Omissão das agências reguladoras

Frederico Vasconcelos

Sob o título “A omissão das agências reguladoras e o uso predatório do Judiciário”, o artigo a seguir é de autoria do Juiz de Direito Gervásio Protásio Santos, coordenador da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros e Presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão:

 

São comuns nos corredores dos Fóruns reclamações sobre os valores das indenizações arbitradas em ações que visam uma compensação pelos aborrecimentos sofridos em razão da qualidade dos serviços de telefonia, planos de saúde, transporte, bancários, entre outros.  As opiniões convergem quase sempre no mesmo sentido: “as empresas fazem o que fazem porque os juízes fixam módicas indenizações”.

Esse é o mote para iniciar a cantilena de que se a empresa telefônica fosse condenada a pagar uma quantia vultosa por ter interrompido o serviço, ou o banco ter inscrito indevidamente o nome do consumidor em órgão de restrição ao crédito, esses fatos não se repetiriam.

Ledo engano. Indenizações vultosas por fatos relativamente corriqueiros teriam apenas o condão de fomentar distorções no sistema judicial, criando verdadeiras loterias, que estimulariam o conflito, sem resolver o problema de fundo, que é a qualidade dos serviços, em especial, aqueles submetidos à fiscalização das agências reguladoras.

Ainda tenho presente o episódio em que, após proferir uma sentença em audiência contra determinada empresa prestadora de serviço, condenando-a a pagar uma indenização pelos transtornos causados à autora, esta pediu a palavra e disse: “foi Deus quem me inscreveu no SPC, estou muito necessitada deste dinheiro”.

Ora, não será o caminho das indenizações, milionárias ou módicas, que solucionarão os problemas apresentados pelos serviços regulados que correspondem, em média, a 80% do volume processual dos Juizados Especiais e das Varas com competência para as matérias de consumo, e sim uma atuação eficaz das Agências Reguladoras, atuando preventivamente e exigindo que os serviços sejam prestados nos termos dos contratos de concessão.

O sistema de Agência Reguladora que, diga-se de passagem, funciona muito bem em outros países, foi implantado no curso da década de 90, todavia, teve os seus fins desvirtuados pelo uso político dos seus cargos de direção. Criou-se, assim, um pacto de mediocridade em que perde o consumidor, perde o Judiciário e perde a sociedade.

O consumidor perde em razão da instabilidade do serviço, obrigando-o a recorrer ao Judiciário para solucionar de forma individual um problema que é coletivo. Perde o Judiciário porque se vê assoberbado de ações que poderiam ter sido evitadas caso houvesse uma atuação preventiva das agências reguladoras. E, finalmente, perde mais ainda a sociedade que vê o Poder Judiciário com os reduzidos recursos financeiros, humanos e materiais que dispõe incapaz de atender o crescimento geométrico das demandas, retirando-lhe o foco de questões essenciais à cidadania.

O Poder Judiciário é fundamental à estabilidade do estado de direito, por manter o equilíbrio de forças entre os demais poderes e assegurar a proteção do cidadão, inclusive em relação ao próprio estado, mas, não cabe a ele substituir tarefas ordinárias dos outros poderes, como zelar pela boa prestação dos serviços regulados.

Esse debate precisa ser realizado o quanto antes, considerando que o País fez uma clara opção por uma sociedade de consumo, e para isso a ANATEL, a ANS, a ANEEL, a ANAC, o BACEN e todas as demais agências precisam cumprir o seu papel de fiscalizar e pautar a atuação das empresas concessionárias às exigências do mercado.

Do ponto de vista das empresas, o atual cenário é cômodo. O numero excessivo de demandas, aliada ao fato de que a permissividade recursal possibilita a postergação do resultado judicial, permitindo que provisionem menos recursos na rubrica “despesas judiciais” para atender às demandas individuais ao invés de fazê-lo em quantidade maior naquela destinada aos investimentos necessários à melhoria dos serviços para toda a comunidade.

O episódio envolvendo uma operadora de telefonia, proibida de comercializar novas linhas em dez estados da Federação pela ANATEL, embora tenha sido um caso único, produziu mais efeitos positivos, e de forma coletiva, do que milhares de ações ajuizadas contra essa mesma operadora anualmente.

A inação das agências reguladoras tem sido uma das principais causas do uso predatório do Judiciário. Há uma inversão da lógica: deveria chegar aos escaninhos judiciais o extraordinário, aquilo que escapasse aos olhos atentos das agências reguladoras, e aí, como extraordinário deveria ser tratado como tal, inclusive no aspecto indenizatório.

O bom funcionamento do Judiciário é responsabilidade de todos, e não apenas dos magistrados, por isso, cabe à sociedade em geral e aos poderes constituídos em particular exigirem que as Agências Reguladoras cumpram efetivamente o seu papel.