TJ-MG: Juiz alega favorecimento em concurso

Frederico Vasconcelos

O juiz Danilo Campos, da 5ª Vara Cível de Montes Claros (MG), interpelou o desembargador Carlos Augusto Barros Levenhagen, presidente da Comissão de Concurso para cartórios –certame que se realiza no Tribunal de Justiça de Minas Gerais– por entender que sua mulher, Norma Sônia Novaes Campos, foi preterida com a mudança de critérios no concurso, o que teria favorecido outra candidata.

Levenhagen afirma que a questão foi apreciada em recurso indeferido pelo Conselho Nacional de Justiça, ao qual o juiz deverá dirigir “eventual irresignação” [ver resposta do desembargador no final do post].

Segundo Campos, sua mulher –tabeliã concursada por mais de três anos– foi aprovada em primeiro lugar em todas as etapas no concurso de remoção para os serviços notariais e de registro (provas escrita e oral). Mas foi ultrapassada na fase de julgamento de títulos, por meio de um recurso apresentado pela candidata Fabiane de Souza Rodrigues Quintão, que teve como advogado o filho do presidente do TJ-MG.

As duas pleitearam os mesmos títulos, porque são tabeliãs concursadas. “A banca, em entendimento estapafúrdio, negou a ambas os títulos, alegando que o cargo não seria privativo de bacharel em direito, mas deferiu à concorrente outro título, sequer requerido inicialmente, pelo exercício por mais de 10 anos de atividades cartoriais como não bacharel”, diz Campos.

Segundo o juiz, “privilegiou-se o rábula em detrimento do profissional concursado”. O magistrado sustenta haver comprovado que a certidão da candidata concorrente de sua mulher é falsa, porque ela sequer tem idade para possuir o tempo funcional que pleiteou reconhecimento.

Campos diz que obteve certidão da Superintendência de Pessoal dos Serviços Notariais de Registro e de Concessão Cartorial, órgão do governo do Estado, comprovando que a candidata não preenche os requisitos obrigatórios para a obtenção de dois pontos de títulos no concurso (o exercício das atribuições durante mais de 10 anos por não bacharéis em direito).

Campos revela que o histórico funcional registra que a candidata “exerceu as funções de Auxiliar de Cartório e Escrevente juramentado junto ao Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutela de Sobrália, comarca de Tarumirim, nos períodos respectivos de 11/04/1996 a 10/09/2001 e 16/12/2002 a 14/07/2003”.

Ainda segundo o magistrado, como Levenhagen acatou anteriormente “certidão da mesma origem, com conteúdo ideológico manifestamente falso, dando conta do exercício pela candidata destas funções pelo tempo de 15 anos, 11 meses e 23 dias”, ele quer que o fato seja levado ao conhecimento dos demais componentes da comissão, para revisão do resultado do concurso.

O juiz afirma, na interpelação enviada ao desembargador no último dia 13:

“Como Vossa Excelência, mesmo tendo acesso a todas estas informações, prestou informações falseadas ao CNJ, entendo como indispensável a retificação no âmbito do PCA (**) proposto pela candidata preterida Norma Sônia Novaes Campos, das informações lá prestadas por Vossa Excelência e que conduziram, mercê do acolhimento da falsidade como se verdade fosse, ao indeferimento, monocraticamente, do pleito da representante”.

O magistrado alertou “para as consequências civis, criminais e disciplinares cabíveis” caso o presidente da comissão venha a “se omitir ou retardar no atendimento dessa solicitação”.

Campos entende que “a fraude no concurso é manifesta”, e pretende denunciar o fato ao Conselho Nacional de Justiça, que, negando-se a examinar o teor da certidão anterior, indeferiu uma representação de sua mulher, pelo voto monocrático da relatora.

No último dia 28 de outubro, Campos enviou representação ao corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, com pedido de providências e avocação do caso, sob a alegação de “ilegalidade e abuso de poder” por parte do TJ-MG.

Na peça, o juiz informa haver parentesco da candidata preferida da comissão –e de seu advogado– com autoridades políticas e do Poder Judiciário, “com possível ofensa aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade”.

Consultado pelo Blog, por intermédio da assessoria de imprensa do tribunal, o desembargador Barros Levenhagen apresentou os seguintes esclarecimentos:

O requerimento apresentado por Danilo Campos, referente ao Concurso para outorga de Cartórios, Edital 02/2011, foi por mim imediatamente analisado e indeferido, forte no fato de que a questão envolvendo a certidão apresentada pela candidata Fabiana de Souza Rodrigues Quintão já havia sido, anteriormente, apreciada e indeferida pelo CNJ, no PCA nº 0005398-98.2013.2.00.0000, em 18 de outubro de 2013, às 09:43:44 hs.

Eventual irresignação deverá, portanto, ser dirigida contra a decisão do CNJ”.

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(*) Concurso Público, de provas e títulos, para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais, Edital nº 02/2011
(**) PCA nº 0005398-98-2013.2.00.0000

Comentários

  1. Em resposta ao Sr. Silvio Ferreira, que aparentemente desconhece a importância das serventias extrajudiciais, segue trecho de artigo da registradora Patrícia Ferraz, publicado na Conjur:

    “Em artigo publicado neste espaço, falamos do desafio que os cartórios aceitaram para enfrentar a burocracia estatal e oferecer mais celeridade, sem pôr em risco a segurança (Desafio dos cartórios é reduzir burocracia e oferecer celeridade, 7/8/2008). Em face das constantes tentativas de fraudes, a dificuldade está em desburocratizar sem comprometer a segurança jurídica que alguns procedimentos buscam garantir.

    O Ministério do Planejamento submeteu a consulta pública um pacote contra a burocracia para ser posteriormente encaminhado ao Congresso. Considerada um avanço pelo Conselho Nacional de Justiça, a iniciativa merece elogios de todos nós. No entanto, não podemos esquecer a recomendação de alguns membros do CNJ, em especial a do conselheiro Marcelo Nobre, de que “é necessário ter cautela na implementação das propostas, de maneira a garantir a autenticidade dos documentos”.

    Se quisermos desatar os nós da burocracia — como propõe o louvável programa de governo do estado de São Paulo — primeiro temos de entender o grande nó da desburocratização: distinguir as rotinas administrativas que garantem eficiência, agilidade, comodidade e segurança jurídica daquelas que resultam em emperramento dos processos e morosidade.

    A sociedade não quer apenas a desburocratização, mas exige também segurança em relação à legitimidade dos documentos, como alerta o conselheiro Marcelo Nobre, razão por que é fundamental que se encontre o ponto de equilíbrio entre os dois pesos dessa balança.

    O pacote do governo federal visa simplificar o atendimento ao cidadão e melhorar o desempenho do serviço público. Uma das medidas dispensa o reconhecimento de firma em qualquer documento produzido no Brasil, desde que assinado na frente do servidor público. Não obstante a meta seja das mais meritórias, será alcançada por medidas como essa?

    Como será que o reconhecimento de firma chegou aos dias de hoje apesar de ser o ícone preferencial das campanhas para acabar com a burocracia? Alguns atribuem sua sobrevida à “cultura burocrática do brasileiro”, que por esse raciocínio deve adorar perder tempo com todo tipo de trâmites complicados, onerosos e desnecessários. Outros falam em resistência dos cartórios. Na verdade, os tabelionatos de notas apenas fazem o reconhecimento de firma solicitado por vários órgãos públicos, empresas, bancos e escolas.

    Sem conhecer muito bem para que servem os procedimentos que vamos eliminar, corremos o risco de expor a segurança jurídica negocial e multiplicar exponencialmente os efeitos perversos que pretendíamos extirpar. Por exemplo, o ato de reconhecimento de firma não foi simplesmente “dispensado e ponto final”. Ele foi transferido para o servidor público — o que comprova sua necessidade — e o cidadão terá de comparecer pessoalmente no órgão governamental em questão para ser devidamente identificado. No caso de São Paulo, supõe-se que em vez de se reconhecer firma no cartório mais próximo, será muito mais vantajoso ir pessoalmente à prefeitura, Detran, secretarias estaduais, etc. Se o cidadão, por óbvia opção de conforto, preferir usar um dentre as centenas de cartórios disponíveis na cidade, ele engrossará, irremediavelmente, a estatística dos dinossauros fincados na cultura burocrática do país.

    É difícil acreditar que dita cultura burocrática resista a facilidades de fato postas ao alcance do cidadão. Só para se ter uma idéia, somente no primeiro ano de edição da Lei 11.441/07, que possibilita a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual em cartório — com grau de burocracia próximo do zero, diga-se —, foram contabilizados mais de 54 mil desses atos realizados nos tabelionatos paulistas. Estranhamente, nesse caso não prevaleceu a cultura burocrática brasileira de realizar todos esses atos no Judiciário.

    Burocracia versus segurança

    Não é por acaso que a profissão de tabelião de notas e o ato de reconhecimento pessoal das pessoas que assinam documentos existem praticamente em todos os países, até na China. Aliás, o Brasil adotou o reconhecimento de firmas porque, diferentemente da maioria dos países, aceita como válidos documentos particulares. Na Espanha, por exemplo, nenhum documento particular tem acesso ao Registro de Imóveis, mas tão somente aqueles formalizados em escrituras públicas, de modo que o notário sempre verifica a identidade daqueles que assinam os instrumentos que lavram, garantindo a autenticidade e a segurança dos negócios. Se assim não é, ou seja, se não se impõe a obrigatoriedade da adoção da escritura pública, o reconhecimento de firma assume a posição de facilitador dos negócios e garantidor da autenticidade e segurança dos contratos.

    É claro que todos nós gostaríamos de viver num mundo perfeito, em que não houvesse necessidade de reconhecimento de firma, autenticação de documentos, registros, chave, alarme ou cadeado. Se de repente nosso mundo se transformasse nesse ideal não seria preciso uma medida do governo para acabar com o reconhecimento de firma. Simplesmente ele deixaria de ser solicitado por empresas, bancos, credores em geral e até pelos próprios órgãos públicos, que, a partir de agora e na falta do reconhecimento de firma em cartório, terão de identificar as pessoas.

    As fraudes em documentos de toda a natureza — contratos de venda e compra, fiança, para constituição de empresas, etc. — são mais comuns do que se pensa. Por que será que os bancos pedem reconhecimento de firma nos contratos particulares de compra e venda de imóveis e nos documentos de transferência de veículos automotores? E por que as imobiliárias insistem em solicitar firma reconhecida nos contratos de locação? Porque são muitos os casos em que a pessoa pede para um terceiro assinar ou falsifica a própria assinatura para mais tarde poder alegar que não assinou o documento. O que faz o locador para se precaver contra um fiador “laranja”? Será que esses credores solicitam reconhecimento de firma e autenticação de documentos àqueles para quem emprestam, ou com quem negociam, apenas porque se apegaram a uma burocracia desnecessária?

    Na verdade, mediante procedimentos como o reconhecimento de firma, os cartórios previnem inúmeros litígios que acabariam na Justiça, como as fraudes negociais formalizadas através de contratos celebrados sem medidas de segurança. É notável o número de empresas constituídas irregularmente, sem que os supostos “sócios” saibam que seus nomes constam em tais documentos. E é simples imaginar os gastos para os particulares lesados e para o poder público, com ações judiciais que visem à reparação dos danos civis, penais e trabalhistas originados a partir da falta de adoção de medidas preventivas de fraudes.

    Em futuro não muito distante, reconhecer assinaturas de próprio punho — em cartório ou na presença de um servidor público — parecerá um ato jurássico, mas não por vontade do governo ou de quem quer que seja. É que a disseminação do certificado digital poderá substituir a caneta na efetivação de negócios à distância para obter ganhos efetivos em rapidez e segurança. Os cartórios estão preparados para as novas funções que vêm por aí e muitos já trabalham com assinatura digital, agregando à segurança proporcionada pela tecnologia, a fé pública do notário, ou tabelião, e do registrador. Esse sim será um grande e verdadeiro salto em eficiência, agilidade e segurança jurídica para o cumprimento da inevitável burocracia existente em todas as sociedades organizadas e modernas do mundo.”

  2. Dr. Danilo Campos, prossiga na luta. Sugiro que o Sr. se dirija também à Andecc – Associação Nacional de Defesa de Concurso de Cartório, entidade respeitada no âmbito do CNJ e do próprio STF, tendo sido já elogiada formalmente por ministros da Suprema Corte. O caso merece repulsa plena. A decisão monocrática do CNJ, excluindo dos títulos pontos relativos ao exercício da atividade delegada notarial e registral e amparando o de pessoas sem formação jurídica merece ser DENUNCIADA em diversos foros competentes! Ora, os Tabeliães e Oficiais de Registro são operadores do Direito (art. 3º da Lei Federal 8.935/1994) Precisamos defender com força total a atividade notarial e registral dos ataques vis internos e externos, como os desferidos hoje por meio de entrevista na Folha de S. Paulo por representante da MRV Engenharia (neste caso deveria ele ter atacado o Congresso Nacional, que é quem legisla e não as serventias extrajudiciais, que apenas cumprem as leis)

  3. Parece exceção esse episódio, mas infelismente não é, casos semelhantes ocorrem por todo o Brasil, não sendo exclusivo do nosso nobre Judiciário! Imaginem o que ocorria antes da Constituição, e mesmo depois dela, onde foram efetivados vários “servidores”?! Se investigassem até mesmo muitos Juizes não estariam onde estão hoje!

  4. Não gostaria de fazer juízo de valor, pois, não conheço os fatos, mas a denúncia é de cunho GRAVISSIMO e merece uma atenção especial do CBJ, ou mesmo do próprio Corregedor Nacional de Justiça. Na hora que li isso aqui, me veio da mente o concurso de Juiz de 2009 realizado pelo TJMG e protegido pelo CNJ sob a batuta de César Peluso, que graças a Deus se foi, tarde.

    1. Caro Marcelo Fortes, estou a disposição para prestar quaisquer outras informações complementares, embora a fraude me pareça evidente, pq a Resolução 81 do CNJ, que regulamenta os concursos para cartórios, foi ditada no “interesse público de que o entendimento amplamente predominante seja aplicável de maneira uniforme para todas as questões envolvendo a mesma matéria, entretanto a comissão fundou um precedente absolutamente isolado e gerador de profunda insegurança jurídica, interpretando de forma casuística e particular uma situação sobre a qual não havia qualquer tipo de controvérsia, porque todos os tribunais do país, inclusive o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, já haviam aplicado o entendimento de que os notários e registradores bacharéis em Direito, que exercem delegações por pelo menos três anos, fazem jus ao título previsto item 7, inciso I, da Resolução n. 81 do CNJ. Também, pelo edital, a forma de comprovação do tempo de cartório deveria se dar pela apresentação da carteira de trabalho e livro de registro de empregado, mas para nada disto atentou a banca. A coisa está realmente fedendo.

        1. Caro Antônio, eu presto todas as informações necessárias, mas acho que quem deveria prestá-las é o des. Levenhagen e a relatora, Gisela Gondin, do CNJ, que com base em informações falsas do TJMG indeferiu monocraticamente a nossa representação e reluta em submeter nosso recurso ao plenário. Mas a questão é simplória, conferiu-se ponto por título a uma escrevente de cartório, negando-se o mesmo título a uma tabeliã bacharel, alegando-se que o tabelionato não é cargo privativo de bacharel em direito. Se for assim, ministro do Supremo tb não pontuaria, afinal a Constituição não exige diploma de direito para candidatos ao STF. Mas repare bem quem advogou a causa da candidata, o filho do presidente do TJMG que prestou as informações falsas ao CNJ. É preciso dizer mais alguma coisa?

          1. Suas informações, aliadas à sua conhecida luta pela justiça, fazem-me acreditar que a caixa preta do TJMG se mostra difícil de ser aberta. Privilégios, privilégios e privilégios… para os amigos do rei.

          2. Prezado Dr. Danilo,

            obrigado pelas informações. De fato, o Senhor é um homem de bem, e de muito valor moral. Um Juiz que buscar incessantemente fazer justiça, e luta contra a caixa preta do TJMG há muitos anos, ratifico que suas denúncias são graves, e por isso o CNJ e o Corregedor nacional de Justiça têm que tomar as providencias necessárias urgentemente, para o bem da justiça, e dos jurisdicionados do TJMG, bem como ao povo mineiro que paga isso tudo, estamos cansados dessas atitudes obscuras por parte do TJMG. Chega néh.

  5. Notícias como essas desestimulam e entristecem a todos que como eu estudam para concursos públicos.
    Anos de preparação e estudo são jogados no lixo por bancas completamente parciais e despreparadas e concursos direcionados a aprovar parentes de poderosos.
    Tantos entram com a ilusão de que o esforço e o mérito serão os critérios basilares de definição dos aprovados quando na verdade quem se prepara e estuda só disputa as vagas que sobram.
    Lamentável mas em nada me surpreende.

    1. Não sou ‘concurseiro’ (e detesto essa alcunha), mas concordo com você em gênero, número e grau. Vejo tanta gente se esforçando tanto pra me deparar com um absurdo desses… De chorar.

  6. Parabéns ao magistrado por denunciar mais uma fraude em concursos do TJMG. Sómente expondo as mazelas, pode-se enxergar alguma luz no fim do túnel no que tange à moralização dos costumes naquela corte que, diga-se de passagem, foi uma das mais refratárias à ação do CNJ, o que levou o CNJ em diversas ocasiões a apontar a resistência no cumprimento de suas determinações (vide o caso já relatado do uso particular de veículo daquele tribunal. O concurso é a forma mais republicana de oferecer acesso à carreira, mas alguns, ainda assim, se recusam a reconhecer que os princípios republicanos devem se impor sobre o apadrinhamento. Senta a pua magistrado !

  7. Juiz pensa que é deus, desembargador tem certeza que é. A aristocracia do judiciário brasileiro está se tornando quase monárquica, a parentalha toda faz parte do pior dos três poderes. E não se consegue abrir a caixa preta. Brigam entre si pelo botim. Não posso afirmar, mas talvez este seja o poder que tenha a pior relação custo x benefício. Em tempo: Todos os três poderes tem índices baixíssimos de produtividade. Custam caríssimo e produzem muito pouco. E mais, cartórios são uma excrecência da maneira que existem.

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