Elogios e críticas à gestão Nalini

Frederico Vasconcelos

Nalini 90 dias de gestão

Magistrados, advogados e especialistas avaliam os primeiros três meses da nova administração do TJ-SP.

Uma avaliação preliminar dos três primeiros meses de gestão do desembargador José Renato Nalini na presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo sugere que a nova administração tem uma imagem positiva junto ao público externo.

No plano interno, o presidente tomou medidas que são elogiadas por desembargadores e juízes de primeira instância. Mas é possível identificar insatisfações e críticas não manifestadas abertamente.

O Blog consultou magistrados, advogados e servidores sobre aspectos positivos e negativos nos primeiros 90 dias da gestão Nalini. Aos entrevistados foi oferecida a opção de não terem seus nomes revelados.

Nas últimas semanas, foram registradas neste espaço manifestações de Promotores e Defensores Públicos.

Ainda há um clima de expectativa entre os servidores, com os quais o antecessor, Ivan Sartori, mantinha diálogo fácil, tendo deixado o cargo com elevados índices de aprovação do funcionalismo no Judiciário paulista.

Nalini enfrenta no início de gestão um tiroteio virtual deflagrado por Sartori nas listas de discussão na internet.

No Facebook, o ex-presidente contesta as avaliações da atual gestão sobre a situação orçamentária.

Sob o título “Línguas Malévolas da Desculpa“, Sartori fustigou os “magistrados palacianos” que atribuem à sua gestão “a quebra financeira do Poder Judiciário”.

“Essa estratégia é muito antiga. Culpar um antecessor, para justificar eventual insucesso”, afirmou Sartori.

Para alguns magistrados, Sartori assumiu o papel de oposição. No final de março, o ex-presidente afirmou que Nalini “contrariou a política da gestão anterior” sobre a questão da permanência do Ministério Público nos prédios do Judiciário.

Pelo Facebook, Sartori convocou magistrados, advogados e servidores a relatarem as dificuldades enfrentadas nas unidades e comarcas.

A associação dos servidores do tribunal evita fazer uma avaliação formal da gestão Nalini. Mas sabe-se que os servidores aprovaram o envio de projeto de lei que transforma e extingue os cargos de agente administrativo judiciário. A medida visaria resolver as ações de desvio de função em que a entidade pede a indenização da diferença dos cargos.

Os servidores também aplaudem a manutenção do pagamento do passivo (porém, com valor menor) e o cumprimento da data base (uma obrigação).

Entre os pontos desfavoráveis, consideram Nalini avesso à ampla abertura das contas. A mesma crítica é feita por alguns juízes e analistas.

Os servidores também desaprovam os “ataques” à administração Sartori, desfazendo diversos atos do presidente anterior, como a questão da ocupação de salas pelo Ministério Público.

Segundo o Blog apurou, os servidores pretenderiam cobrar de Nalini alguns problemas identificados pela corregedoria do CNJ e não eliminados na gestão Sartori. A conferir.

O advogado Marcio Kayatt, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), diz que, em menos de três meses, a atuação de Nalini foi de “um verdadeiro engenheiro, que reconstruiu as pontes do relacionamento institucional com os integrantes da família forense, destruídas pelo ‘tsunami’ que assolou a Presidência do Tribunal de Justiça na gestão anterior”.

Entre os desafios da nova gestão, Kayatt cita a efetivação da autonomia administrativa dos Tribunais e da razoável duração dos processos.

Kayatt vê outra dificuldade: a transição do sistema judicial eletrônico (E-SAJ) para o sistema preconizado pelo CNJ (PJE), sem violar o pleno acesso dos jurisdicionados a uma efetiva prestação jurisdicional.

O presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Sérgio Rosenthal, diz que “ainda não há massa crítica para uma apreciação” dos três primeiros meses da gestão Nalini.

“Minha expectativa é de que o presidente Nalini fará um bom trabalho, mas ainda não julgo possível avaliar medidas concretas eventualmente adotadas”, diz Rosenthal.

O advogado Arnaldo Malheiros Filho elogia a criação do Conselho Interinstitucional, que reunirá representantes da sociedade civil, do tribunal, do Ministério Publico, da Advocacia e da Defensoria Pública: “Acho a iniciativa excelente, uma abertura do Tribunal a sua clientela”.

A advogada Taís Borja Gasparian diz que Nalini “tem se revelado bem lúcido quanto aos problemas a serem atacados em sua gestão e parece ter bastante força moral, política e funcional para resolvê-los”.

Ela elogia os convites a advogados, juízes e promotores para oferecerem sugestões sobre como desobstruir o Judiciário paulista. “É um sinal de humildade”, diz Gasparian.

Taís Gasparian também achou interessante o incentivo à conciliação, com o apoio ao Projeto de Lei nº 1.005/13, que dispõe sobre o abono de conciliadores. “É um bom início”, diz a advogada.

O presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, também louva as “medidas que demonstram o respeito à advocacia”. Cita como mais simbólica a eliminação das restrições de acesso dos advogados ao prédio do Palácio da Justiça.

Os advogados tinham que se identificar e passar por revista com detector de metais, além de informar para que local se dirigiam.

Costa diz que Nalini busca democratizar a gestão, criando canais de diálogo com os agentes que exercem funções essenciais à administração da justiça.

Avalia que a nova gestão está atenta a questões sociais relevantes, como o problema carcerário, tendo acatado a proposta da OAB SP, tão logo assumiu, para debater a questão do sistema penitenciário no Estado e da execução penal.

Alguns juízes evitaram fazer avaliações, porque a gestão ainda está começando. Os comentários dos magistrados paulistas –favoráveis ou desfavoráveis– foram feitos sem menção aos nomes dos entrevistados, que tiveram maior liberdade para opinar.

Para vários magistrados, a maior interlocução com os outros atores da Justiça e a escolha da eficiência como parâmetro de gestão são as melhores iniciativas de Nalini.

Há elogios ao projeto de criação da Escola de Servidores, ao aumento de vagas, pela Escola Paulista da Magistratura, nos cursos de aperfeiçoamento, extensão e pós-graduação – objetivando aprimorar talentos de funcionários– e os convênios com instituições como FGV e Fiesp.

Também foram bem recebidas a criação de um Comitê de Ética, um canal para o envio de críticas e sugestões, e a realização de eventos de arte e cultura no Tribunal.

“Tenho convicção que ele vai se voltar para o acesso à justiça dos mais pobres, das periferias, se voltar para as graves violações de direitos humanos”, afirma um juiz de primeiro grau. Segundo ele, “a boa notícia foi a posse da nova equipe da Escola Paulista da Magistratura”.

Outro juiz de primeira instância vê como pontos positivos o acordo com o Ministério Público e o encaminhamento da discussão no Órgão Especial a respeito da lista para desembargadores. Entre os aspectos negativos, cita o fim da transmissão ao vivo das sessões do Órgão Especial e a aceitação de prazo muito longo (dez anos) para que o Ministério Público deixe os prédios do Judiciário.

Alguns juízes consideram excelente a escolha dos assessores de Nalini. Mas há desembargadores incomodados com o afastamento de competentes assessores de Sartori.

“À exceção de dois assessores da área de informática, todos os demais foram substituídos. Não é à toa que Ivan [Sartori] anda esbravejando”, comenta um desembargador.

“Seu estilo é claramente conciliador. Está desfazendo muito do que Ivan fez. Tenho a impressão de que a promessa da continuidade, fundamental para sua eleição, foi esquecida”, diz.

Um juiz de primeiro grau diz não entender por que o decano do tribunal tem assessor. E critica o fato de Nalini ter escolhido um poeta para a chefia de gabinete.

Outro juiz diz que Nalini deveria ter chamado de volta os funcionários comissionados que estão em outros órgãos públicos, quando o Tribunal tem carência de servidores.

“Igualmente, deveria devolver para as varas juízes que estão no segundo grau, eliminar inúmeras secretarias do Tribunal, que são meros cabides”, diz.

A mudança na composição do Conselho Interinstitucional –para incluir um juiz de primeiro grau– revelou a capacidade de Nalini de acolher reivindicações. Mas as normas do Conselho, no entender de alguns magistrados, revelam o estilo concentrador.

Os representantes da sociedade civil serão escolhidos pelo presidente do tribunal, que decidirá o tempo de exposição de cada membro. Os candidatos a representantes dos juízes de primeiro grau e dos servidores devem, ao se inscrever às eleições, mencionar as pautas que pretendem defender no colegiado.

A própria criação do conselho divide opiniões. Alguns magistrados veem a iniciativa como “mais um factóide para agradar ao público externo”.

Antonio Sbano, presidente da Anamages (Associação Nacional dos Juízes Estaduais), diz que “um organismo integrado por pessoas que não possuam conhecimento técnico específico corre o risco de se tornar em algo capaz de produzir apenas soluções para situações pontuais”.

Segundo Sbano, “a participação de pessoas vinculadas aos outros Poderes representa a quebra da independência e autonomia do Poder Judiciário, dando-se asas para ingerências indevidas, como ocorre com a composição do próprio Conselho Nacional de Justiça”.

“Sartori criava factóides internos, como o pagamento de verbas atrasadas, com bastante propaganda. Já Nalini os cria, para o público externo”, comentou um juiz de primeiro grau.

Um desembargador diz que o “conselhão externo” foi criado sem autorização do Órgão Especial. Para esse magistrado, a comissão de “incubadora de ideias” não tem a mínima eficácia para o Poder Judiciário. “Tem apenas caráter político para o público externo”.

Ele critica “a centralização excessiva de poder, o desmanche da assessoria da gestão anterior e a volta da eterna reclamação de que não tem verba”.

“Ao pregar a desjudicialização das execuções fiscais e a conciliação, clamando pela necessidade de a população buscar mais o diálogo, seguramente Nalini está em busca de alternativas para a crise orçamentária”, diz outro desembargador.

Houve muitas críticas ao acordo com o Ministério Público sobre a ocupação de prédios do Judiciário.

“A questão de fundo ficou em segundo plano, preferindo passar a impressão de que “era tudo coisa do ‘maluco’ do Sartori”, comentou um juiz.

O mesmo magistrado criticou a convocação de juízes para palestras de banqueiros.

Igualmente, condenou a pressão para que o Órgão Especial liberasse o acesso direto de Promotores ao cargo de Desembargador, “pouco importando o desprestígio dos Juízes, que devem ser Substitutos em Segundo Grau (‘pinguins’) antes de se tornarem Desembargadores e que chegam lá muito mais tarde”.

“Tenho a sensação de que o Tribunal voltou ao mesmo modelo de sempre, com o baixo investimento na primeira instância e a concentração de recursos para a segunda instância”, conclui.

Algumas providências tomadas pelo presidente foram consideradas “antipáticas aos juízes”. Entre elas, “a reunião desnecessária com banqueiros, obrigando aos juízes das varas cíveis participarem”.

Sbano, da Anamages, concorda com os juízes que consideraram “inoportuno” Nalini permitir a distribuição de bíblias nas dependências do Judiciário.

“Ele está mais preocupado em jogar para a torcida do que administrar de fato o Tribunal. Saldo, pois, negativo”, avalia um desembargador.

Algumas medidas simples foram bem aceitas pelo público externo. A procuradora regional da República Janice Ascari, por exemplo, diz ter certeza de que Nalini “vai ser um vento de mudança e de modernização de práticas e de ideias no tribunal”.

“Achei muito interessante ele abrir a possibilidade do ‘home office’. É uma tendência forte no setor privado e que começa a ser pensada no setor público. É, sem dúvida, inovador”, diz Janice.

Um magistrado não afinado com Nalini foi irônico e citou apenas uma providência que considera positiva: a liberação da gravata no verão.

“Conheço Nalini há mais de 30 anos. É um magistrado ético e de boa fé”, diz um consultor que também conhece os problemas estruturais do tribunal. Na sua opinião, a dificuldade maior não é o déficit orçamentário, mas a gestão dos recursos.  “A questão não é obter mais recursos, o problema é a má distribuição desses recursos”, diz.

“Não sei dizer se ele terá condições políticas para administrar essa questão. No final da gestão, ele vai ser julgado mais pelos problemas que não enfrentou do que pelos problemas atuais”, prevê o consultor.