Gestão no Judiciário: CNJ muda o paradigma

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Conselho Nacional de Justiça alerta para a importância de gestão eficiente no Poder Judiciário”, o artigo a seguir é de autoria de Marcos Alaor Diniz Grangeia, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. (1)

 

Criado pela Emenda Constitucional n. 45/2004, com o objetivo de aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ veio contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade em benefício da Sociedade.(2)

A Constituição  Federal, em seu artigo 103-B, inciso II, destaca que, entre outros temas, compete ao CNJ zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pela observância do art. 37 da nossa Carta Constitucional.

Uma notícia veiculada no site do CNJ tem como manchete que “Desembargadores do TJBA vão responder a processos disciplinares por má gestão em precatórios” (3) chama-se a atenção. Lendo o teor da matéria e o voto do eminente Relator, pode se ver que a abertura do processo administrativo tem como um dos elementos de estruturação a eventual má gestão administrativa, que, em tese, pode ter sido praticada pelos magistrados afastados.

Na leitura que faço do caso, não posso de forma alguma valorar os atos dos magistrados afastados, porque não conheço os autos, mas, do voto do Relator e da conclusão do julgamento, fica claro que, doravante, a gestão administrativa dos tribunais passa também a ser causa de aquilatação pelo CNJ como fator de abertura de processos administrativos.

Não me refiro aqui à desídia processual ou a atos ímprobos  praticados em processos judiciais. Refiro-me expressamente à prática de atos de má gestão administrativa como função típica de gestores do poder judiciário.

O CNJ mudou o paradigma.

O conselheiro Rubens Curado advertiu durante o julgamento: “A lição do caso é o caráter pedagógico. Inaugura-se uma nova fase. Não há direito a uma má gestão ou ineficiência [na presidência de um tribunal].”(4)

A eficiência está consagrada em nosso ordenamento jurídico (art. 37, caput, CF/88) como princípio (norma lato sensu) e adstrito à administração pública.

Na lição de Alexandre de Moraes, ex-conselheiro do CNJ, “o administrador público precisa ser eficiente, ou seja, deve ser aquele que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e imparcialidade”. (5)

E segue  Alexandre no conceito do princípio:

[…] princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possível para satisfação do bem comum.

O Conselho Nacional de Justiça, ao adotar a nova postura com a administração do Tribunal de Justiça da Bahia, demonstra que tem uma nova faceta: antes instaurava processo para apurar desvios morais e de improbidade, agora instaura processos também para apurar ineficiência dos gestores.

Trecho do voto de relatoria do Ministro Francisco Falcão proferido na Sindicância n. 0002201-38.2013.8.22.0000, evidencia um dos focos da atual do Conselho:

[…] Desorganização administrativa

A parte processual e procedimental dos precatórios também carece de organização e controle, denotando ineficiência de gestão, conforme registrado no relatório da correição, assim como no relatório final desta Sindicância.

Ainda no que se refere à Gestão de Precatórios do TJBA, cumpre registrar que a ausência de controle dos repasses constitucionais, das contas judiciais abertas em nome das entidades devedoras e indícios de quebra de ordem cronológica, escaparam ao controle dos sindicados na Presidência do Tribunal de Justiça da Bahia.

Com relação aos Precatórios de 0001973-39.2004.8.05.0000 e 0001972-54.2004.8.05.0000, concernentes a honorários advocatícios de sucumbência, há situação intrigante que atravessou a gestão dos sindicados Telma e Mário – sem os autos do processo principal, houve a formalização de dois precatórios. O que se atribui aos sindicados Telma e Mário é a total falta de controle do Núcleo Auxiliar de Conciliação de Precatórios do TJBA, que não apresentou explicação para a importância de R$ 120 milhões de reais, somados os dois requisitórios.

Os sindicados defendem a gestão laxa dizendo que os advogados (credores nos precatórios) informaram que o processo principal foi quitado pelo Município de Salvador por compensação tributária. Por isso não existiam os autos principais. Ainda que o processo principal tenha sido quitado via compensação, conforme informam os sindicados, não explicam porque e em que circunstância o Precatório principal, de natureza comum, foi pago em detrimento aos honorários advocatícios, de natureza alimentar, assim como em relação às requisições melhor posicionadas na cronologia.

Admitindo ser normal o pagamento de condenações contra a Fazenda Pública na seara administrativa, limitam-se a trazer aos autos informação prestada pelos credores de que “…não havia razão para (o processo principal) se encontrar no Núcleo de Precatório, pois foi quitado diretamente pelo Município de Salvador…”.

Ainda que fosse regular a compensação tributária alegada, tal informação deveria constar do processo principal, até para que o Tribunal pudesse aferir a ordem cronológica, constituindo-se improbidade administrativa a sua inobservância. […] – destaquei.

Toda a movimentação para melhor eficiência agora passa a ser contada também para punir os magistrados e, portanto, tal fato merece atenção dos gestores a partir de então, como especialmente destacado no dizer de Rubens Curado, ao observar que “…. Não há direito a uma má gestão ou ineficiência [na presidência de um tribunal]”.

O Código de Ética da Magistratura Nacional (6), em seu capítulo X, tratando sobre conhecimento e capacitação, fortalece o comentário de Curado, ao dispor no seu artigo 29, que  exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de Justiça.

Deve o magistrado, então, olhando também o Código de Ética da Magistratura Nacional, buscar o necessário conhecimento e a devida capacitação para atuar na administração pública, cuja obrigação também lhe coube ao assumir a vocação.

“O desembargador que desejar administrar um tribunal terá que ser formado em Administração Política e Gestão Judiciária. Esta é a prospecção do desembargador Armando Sérgio Prado de Toledo, diretor da Escola Paulista de Magistratura. Para ele, quando houver uma estrutura de especialização na esfera de Administração do Judiciário oferecida a todos, esta será um requisito para uma pessoa concorrer à presidência da corte.” (7)  Essa é a conclusão que se chega da leitura da entrevista concedida pelo ilustre magistrado paulista ao site CONJUR. Afirmação, aliás, com a qual concordo plenamente.

Na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados-ENFAM, na qualidade de seu conselheiro, tenho enfatizado a necessidade de formar bons gestores judiciais em processos, em pessoas, mas também na administração do Poder.

A ENFAM  já planeja também fornecer aos futuros gestores do Poder Judiciário cursos que os capacitem para o execício da árdua tarefa de administrar os tribunais.

A meu modo de ver, fica o alerta, portanto, aos gestores [magistrados] sobre a necessidade de uma capacitação qualificação voltada para esse novo olhar do CNJ, a fim de que, ao assumirem a função de gestores que lhes é designada, o façam com o intuito de oferecer à sociedade brasileira uma melhor prestação jurisdicional e contribuir para o fortalecimento do Poder Judiciário brasileiro.

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(1) O autor é membro do Conselho Superior da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM. Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Mestre em Poder Judiciário, pela FGV-RJ. Especialista em Direito Civil e Processo Civil, pela PUC-SP e em Poder Judiciário, pela FGV-RJ.

(2) http://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj

(3) http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/26809-desembargadores-do-tjba-vao-responder-a-processos-disciplinares-por-ma-gestao-em-precatorios

(4) http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2013/11/05/cnj-afasta-presidente-do-tj-da-bahia/

(5) MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed – São Paulo: Atlas, 2009, pág. 330.

(6) http://www.cnj.jus.br/codigo-de-etica-da-magistratura

(7)  http://www.conjur.com.br/2013-nov-10/armando-toledo-diretor-escola-paulista-magistratura

Comentários

  1. Não existe nenhuma justificativa válida para não permitir que a administração judiciária seja colocada nas mãos de profissionais preparados, como é o caso da administração da justiça nos EUA . Lá existem órgãos criados para cuidar essencialmente das técnicas de gestão, pesquisa e treinamento, sendo que os cursos de aprimoramento são, em regra, de administração judiciária. Ou seja, para os americanos, os juízes devem se limitar à sua função de julgar e não em se arvorarem como administradores. Mas as coisas ao sul do Equador são um pouco mai$ complexas. Afinal, por aqui, existem outras considerações tais como a teia de influência e vaidade que se estende a partir da administração dos tribunais. Alguém acredita que nos Estados Unidos, a administração judiciária permitiria que um “desembargador” americano utilizasse recursos do Tribunal como se fossem seus ?

    1. Por que não usamos os exemplos da Alemanha? Eles são muito melhores gestores que os americanos, senhor Antônio. Veja o modelo econômico alemão e o americano? Nos Estados Unidos, empresas privadas realizam pesquisas para o Poder Judiciário. Aqui no Brasil, o CNJ está organizando convênios e nos Tribunais há muitos servidores e juízes especialistas e mestres em Economia e gestão. No futuro eles administrarão a justiça com muito mais qualidade, é o que todos esperamos ansiosamente.
      Sobre o seu argumento econômico e a coisa pública, destaco que, no Brasil, o grande problema é que muita gente acredita que o dinheiro público não tem dono, muitas pessoas querem dar palpite na gestão pública porque almejam tirar vantagem pessoal do caos e não aprimorar o sistema. Veja os casos de corrupção envolvendo empreiteiras, empresas e licitações. Não há apenas servidores públicos envolvidos em esquemas de corrupção, há empresas privadas e muitos civis envolvidos em esquemas. Veja o caso dos honorários de sucumbência que deveriam ser devolvidos à parte vencedora e, no Brasil, os advogados públicos e os advogados privados querem se beneficiar dos valores em detrimento da parte. Muito triste, mas, por toda parte, há pessoas querendo levar vantagem ou participar da res publica. Por que o senhor acha que os gestores do Judiciário serão melhores do que os que administram o Judiciário hoje? Penso que estão criando muitas alterações, mas há muito pouca modificação. O Judiciário virou máquina de parafusos e a qualidade da prestação judiciária não está evoluindo. A população deve exigir transparência dos órgãos públicos, isso é salutar e fundamental para a democracia. Imagine que a transparência do orçamento da Justiça Federal é negado aos juízes federais, apenas os Ministros do E. STJ e os servidores do STJ têm acesso ao orçamento público. Há muitos outros casos de falta de transparência no executivo e no legislativo. Vide o site de transparência Brasil e o senhor verificará a falta de transparência por todo lado. Os Juízes e a população não têm acesso aos dados. Por quê? Eis a questão? Depois, dizem que os juízes não são bons gestores. Ora, mas a transparência lhes é negada. Lembre-se, sem transparência real, tudo o que se fala sobre gestão é perfumaria, de nada adiantará para a sociedade. E por último, a diferença entre o Brasil, os Estados Unidos e a Alemanha é que nos outros países, principalmente, na Alemanha a res publica é respeitada. Os mecanismos de controle funcionam. No Brasil, o Poder Judiciário é fiscalizado pelo Ministério Público, OAB, sociedade, corregedorias e Conselho Nacional de Justiça. Não precisamos de mais controles, necessitamos, apenas, de fiscalização eficiente. Eficiência é um dos princípios da administração pública, ele é aplicável a todos e, não, apenas, ao Poder Judiciário.

      1. Errata: …Sobre o seu argumento econômico e a coisa pública, destaco que, no Brasil, o grande problema é que muita gente acredita que o dinheiro público não tem dono, muitas pessoas querem dar palpite na gestão pública porque almejam tirar vantagem pessoal do caos e não desejam aprimorar o sistema…

  2. Questão difícil. Os cursos de direito no Brasil não tem qualquer disciplina relacionada a gestão, algo absurdo. O bacharel não sabe depois gerir o escritório, e aqueles que passam em concurso público para Magistratura e MP, o cartório e a secretaria.

    O problema é que a vaidade não permite a adoção da medida mais racional: a gestão de um Tribunal não deve estar nas mãos dos Desembargadores, simplesmente porque eles não sabem gerir.

    Deveria haver um administrador, formado na área, com poder inclusive de vetar absurdos, tais como pagamento de benefícios fora de ordem, distribuição desproporcional de servidores (com privilégio à segunda instância).

    O difícil é deixar a vaidade e a pompa de lado para adoção de critérios mais racionais.

  3. Para administração dos Tribunais, necessita-se de mais profissionais habilitados em administração, gestão e comunicação institucional e menos de julgadores.
    Fazer mais do mesmo não muda a gestão.
    Aprender com a iniciativa primava é um excelente começo.

    1. Concordo com vc, Guilherme, vamos aplicar as regras da iniciativa privada no Judiciário.
      Vamos tratar o processo como mercadoria e decidi-lo de qualquer forma, pois o que interessa são os números. Na realidade, temos que prestar atenção a um detalhe: o judiciário presta um serviço público, ele não é uma maquina feita para dar lucro para o governo ou para os advogados. Prestem atenção, cidadãos e cidadãs, os advogados públicos querem receber honorários de sucumbência. Os honorários de sucumbência são pagos pelo perdedor da causa, os advogados públicos farão qualquer coisa para que o povo perca a causa. Fiquem atentos.

      1. Gestão e administração deve ser atividade profissional e não ocasional. Regras da iniciativa privada, conforme escrito inicialmente, para a ADMINISTRAÇÃO dos Tribunais.

        1. Juiz, mestre em Economia e especialista em gestão, com experiência jurídica e em gestão pública, não é experiente o suficiente para gerir um Tribunal? Faz-me rir.

          1. É nesse ponto que reside nossa divergência (sem fazer rir, já que a prática até os dias de hoje é de chorar). As experiências são relevantes, mas a gestão é temporária.
            Enquanto não bem separar as atividades, a administração sofrerá.
            Obrigado pela participação.

  4. E, com isso, o CNJ se esquece de que oTJ de São Paulo só melhorou graças ao atual presidente Dr. Sartori, jovem e capaz, agora impedido pelo próprio órgão controlador de ser reeleito, inclusive para por fim a décadas de desmandos na Corte paulista.

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