever de morrer queimado ou asfixiado pelo gás alemão, decidido pelo tribunal de exceção dos NOTÁVEIS à época. De 1933 até 1945. Por fim, acredito em mudanças, porém, jamais, nessa mudança proposta e como proposta. OPINIÃO!

  3. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! O discurso da famosa “redução de recursos” infelizmente, vai nos levar à Berlim de 1933, viagem pelo tempo ou déjà vu ou ainda “JÁ VISTO” e nos levará, nós brasileiros e, brasileiras perdermos gradativamente, nossa LIBERDADE e reduções sucessivas em DEMOCRACIA, como já acontecem, em decisões recentes ou tentativas recentes desse INDECENTE MEDÍOCRE congressinho nacional. Um novo código de processo, nos termos do FUX ou do PELUSO e a democracia e liberdade vão para o BREJO! O que precisa ou pode ser feito é REDUZIR os recursos ENTRE os graus de UM a QUATRO. Alterações diferentes dessa serão na retórica positiva, porém, na REALIDADE, na realista explanação um TIRO NO PÉ, na FÉ e na AÇÃO que se seguirá e seguirá em PREJUÍZO daqueles que se SOCORREM do JUDICIÁRIO. Pergunta: Se é do conhecimento dos JUÍZES/AS, tal irregularidade para NÃO falar em ILEGALIDADE do ESTADO e dos BANCOS contra o POVO BRASILEIRO, alguém acredita que uma mudança nos recursos MUDARÁ ALGO? E, algo favorável ao POVO? Tá certo que estamos próximos do natal e papai-noel existe, talvez, quem sabe? Se depender do cnj e do congresso nacional estamos MORTOS, NÓS CIDADÃOS. Ainda existe a justiça e querem acabar com isso também. Incrível! OPINIÃO!

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