Atentado do Riocentro e Justiça Militar

Frederico Vasconcelos

Riocentro

MPF requer à Justiça Federal documentos negados pelo Exército ao Procurador-Geral da República.

A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra seis agentes da ditadura acusados de participação no atentado do Riocentro, em 1981, ocorre no momento em que o Conselho Nacional de Justiça promove o debate sobre as atribuições e perspectivas da Justiça Militar. Esta é a terceira investigação do caso. Em 33 anos, ninguém foi preso ou condenado.

Uma comissão, coordenada pela conselheira Luíza Cristina Fonseca Frischeisen, procuradora regional da República, foi encarregada de fazer um diagnóstico do Sistema de Justiça Criminal Militar, e, segundo informou o CNJ, “se for o caso, propor transformações, aperfeiçoamentos e até mesmo a extinção dos tribunais militares brasileiros”.

Na manifestação da Procuradoria da República no Rio de Janeiro a propósito da reabertura das investigações do Riocentro –diante de novos documentos e novas testemunhas–, o MPF sustenta que a competência para processar e julgar o caso “não pertence à Justiça Militar porque os delitos imputados aos denunciados não estão arrolados entre os crimes militares indicados no Código Penal Militar”.

O atentado tramado pela linha-dura para causar pânico em um show que reuniu cerca de 20 mil pessoas no Rio é considerado crime contra a humanidade, imprescritível. A intenção era culpar grupos de esquerda pelo tumulto e pressionar o regime a abortar a abertura política.

Diante da recusa sistemática do Exército Brasileiro em encaminhar as folhas de alterações dos militares investigados, e não atendimento de requisições encaminhadas pelo Procurador-Geral da República para a remessa integral dos autos dos IPMs e processos relativos ao Riocentro (1981 e 1999), o MPF requereu à Justiça Federal:

a) que seja requisitado ao Superior Tribunal Militar a remessa integral de todas as representações e processos envolvendo o caso Riocentro:

b) que seja requisitado pelo juízo ao Exército Brasileiro que encaminhe as folhas de alterações dos denunciados e das testemunhas arroladas no prazo máximo de 10 dias, sob pena de ser expedido mandado de busca e apreensão.

A manifestação que acompanha a denúncia é assinada pelos procuradores da República Antonio do Passo Cabral, Sergio Gardenghi Suiama, Ana Cláudia de Sales Alencar e Tatiana Pollo Flores. Também assinam a denúncia os procuradores Marlon Alberto Weichert e Andrey Borges de Mendonça.

Os generais reformados Nilton Cerqueira e Newton Cruz, o coronel reformado Wilson Machado e o ex-delegado Cláudio Guerra foram denunciados por suspeita de tentativa de homicídio, associação criminosa armada e transporte de explosivo. Também foram denunciados o general reformado Edson de Sá Rocha e o major reformado Divany Carvalho Barros.

Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do SNI (Serviço Nacional de Informações), já havia sido denunciado por falso testemunho, tendo obtido habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para trancar a ação penal.

Segundo o MPF, “nenhum dos denunciados é, no presente, militar em situação de atividade, os crimes que lhes são imputados não foram praticados em serviço, não atentaram contra o patrimônio ou contra ordem administrativa militar, as vítimas não são militares nem funcionários da Justiça ou de Ministério militar”.

“A competência da Justiça Federal comum é indiscutível para julgar a causa porque a conduta criminosa foi cometida por agentes que eram servidores à época do início da execução (do Exército – Doi – e do CNI), em concurso criminoso com integrantes das forças policiais dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo que também atuavam sob ordens federais”, afirmam os procuradores.

Entre os novos documentos obtidos, o MPF cita os recolhidos pela família do então comandante do DOI no Rio de Janeiro, Coronel Julio Miguel Molinas Dias, vulgo “Dr. Fernando”, assassinado em Porto Alegre no fim de 2012.

A agenda de Molinas “relatava, hora a hora, minuto a minuto, as informações que recebia a respeito do caso do Riocentro”. A agenda permitiu identificar várias pessoas que não tinham aparecido nas investigações anteriores. Essas testemunhas relataram nunca terem falado o que sabiam por medo.

Em depoimento, Sueli José do Rosário, viúva do sargento Rosário –que morreu no local, no veículo Puma, com a explosão de uma bomba no seu colo [foto]–, relatou pela primeira vez queima de documentos, supressão de páginas e ameaça à sua integridade física e de seus filhos.

O MPF pede que os denunciados sejam condenados a penas de ao menos 36 anos de prisão.