Caos penitenciário e direito de leniência

Frederico Vasconcelos

– Ação que obrigaria União a repassar recursos do Funpen é julgada improcedente.

– União libera dinheiro para presídios e depois contingencia, afirma Gilmar Mendes.

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS), tomada em dezembro último, colocou uma pedra em cima de iniciativa do Ministério Público Federal contra o “direito de leniência e inapetência” do Executivo diante do caos no sistema penitenciário do país, situação evidenciada pelas imagens do presídio de Pedrinhas, no Maranhão.

A ideia de “leniência e inapetência” do Executivo no caso –ou seja, a omissão do Estado– foi mencionada entre Procuradores da República.

Por unanimidade, a Terceira Turma do TRF-3 rejeitou apelação do MPF em ação civil pública contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação da União ao repasse de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) mantidos no Tesouro Nacional e decretou a extinção do processo. O relator é o desembargador Nery Junior. A ação é de 2001 (*).

O TRF-3 entendeu que a Lei Complementar nº 79/94 não fixou nenhum prazo para o Tesouro Nacional repassar os recursos ao Funpen. E que a lei orçamentária é meramente autorizadora da despesa prevista, e não obriga o Poder Executivo a realizá-la.

Na ação civil pública, o MPF argumenta que, no período de 1994 a 1998, o Ministério da Fazenda somente repassou cerca de 69,60% dos recursos que arrecadou. E que a União retirou indevidamente do Funpen, até 1998, recursos da ordem de R$ 112,8 milhões.

O MPF requereu que a União fosse condenada a repassar ao Funpen, num prazo de 30 dias, todas as importâncias arrecadadas, e o saldo –atualizado monetariamente– dos recursos que reteve, antes da propositura da ACP.

Pediu, ainda, ressarcir o dano moral coletivo, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, em montante a ser fixado pelo Juízo, sugerindo que não fosse inferior à perda financeira sofrida pelo Funpen (calculada em R$ 140 milhões).

A União alegou que o repasse ao Funpen dos valores questionados “agravaria outros setores”, e que a ação civil pública não é o procedimento adequado para se questionar eventual descumprimento legal.

Argumentou ainda que não cabe ao Poder Judiciário estabelecer sistemáticas e prazos, não previstos em lei, para a Administração Pública exercitar sua função executiva. Alegou, finalmente, que a ação perdeu o objeto, “em razão da regularidade das ações praticadas pelo Departamento Penitenciário Nacional”.

Em seu voto, o desembargador Nery Junior registrou: “A intervenção judicial somente é possível para garantir a eficácia plena dos direitos fundamentais quando ausentes as políticas públicas. No entanto, se tais ações forem deficitárias ou insuficientes não pode o Poder Judiciário se imiscuir em tais questões, pois cabe ao Executivo decidir em quais setores da sociedade serão aplicados os recursos públicos”.

Para o relator, “os recursos públicos destinados ao Funpen, embora mantidos no Tesouro Nacional, por força de lei estão vinculados ao próprio fundo, não podendo o Executivo realizar gastos em outras finalidades que não sejam as previstas na Lei Complementar 79/94, porém, possui liberdade de escolher quando e em quais projetos realizará estes gastos, pois tais aspectos constituem matéria discricionária, e ainda em face do cartáter meramente autorizativo da lei orçamentária”.

Em entrevista aos repórteres Carolina Brígido e Francisco Leali de “O Globo“, publicada no último sábado (11/1), o ministro Gilmar Mendes, do STF, ao responder se falta dinheiro para o sistema carcerário, afirmou que a União faz um jogo “um pouco farisaico” na questão da construção de presídios: “Libera os recursos e depois contingencia”.

Gilmar Mendes diz que, em sua gestão na presidência do CNJ e do STF, o ministro Paulo Bernardo, então na Pasta do Planejamento, liberou R$ 400 milhões, que criaria 70 mil vagas. “Em seguida, veio uma crise e esse recurso foi contingenciado”, diz.

“Fala-se que no Funpen (Fundo Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça) existiria algo em torno de R$ 2 bilhões, que estariam sendo contingenciados”, afirma Mendes.

Em sua gestão no CNJ, o ministro estimulou os “mutirões carcerários”, iniciativa que desvendou a violação dos direitos humanos nos presídios no país.

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Apelação Cível nº 0007578-91.2001.4.03.6100/SP

 

Comentários

  1. Bem, se não há lei fixando o prazo, a solução mais natural seria fazer a lei fixando o prazo. Mas como se poderá chegar a essa conclusão se a ação discutindo a matéria tramita há longos 13 anos? Volto a dizer: a maior mazela deste País é a inércia do Poder Judiciário e o longo tempo de tramitação dos procesos.

    1. Dr. Marcos, O senhor sabe que cada caso é um caso. Os processos são morosos pelos mais variados motivos: demora na realização de perícia, prazos em dobro e em quádruplo para a Fazenda Pública, greve dos correios, judiciário, burocracia processual, sucateamento da primeira instância, excesso de demanda, falta de investimento, etc.
      Não é possível estabelecer prazo para a concretização do processo, mas o Ministério Púbico é o fiscal da lei e a Constituição determina que os processos devem tramitar em prazo razoável.
      Os advogados também devem zelar pelo aprimoramento do Judiciário. Eles devem exigir que o processo tenha andamento em prazo razoável.
      Os advogados e os promotores devem denunciar ao Conselho Nacional de Justiça o sucateamento da Justiça de primeiro grau. Todos se calam por isso o caos. No entanto, existem exceções e o senhor está de parabéns pela sua atuação.
      O senhor sabe que o sistema judiciário é composto por todos os operadores de direito e não apenas pelos juízes. O sistema representa o todo: Juízes, promotores e advogados, por isso a relação jurídico processual é chamada de “actum trium personarum”.
      Assim sendo, atacar o Poder Judiciário e ser um dos atores da relação processual simboliza a assunção da própria incapacidade, infelizmente, o sistema é responsabilidade de todos. Todos têm a sua cota de responsabilidade e a única forma de solucionar a questão é a união de todos em benefício da sociedade. att.

      1. Volto a dizer que o problema do atraso no andamento dos processos é plenamente contornável. O Brasil tem hoje quase 100 milhões de ações e uma extrema litigância, mas apenas 17 mil juízes. Não dá! Nunca se vai dar conta do número de ações, ainda que diversas outras medias sejam implementadas. Basta que se multiplique o número de juízes por 3 para que finalmente vejamos uma luz no fim do túnel, e para isso não é necessário grandes investimentos. Veja-se que hospitais funcionam 24 horas por dia, mas fóruns não. Aumentando o número de juízes nós poderíamos perfeitamente instituir 3 turnos de trabalho em cada vara (no lugar de apenas 1 juiz haveria 3), de modo a que o funcionamento se dê das 6 da manhã às 10 da noite. Sempre haveria um juiz decidindo em todo esse horário, e o serviço fluiria sem ser necessário aumentar as estruturas ou o número de servidores, lembrando que hoje as secretarias e cartórios estão desfalcados devido aos servidores direcionados aos gabinetes, para auxiliar os juízes. Custo: 10 bilhões anuais, quase nada perto do gasto total de pessoal.

        1. Olá! Caros Comentaristas! E, Fred! Olá! Marcos Alves Pintar., como vai você vai BEM em sua análise, entretanto, afora o já dito precisa de investimentos em Teleprocessamento Pesado, em Redes Computacionais Relacionais Integradas, máquinas e equipamentos robustos, atualizados, reengenharia e logística em procedimentos e fluxo de documentos mais pessoal qualificado e softwares compatíveis inteligentes. A questão é: Quantos Estados da Federação podem fazer isso, já? Os Políticos deixarão acontecer? Interessa ao Executivo essa agilidade? Se resolver com velocidade acelerada os casos de interesse ESTATAL contra pessoas e empresas, sendo favorável às pessoas e às empresas vão deixar acontecer? Os Bancos vão deixar isso acontecer? São questões para além, desejo sincero dos que convivem com o sistema JUDICIÁRIO no BRASIL. Dá para fazer dá! Deixarão fazer? Eis a questão! OPINIÃO!

  2. Senhor Jadir, O Ministério Público entra com ações e se queda inerte, por isso, os processos prescrevem e a morosidade ocorre. O Ministério Publico não tem compromisso com a fiscalização da lei, infelizmente. Veja o caso da saúde e os casos de corrupção no SUS. O número de crianças com problemas mentais é altíssimo e decorre da demora do parto nos hospitais públicos, todos sabem disso, mas nada é realizado. Por que o MP queda-se inerte nesses casos?

    1. Senhor Miguel.
      Depois do ajuizamento da ação as medidas impulsionadoras do procedimento estão sob a responsabilidade jurisdicional. É sabido que as secretarias e serventias, etc, estão com excesso de serviços que objetivam a rápida solução dos pedidos. Sem melhores condições de trabalho nas serventias judiciais, realmente a tendência é a demora, que, porém, não devem ser debitadas, somente aos servidores públicos e juízes. Todos temos responsabilidades. De outro lado, as ações de defesa da saúde e contra a corrupção são desenvolvidas pelas milhares de promotorias brasileiras, diariamente. É só calcular o número de ações judiciais e inquéritos civis e penais instaurados. Agora, a responsabilidade maior pela concessão dos serviços públicos relativos à saúde, inclusive das crianças e adolescentes, é do Estado (Município, Estados e União). Assim, as críticas devem ser dirigidas aos governantes federais, estaduais e municipais. Agora, em relação ao abandono das crianças por parte do Estado, concordo com suas críticas e reforçei-as no meu livro “A efetividade dos direitos da criança e do adolescente”, ed. Pillares, SP. Ah, não se preocupe, quando passei no concurso do MP me avisaram, há mais de 20 anos, com Calamandrei. Se exagerar será acusado de abuso de autoridade. Caso não atue será considerado omisso. É o nosso paradoxo psicológico diário. Tomara que suas críticas não desestimulem os bons e favoreçam os maus.

      1. Senhor Jadir, o Poder Judiciário é o mais frágil dos poderes da República, sua autonomia depende do esforço dos Poderes: Executivo, Legislativo e do próprio Poder Judiciário. Enfraquecer o Poder Judiciário perante a população apenas nos diminui como Nação. O Ministério Público e o Judiciário devem agir e se fortalecer. Dependemos uns dos outros. Os bons operadores do Direito precisam agir de forma definitiva. att.

  3. A realidade e outra, num pais que não leva a serio a saude publica ou a educação. Principalmente a saude, que todo mundo corre o risco de cair em hospital publico, imagina que vai lembrar de preso.
    Agora se as cadeias estão pessimas, o pessoal comete crimes, imagine se fosse excelente então.

  4. Dra. Ana Lucia, Por que o Ministério Público quedou-se inerte nestes 12 anos? O Ministério Público recorrerá, não?

    1. Caro Miguel. A matéria é de clareza ímpar. Afirmar que o MP quedou-se inerte significa não ter assimilado o teor do informativo. O MP requereu o pagamento por danos morais coletivos e a obrigação de fazer. Não conseguiu êxito, na segunda instância. Restará o recurso, certamente aviado. Agora afirmar a inércia do MP é desconhecer a sistemática legislativa processual em vigor. Certamente, o sr. Miguel esqueceu-se de criticar que os juízes do TRF adotaram uma tese antiga, porém com renomados e tradicionais adeptos: atos discricionários não são sindicáveis jurisdicionalmente. Assim, vejo que o MP é omisso até quando ajuíza ações. Já não consigo entender mais nada nas redes sociais! O MP foi ao Judiciário, o último guardião da democracia. Não logrou êxito. Somente resta o Papa, mas a petição inicial será indeferida dada a falta de “competência papal”. Por favor, da próxima vez lembre de que o Judiciário federal adotou tese anacrônica e surrada e o executivo estadual também não cumpriu seu dever. Simples, assim.

      1. Senhor Jadir, Ninguém aguenta mais a tática do MP de jogar o problema para o judiciário e, depois, o MP prolatar aos quatro cantos que o problema é do Judiciário.

    2. O juiz não julga e inerte é o MP?

      Quando no exercício da função buscava fazer o relator pautar o processo, no mais das vezes o que ouvia era que a ação era complexa, ou se epsrava ter outra igual para fazer uma decisão que atendesse a mais feitos, vez que não se podia deixar servidores ocupados com um só processo.

      O CNJ, por outro lado, também não é toda essa brastemp que alardeiam.

  5. Essa administração do PT vai acabar com o país, já acabou com a economia, agora está destruindo as instituições e o auto estima do povo brasileiro. So quero é ver, se o pessoal sustentado pelo bolsa família, que por sinal aumenta todo dia, vai conseguir alavancar com o Brasil. Com a classe média destruída, sem economia, fomento da violência, leis porcas, políticos sujos, autoridades corruptas, sinceramente tem dias que dá vontade de entrar num buraco e sumir. 12 anos é muito para mim.

    1. Fred, so para complementar. Essas decisões judiciais com relaçaõ a esse caso, das penitenciárias, me trouxe à tona, a lembrança sobre a questão dos precatórios, os tribunais foram dando corda e passando a mão nas cabeças dos administradores, e deu no que deu, ainda, bem, que tardiamente, o STF corrigiu, eu mesmo tomei muito prejuízo financeiros no passado com muitas decisões judiciais, com referencia a precatórios. Já com referencia as penitenciárias à sociedade tá toda ferrada.

  6. Esse raciocínio enviesado, torto, é típico da justiça brasileira. Desonera o Executivo dos investimentos que, por lei, estaria obrigado a realizar no sistema carcerário. E, depois, faz o máximo para não encarcerar ninguém, deixando livres criminosos perigosos e do colarinho-branco, sob o argumento de que o sistema penitenciário brasileiro é uma “universidade do crime”, uma “masmorra” etc. Tenha santa paciência!

  7. 12 anos para julgar uma ação civil pública na qual se buscaca a aplicação de recursos do FUNPEN em presídios. O que acontece nos presídios hoje é resultado da falta de execução de políticas públicas para as quais até haveria recursos. Nada acontece no Poder Executivo e o Poder Judiciário diz que também ele nada tem a ver com isso.
    E depois reclamam que são mal compreendidos e mal avaliados…

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