Juiz mineiro quer ser julgado pelo STF

Frederico Vasconcelos

“Não aceito ser julgado por aqueles que tenho denunciado há anos”, diz Danilo Campos.

Em nova manifestação enviada ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o juiz Danilo Campos, de Montes Claros (MG), mantém as críticas à banca de concurso para  cartórios, contra a qual levantara suspeitas de favorecimento a uma candidata (*). A nova manifestação consta de informações prestadas à corregedoria do tribunal mineiro, que instaurou procedimento contra o magistrado por determinação do Conselho Nacional de Justiça.

Inconformado com o fato de que a conselheira Gisela Gondin, do CNJ, havia indeferido pedido para suspender preventivamente o concurso, o juiz divulgou uma manifestação pública de protesto, reproduzida neste Blog.

Na última sessão do CNJ em 2013, o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, determinou a autuação de representação disciplinar contra o juiz pelo TJ-MG. Falcão entendeu que, em tese, houve ofensa à Lei Orgânica da Magistratura Nacional e ao Código de Ética da Magistratura Nacional.

Danilo Campos interpelara o desembargador Carlos Augusto Barros Levenhagen, presidente da comissão, alegando que sua mulher, Norma Sônia Novaes Campos, havia sido preterida com a mudança de critérios no concurso, o que teria favorecido outra candidata. Consultado pelo Blog, na ocasião, Levenhagen afirmou que a questão foi apreciada em recurso indeferido pelo CNJ, ao qual o juiz deveria dirigir “eventual irresignação”.

Em resposta enviada no último dia 15 ao Corregedor Geral de Justiça Luiz Audebert Delage Filho, Danilo Campos afirma que considera “uma tentativa bisonha de prevalecimento do cargo, das amizades e da condição de parentesco com um presidente de Tribunal Superior”, as representações, criminal e disciplinar oferecidas contra ele pelo presidente da comissão do concurso.

O juiz vai pedir a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, com fundamento no art. 102 I, letra “n” da Constituição Federal. Esse dispositivo prevê que compete ao STF julgar “a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”.

“Eu não aceito ser julgado por aqueles que eu tenho denunciado há anos”, afirma.

Danilo Campos está solicitando audiência aos ministros Joaquim Barbosa, presidente do CNJ, e ao corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, para entregar memoriais e “dar notícia de fatos graves que pedem urgentes providências”.

Estão na pauta da próxima sessão do CNJ, a realizar-se nesta terça-feira (22/4), dois processos sobre os fatos envolvendo o juiz de Montes Claros.

 

Eis a íntegra da resposta ao corregedor do TJ-MG:

 

Montes Claros, 14 de abril de 2014.

(Representação nº 66363/2014)

Sr. Corregedor Geral,

Seria talvez piada se não fosse na verdade uma tentativa bisonha de prevalecimento do cargo, das amizades e da condição de parentesco com um presidente de Tribunal Superior, as representações, criminal e disciplinar, do Desembargador Carlos Augusto de Barros Levenhagen, que pretende a minha condenação por supostos crimes contra sua honra e agora também a minha punição disciplinar por falta de decoro e improbidade, tudo isto porque, na defesa dos meus direitos e de meus familiares, encaminhei-lhe uma notificação via aparelho público (fax do fórum) denunciando graves irregularidades no concurso público por ele presidido.

Entretanto, a estratégia delirante de inventar crimes que eu teria cometido, sem responder ao conteúdo de minha denúncia, é apenas uma tentativa desesperada de desviar o foco da discussão da fraude no concurso público, pretendendo-se assim passar por ofendido para escapulir ao dever de responder aos fatos concretamente, falácia que não engana ninguém, porque como diz o ditado mais depressa se pega o mentiroso que o coxo.

A propósito aliás desta estúpida acusação de improbidade é o caso de se evocar talvez a frase de Sidônio Apolinário sobre um ladrão chamado Seronato: “Está sempre ocupado com duas coisas: em castigar furtos e em os fazer”. Segundo o Santo o desejo de punição não expressava nesse caso verdadeiro sentimento de justiça, porque o que se pretendia era somente a simples eliminação da concorrência, tirar de circulação os ladrões do mundo para que o justiceiro pudesse roubar sozinho.

Em verdade, partindo a acusação de improbidade de quem tem a sua disposição todo um aparato estatal incluindo carro, gasolina e motorista, sem a obrigação sequer da prestação efetiva de contas, parece-me no mínimo hipócrita, ainda mais porque se desconhece no âmbito desse Tribunal quaisquer punições relativamente ao uso indevido destes veículos, apesar do fato já ter sido diversas vezes destacado pela imprensa.

Também, talvez fosse o caso de se perguntar ao representante se ele nunca usou do telefone do gabinete pra ligar pra casa ou fazer qualquer outra ligação particular ou remeteu algumas daquelas muitas correspondências que todos os juízes recebemos frequentemente em papel timbrado e postagem desse Tribunal, a propósito de felicitações por ocasião de datas festivas.

De qualquer forma, Sr. Corregedor, é bom que se lhe diga que eu não sou criança, não tenho medo de cara feia e mula sem-cabeça, nem temo essa sua estratégia de aterrorizar e, portanto, não recuarei um centímetro de minhas denúncias pelo temor do prestígio de sua posição, conquistada aliás pela via crucis da mendicância do favor, a qual nesse tribunal se dá o nome de promoção por “merecimento”, pela qual ele terá que pagar pelo resto da vida.

Quanto ao mais, deve ser também apenas mais uma piada do Dr. Levenhagen, o “entendimento” utilizado para mudar o resultado do concurso público, pretendendo que todos os profissionais do direito (advogados, juízes, promotores, delegados, defensores públicos, etc) pontuem por títulos, até mesmo os meros serviçais do cartório sem diploma, menos estranhamente os notários e registradores bacharéis, titulares da função cartorária, porque segundo ele não seriam estes cargos privativos de bacharel em direito, pelo que me cabe lembrá-lo que por este argumento simplista, onde se toma a exceção pela regra, os ministros do STF também não pontuariam, porque a Constituição não exige diploma de bacharel em direito como condição de assunção do cargo. Daí o absurdo da proposição.

Então, respeitosamente, entendo que quem não aprendeu na escola as regras mais elementares de hermenêutica jurídica, segundo as quais a lei se interpreta inteligentemente e a interpretação não pode conduzir a situações absurdas, deveria ser submetido a uma reciclagem, porque, segundo a mesma LOMAN invocada contra mim os juízes de escassa ou insuficiente capacidade de trabalho estão sujeitos à aposentadoria compulsória.

Passando agora do direito à matemática, será que também o representante não aprendeu a contar? Ora, até cego pode ver que a certidão apresentada pela candidata beneficiada pela alteração do resultado do concurso tem conteúdo manifestamente falso, porque afirmou o exercício por 15 anos, 11 meses e 23 dias  da condição de auxiliar e escrevente juramentada, não bacharel em direito, quando efetivamente a candidata só exerceu a função de escrevente juramentada de 11/01/1997 a 16/07/2003, portanto por um período de seis anos e seis meses, enquanto o edital do concurso exige 10 anos efetivos de prática cartorária.

Também, o representante deveria saber, como têm aliás decidido reiteradamente o STJ e o STF, que “Somente os escreventes (substitutos ou juramentados) é que podem exercer, dentro dos limites legais, atividades inerentes ao serviço notarial ou de registro e, portanto, tendo exercido a função por mais de dez anos, embora não sendo bacharéis em direito, estão eles aptos a participarem de concurso para provimento de vagas nos Serviços Notariais e de Registros Públicos. Não é, todavia, o caso da recorrente, que ocupa o cargo de Auxiliar de Cartório e não é bacharela em Direito. Dicção da Lei Federal n. 8.935 /94, art. 15 , § 2º. Precedentes do STF e do STJ. Recurso ordinário improvido.Encontrado em: AUXILIARES STF – ADI 2350/GO, ADI 1935/RO STJ – RMS 18498 -MG RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.

Portanto, o tempo de exercício como  “auxiliar de cartório” da candidata, de 11/04/1996 a 10/01/1997, sequer poderia ter sido contado, mas o Dr. Levenhagen, fingindo-se de ofendido não quer refazer a conta.

E a partir daí a fraude continua óbvia, porque é elementar que a certidão fornecida pela candidata favorecida foi expedida por órgão incompetente (secretaria da casa civil do governo mineiro), quando deveria sê-lo, conforme o edital, pelo oficial de registro ou tabelião para quem ela supostamente teria trabalhado, instruída com cópia da carteira de trabalho e da ficha de registro de empregado (confira-se neste ponto o disposto na alínea “b” do subitem 1.1.1. do capítulo XIV do edital nº 2/2011/TJMG).

Mas mesmo com tudo isto e considerando-se que pelo princípio da autotutela a administração tem o poder-dever de rever seus próprios atos se eivados de nulidades, ilegalidades e irregularidades, quer fazer acreditar o Dr. Levenhagen que foi desrespeitado por mim pelo encaminhamento de simples notificação, que só teve por fim prevenir sua responsabilidade, tolhido que teria sido no seu direito de interpretar livremente a lei, atitude segundo ele inconcebível partindo de um juiz.

Entretanto, quem assistiu  há poucos dias a 186ª sessão do CNJ, quando foi anulado um concurso de juízes do Pará, ouviu do Presidente daquele Conselho, Min. Joaquim Barbosa, a lição que o  “Concurso público é um procedimento vinculado, que não admite negociações, ponderações, voluntarismos, seguindo “normas rígidas, inegociáveis, inflexivéis”, porque segundo ele no concurso o candidato passa ou não passa, não pode haver dúvida.

E de fato não há qualquer dúvida sobre a questão da pontuação devida aos notários e registradores, titulares da função cartorária, tema que é absolutamente pacífico na jurisprudência do STF, sendo os mesmos critérios de pontuação por títulos em concurso de cartório adotados uniformemente por todos os tribunais do País em respeito a Resolução 81 do CNJ, menos naturalmente pela banca do Dr. Levenhagen, que adotou um critério particular que coincidentemente veio beneficiar uma candidata cujo advogado é o filho do presidente do Tribunal de Justiça, seu amigo de tantas campanhas eleitorais no âmbito associativo.

Aliás a Resolução 81 do CNJ foi recentemente alterada pela Resolução nº187 de 24/02/14, limitando-se a pontuação em concurso público do Poder Judiciário por títulos de pós-graduação, mantendo-se entretanto intacto o item que tratava do título devidos aos delegatários titulares de cartórios.

Então, a questão é simples, porque se segundo seus próprios considerandos a Resolução 81 do CNJ foi editada no “interesse público de que o entendimento amplamente predominante seja aplicável de maneira uniforme para todas as questões envolvendo a mesma matéria, dando-se ao tema a natureza de processo objetivo e evitando-se contradições geradoras de insegurança jurídica”.  basta ao representante, ao invés de fingir-se ofendido, apontar os precedentes em que se baseou para proferir sua decisão, que eu afirmo é contrária ao direito, atraindo naturalmente para o julgador todo tipo de suspeitas.

Desse modo, não adianta o representante tentar tapar como se diz o sol com a peneira, dizendo que o CNJ já julgara a questão, porque o plenário daquele órgão ainda não apreciou o caso e há vários aspectos jurídicos dessa questão intransponíveis, a começar pelo fato de que não existe outro tipo de delegação privativa de bacharel em direito passível de pontuação em concurso de cartórios, até porque se houvesse bastaria ao representante indicá-las, já que segundo outro princípio elementar de hermenêutica jurídica a lei não contém palavras inúteis e assim, naturalmente, a palavra delegação no edital quer dizer alguma coisa: quem sabe não seria delegação diplomática, de futebol ou qualquer outra que o representante possa nos esclarecer.

E o que dizer por fim ao tratamento desigual conferido as duas candidatas concorrentes ao 1º lugar do concurso, malferindo-se completamente o princípio da isonomia, que é o princípio cardeal dos concursos públicos?

Ora, ambas as candidatas são tabeliãs, requereram o mesmo título, juntaram a mesma certidão, entretanto uma ganhou e a outra não, e justamente perdeu aquela que comprovou o mesmo título duas vezes (como tabeliã e advogada), enquanto a outra, sem sequer a comprovação de seu título, mas porque muito bem representada, ganhou o seu recurso alegando cinicamente que a banca teria se equivocado na análise de seu pedido, porque não pretendera na verdade o reconhecimento do título de tabeliã bacharel em direito, mas sobre outro fundamento, o exercício da função menor de empregada de cartório sem diploma (o advogado sabia com quem estava tratando ou supõe que todos os juízes somos safados ou idiotas).

Portanto, neste contexto, de nada adiantam as ameaças e vociferações do representante, que é melhor que se explique logo ao invés de tentar calar-me à custa de acusações iníquas ou da censura que ele tenta impor, pretendendo restringir a discussão dos fatos somente ao recinto interno, onde seus pares é quem mandam e desmandam, porque eu tenho o direito de, como parte ou interessado no julgamento, discutir a questão, inclusive na imprensa, porque se as decisões judiciais são manipuláveis segundo as conveniências do intérprete, o mesmo entendo não acontece com a opinião pública, se o cidadão for bem informado.

Aproveitando do ensejo, comunico-lhe, Senhor Corregedor, que levei todos estes fatos ao conhecimento do Corregedor Nacional de Justiça, Min. Francisco Falcão, a quem, ao lado do Min. Joaquim Barbosa, estou solicitando audiência para protestar contra a indevida interferência do Presidente do TJMG no julgamento do caso no CNJ, que chamou o Estado de Minas (melhor que se dissesse o governo) a intervir novamente na defesa de interesses supostamente públicos, pretendendo na verdade, mais uma vez, tirar os companheiros da “forca” e salvar as aparências ao sacrifício da lisura dos concursos públicos.

Também quero fazer chegar ao conhecimento de suas excelências que o TJMG desprezou cabalmente o ultimato proferido pelo CNJ quando do julgamento de minha anterior denúncia, sobre fraudes nos concursos de promoções dos juízes, e que advogados ligados à cúpula do Judiciário mineiro estariam se tornando “sócios” de cartórios mediante a contratação de honorários em percentuais sobre o faturamento destas serventias.

Sem mais para o momento, subscrevo-me reiterando protestos de estima e consideração.

EXMO. SR.
DES. LUIZ AUDEBERT DELAGE FILHO
D.D. CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA
BELO HORIZONTE/MG.

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(*) Concurso Público, de provas e títulos, para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais.