Anamages propõe limites para o CNJ
Sob o título “Desmantelamento do Poder Judiciário”, o artigo a seguir é de autoria do Juiz de Direito Antonio Sbano, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais.
Quando da Assembléia Nacional Constituinte, houve tentativa de criação do Conselho Nacional da Magistratura, nele se incluindo diversas carreiras jurídicas, como se todas integrassem o Poder Judiciário, ignorando-se a tripartição de Poderes. A oposição lúcida e tenaz do então Deputado Siqueira Campos, hoje Governador do Tocantins, não permitiu a criação do órgão por ele denominado de “monstro”.
Os anos passaram e no governo Lula, após discursos seus vociferando que precisava acabar com a “caixa preta do Judiciário” e com a habilidade da compra de votos (fato denunciado no curso da AP 470), logrou implantar uma série de reformas, dentre elas algumas destinadas não àa melhoria dos serviços judiciários, mas sim para calar a voz da Justiça:
– submissão dos magistrados ao regime único da Previdência, obrigados a recolher sobre o total dos subsídios e com benefícios limitados ao teto previdenciário;
– mordaça à capacidade de julgar, com a implantação das chamadas súmulas vinculantes;
– implantação do sistema de subsídios, extinguindo o ATS, com dupla reflexo negativo; descumprimento ao art. 37, X, da CF, congelando os valores e estimulando aposentadorias precoces e exonerações, esvaziando os quadros da magistratura de carreira;
Para fechar com chave de ouro sua obra, logrou a criação do Conselho Nacional de Justiça.
O descompasso se inicia com a sua composição: à magistratura estadual, cerca de 80% do efetivo de magistrados, só foram destinadas duas cadeiras, colocando-a em situação de inferioridade em relação aos demais segmentos e dando maior representatividade a pessoas estranhas.
A competência do CNJ não ficou bem esclarecida na EC, permitindo uma série de desvios de finalidade.
Ao longo de seus quase dez anos de existência, inúmeras são as medidas levadas ao STF por invasão de competência, criando regras processuais, tomando para si decisões privativas do STF, ignorando a autonomia e poder de autogestão dos Tribunais, inobstante também tenha, em diversos momentos, atuado com competência e dentro de seus limites com excelentes resultados.
Entretanto, não se pode deixar de questionar algumas de suas atuações e que estão resultando em imagem negativa à Justiça.
Não compete ao CNJ agir como assistente social realizando campanhas pro sistema prisional. É dever do Judiciário fiscalizar a legalidade da execução das penas, o resto, a administração dos presídios e ressocialização é dever do Poder Executivo.
Muito se fala na valorização do magistrado, mas raras são as ações concretas para dotar as Varas de infraestrutura mínima para seu regular funcionamento. Só discurso, mapas de estatísticas e metas impostas de cima para baixa, ignorando a realidade não se prestam para modernizar e agilizar a prestação jurisdicional.
Com cerca de 1/4 dos cargos da magistratura vagos, com juízes acumulando Varas, obrigados a deslocamentos e viagens, com deficiência de pessoal, sem vencimentos atraentes, com a crescente judicialização e aumento de demandas, em especial pela ineficiência das chamadas reguladoras, cabides de emprego e gerenciadas por pessoas, não raro, sem conhecimento técnico da área de atuação, impossível milagres.
Aspecto dos mais graves e danoso ao próprio Poder Judiciário tem sido o desempenho da Corregedoria Nacional, que se afastando de sua missão principal se transmutou em organismo exclusivamente punitivo, agindo sem nenhum respeito às garantias constitucionais e direitos individuais. Qualquer denúncia, mesmo anônima, é motivo de sindicância, de instauração de procedimento disciplinar com afastamento do magistrado cantado em prose e verso, jogada a acusação aos quatro ventos.
Ignora-se o texto legal a exigir um mínimo de prova para denúncias contra magistrado, ignora-se a previsão legal de sigilo na identificação do sindicado, lança-se a notícia na mídia como se o magistrado já estivesse condenado, execrando-o publicamente, sem respeito à sua hora e dignidade pessoal e fazendo-se letra morta à presunção de inocência. Apurem-se eventuais desvios de conduta, mas com respeito à Constituição, nada mais.
Hoje, os juízes temem deferir liminares ou a proferir decisões mais arrojadas, eis que sequer o poder, legal, de decidir é respeitado. Ainda que digam não estar policiando ou interferindo na decisão, acabam por punir o magistrado por seu entendimento, colocando-o sob suspeita de desvios éticos, algo vago e subjetivo, deixando o magistrado escravizado ao pensamento do Conselho.
A gana de punir é tão intensa que, próximo ao final da gestão da Ministra Eliana Calmon, quando ela começou a sofrer derrotas em seu caminhar, os processos foram retirados de pauta para esperar a nova composição (isto foi largamente noticiado pela imprensa). Agora, se fala em agilizar o julgamento dos processos disciplinares, ou seja, antes do término da atual gestão (igualmente noticiado pela mídia) – será para evitar julgamentos na gestão do novo Corregedor?
Aos acusados ainda se impõe um outro ônus, ao que parece para dificultar a defesa: processo pautado, interessados e advogados se locomovem para Brasília, efetuam gastos com passagens e hospedagens e, ao final do dia, recebem a notícia – adiado pelo adiantado da hora, ficando o julgamento adiado para uma das sessões seguintes – e assim sem sucesso por diversas vezes, dezenas delas.
É dever do julgador, e isto o CNJ cobra dos juízes, cumprir com a pauta, logo elas devem ser feitas dentro de uma previsão razoável para cumprimento e não com centenas de processos, sabendo que julgarão apenas uma parcela.
Quem responde pelos prejuízos causados pelos adiamentos?
Por que a OAB que tanto reclama dos juízes, fica calada e não se insurge contra tal descalabro?
O não medir consequências toma rumos perigosos à República. Corregedor Nacional em férias; o substituto, diz ter recebido denúncia anônima e passa investigar possíveis viagens ao exterior de Ministros do STJ e suas esposas. Até aqui, tudo bem, o que não se pode aceitar é a divulgação midiática: recebida a denúncia, lança-se à imprensa como fato consumado, sem cautela alguma.
Quem denunciou?
Apresentou alguma prova?
Por que se oculta no anonimato?
Qual a razão de se divulgar o fato à imprensa antes mesmo de qualquer outra providência?
Tais ações somente aumentam o descrédito na Justiça e em seus integrantes, pondo sob suspeita não a conduta isolada de quem possa ter se afastado do bom caminho, mas lançando lama e enxovalhando a própria Instituição.
É hora de o Congresso repensar a composição, o papel e limites de atuação do CNJ.