Remendo inútil numa lei discriminatória
Sob o título “O direito a um pai”, o artigo a seguir é de autoria da advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Existe o direito constitucional à identidade, um dos mais importantes atributos da personalidade.
Todo mundo precisa ser registrado para existir juridicamente, ser cidadão.
Claro que esta é uma obrigação dos pais: registrar o filho em nome dos dois.
A Lei dos Registros Públicos, que é anterior à Constituição Federal e ao Código Civil – e que até hoje não foi atualizada – está prestes a ser, mais uma vez, remendada, sem que com isso venha a atender ao maior interesse de uma criança: ter no seu registro o nome de ambos os pais.
A antiquada lei registral, atribui exclusivamente ao pai a obrigação de proceder ao registro do filho. Somente no caso de sua falta ou impedimento é que o registro pode ser levado a efeito por outra pessoa.
Agora de uma maneira para lá de singela, o PLC 16/2003, recém aprovado pelo Senado, atribui também à mãe a obrigação de proceder ao registro.
Ora, nunca houve qualquer impedimento para a mãe proceder ao registro do filho. Ela sempre assumiu tal encargo quando o pai se omite.
O tratamento, aliás, sempre foi discriminatório. Basta o homem comparecer ao cartório acompanhado de duas testemunhas, tendo em mãos a Declaração de Nascido Vivo (DNV) e a carteira da identidade da mãe, para registrar o filho como seu. Já a mãe só pode registrar o filho também no nome do pai, se apresentar a certidão de casamento e a identidade do pai.
Esta é outra discriminação injustificável. Quando os pais vivem em união estável, mesmo que reconhecida contratual ou judicialmente, nem assim a mãe pode proceder ao registro do nome do pai. Para ele inexiste esta exigência. Consegue registrar o filho sem sequer alegar que vive na companhia da mãe.
A Lei 8.560/92 e as Resoluções 12 e 16 do Conselho Nacional de Justiça, até tentaram chamar o homem à responsabilidade de registrar os seus filhos. Se a mãe indica ao oficial do registro civil quem é o genitor, é instaurado um procedimento, em que o indigitado pai é intimado judicialmente. Caso ele não compareça, negue a paternidade ou não admita submeter-se ao teste do DNA, nada acontece. Ao invés de o juiz determinar o registro do filho em seu nome, de forma para lá que desarrazoada o expediente é encaminhado ao Ministério Público para dar início à ação de investigação de paternidade. Proposta a ação, o réu precisa ser citado, nada valendo a intimação anterior, ainda que tenha sido determinada por um juiz.
Às claras que esta é o grande entrave para que os filhos tenham o direito de ter um pai. É de todo desnecessária a propositura de uma ação investigatória quando aquele que foi indicado como genitor nega a paternidade e resiste em provar que não o é. Diante da negativa, neste momento deveria o juiz determinar o registro, sem a necessidade de qualquer novo procedimento.
Na hipótese de o pai não concordar com a paternidade, ele que entre com a ação negatória, quando então será feito o exame do DNA.
O fato é que a mudança pretendida nada vai mudar. Para a mãe registrar o filho em nome de ambos, precisará contar com a concordância do genitor, pois terá que apresentar a carteira de identidade dele. Caso ele não forneça o documento, haverá a necessidade do procedimento administrativo. Ainda assim, para ocorrer o registro é indispensável que ele assuma a paternidade.
E, no caso de o indigitado pai não comparecer em juízo ou e se negar a realizar o exame do DNA, vai continuar a existir a necessidade da ação investigatória de paternidade, quando todos estes acontecimentos não dispõem de qualquer relevo.
Apesar de o Código Civil afirmar que a recusa a exame pericial supre a prova a ser produzida, não podendo quem se nega a realizá-lo aproveitar-se de sua omissão (CC arts. 231 e 232), quando se trata de assegurar o direito à identidade a alguém, tais dispositivos não valem. A recusa do réu de se submeter ao exame de DNA gera mera presunção da paternidade a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório (L 8.560/92, art. 2º-A, parágrafo único). No mesmo sentido a Súmula 301 do STJ, que atribui à negativa mera presunção juris tantum da paternidade.
Ou seja, a de alteração legislativa – anunciada como redentora – não irá reduzir o assustador número de crianças com filiação incompleta. Segundo dados do CNJ, com base no Censo Escolar de 2011, há 5,5 milhões de crianças registradas somente com o nome da mãe.
Mais uma vez perde o legislador a chance de assegurar o direito à identidade a quem só quer ter um pai para chamar de seu.
Dra. Maria Berenice, tenha dó!!!! A sra. acha que é a mesma coisa um homem registrar o filho indicando quem é a máe, e a mulher registrar o filho indicando quem é o pai???? Fala sério, minha senhora. Desde que o mundo é mundo tem mulher que náo tem idéia de quem é o pai do filho que pariu, e vai ter a prerrogativa de indicar quem é, mesmo contra a vontade dele?
Ainda bem que o sóbrio comentário, que nos traz de volta à realidade das coisas, veio de uma mulher. Para que não se possa sustentar, afinal, que a comentarista também é discriminatória.
Obrigada pelo artigo. Muito interessante e concordo que a lei com está é discriminatório com a mãe e torna o processo de reconhecimento de paternidade difícil. Me pergunto, no entanto, se a mãe pudesse registrar o pai sem necessidade de nenhum documento, deixaria figuras públicas suscetíveis. Uma mãe um pouco maluquinha poderia registrar como pai do seu bebê o seu ator de novela predileto, mesmo que nunca o tivesse visto… que teria que proceder ao teste de DNA. E se esse tipo de coisa virasse moda? Não duvidaria.
Parabéns pela sensatez de seu comentário. Não devemos nunca nos esquecer que moramos na República Federativa do Brasil, onde ganhar vantagem indevida em detrimento dos outros é paixão nacional.