Para juiz, federalizar crimes é falácia
Sob o título “Federalização de crimes, mais uma falácia“, o artigo a seguir é de autoria de Antonio Sbano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais.
Vivemos em um País interessante: a cada evento causador de clamor público, busca-se solucionar o problema com uma nova lei ou com alguma providência inútil, apenas para calar a opinião pública, sem vontade política de enfrentar a realidade.
Diante das graves acusações ao Prefeito de Coari (AM), a Ministra de Direitos Humanos clama pela federalização dos processos; com o ataque brutal e terrorista contra o cinegrafista da Rede Band, entidades defendem a necessidade de federalizar os crimes perpetrados contra os profissionais de imprensa.
A magistratura estadual brasileira repudia tais iniciativas e faz por não aceitar a pecha de que é ineficiente.
A magistratura é uma instituição nacional, com carreira disciplinada na Constituição e em Lei Complementar Federal, apenas dividida em segmentos para melhor ser administrada. Todos os juízes são selecionados através de rigoroso concurso público, não se podendo dizer que os federais são melhores, ou piores, que os estaduais, todos possuem a mesma formação e os mesmos ideais.
No caso de Coari, é certo que existem pressões contra os magistrados, e elas existirão seja qual for sua investidura; se alguns desembargadores se declaram impedidos, outros não o são e o STF já assentou que somente se deve deslocar competência quando todos estejam impedidos. Se existe lentidão, apurem-se as causas e se as solucione; se, comprovada prevaricação ou outro ato para beneficiar o réu, puna-se com rigor os faltosos. O Conselho Nacional de Justiça em boa hora irá acompanhar os processos e, com certeza, primará para sejam julgados sem paixões ou interferência de qualquer natureza.
No tocante aos incidentes do Rio de Janeiro e outros similares, não se pode acusar o Poder Judiciário de negligente. Nosso sistema processual é complexo e o juiz é o último a atuar na cadeia de providências legais.
Cometido o crime, a investigação é atribuição da Polícia Civil, órgão do Poder Executivo, assim como a Polícia Técnica. Ambas sofrem com deficiências de toda ordem, inclusive desviada de suas funções para custodiar presos que deveriam estar no sistema penitenciário, igualmente gerido pelo mesmo Poder executivo; esbarram, como os demais atores do processo, na legislação anacrônica, ultrapassa e que permite uma série de manobras legais para que o processo nunca chegue ao final (e legislar e função do Poder Legislativo).
Depois, o inquérito é submetido ao crivo do Ministério Público (órgão do Poder Executivo) a quem compete requisitar novas diligências ou oferecer denúncia – e de idas e vindas à Delegacia, os inquéritos se arrastam pela eternidade.
Somente após o Ministério Público entender que existem indícios de autoria e materialidade é que irá oferecer a denúncia (não raro, após alguns anos dos fatos), iniciando-se a ação penal, agora sob a responsabilidade de um juiz.
Faltam juízes, muitos acumulam duas ou mais Varas e, até, comarcas distantes entre si. A falta de pessoal é crônica em todos os segmentos do Poder Judiciário, além da falta de recursos tecnológicos. A isto, se some as manobras jurídicas dos advogados, tais como indicar testemunhas residentes em outros Estados e que jamais são encontradas, apenas para retardar a tramitação processual. O Instituto Nacional de Identificação nunca saiu do papel e as pessoas se tornam foragidas apenas mudando de endereço.
Federalizar é mais uma medida midiática, quebrando o pacto federativo e servirá, apenas, para mudar o endereço do processo, empurrando-se as verdadeiras causas da morosidade para baixo do tapete.
As autoridades constituídas, impulsionadas por pressões do Banco Mundial e outros organismos externos, pautadas apenas em estatísticas geradas em gabinetes e divorciados da realidade brasileira, precisam entender que denegrindo a imagem dos Poderes da República não estão colaborando para um Brasil melhor, mas sim colaborando para a destruição da novél democracia de nossa Pátria na medida em que abalam a credibilidade do povo brasileiro em suas Instituições.
A Anamages repudia os atos de barbárie, defende a liberdade de informação e luta pela realização plena da Justiça, ideal filosófico capaz de garantir a paz social.