Justiça ampla para quem dispõe de recursos
Lentidão da Justiça e recursos infinitos livram o ex-senador e empresário Luiz Estevão de duas condenações.
Reportagem de Flávio Ferreira e do editor deste Blog, publicada neste sábado (10/5), na Folha, revela que a demora da Justiça livrou o ex-senador e empresário Luiz Estevão da condenação pelos crimes de formação de quadrilha e uso de documento falso no caso dos desvios na construção do fórum trabalhista de São Paulo. A fraude está avaliada em R$ 1,2 bilhão, em valores atuais.
A procuradora regional da República Maria Luisa Carvalho, uma das responsáveis pela ação penal do TRT-SP, considera “calamitosa” a prescrição, que “indica um problema de morosidade do Poder Judiciário e um abuso no uso de recursos por parte dos advogados dos réus”.
Reportagem do editor deste Blog, publicada em 2008, revelou que Estevão, o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto e os empresários Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz, da Construtora Incal, haviam entupido os tribunais, até então, com 112 recursos, “tentativas de evitar a prisão e reduzir condenações ou adiar os processos, aproveitando-se de brechas legais”.
“Enquanto não se atacarem com seriedade, eficiência e honestidade de propósitos leis que permitem a chicana e a possibilidade infinita de recursos, teremos advogados que abusam do direito de defesa e não teremos Justiça”, afirmou na ocasião a procuradora regional da República Janice Ascari.
Ricardo Sayeg, então advogado de Lalau, contestou: “o Ministério Público deveria apoiar o exercício do direito de defesa, que é uma garantia constitucional”. Para ele, “o direito de se defender, principalmente da prisão, é sagrado”.
“Vinte anos depois, qual o sentimento da sociedade em relação ao caso, senão o de absoluta impunidade?”, escreveu Janice Ascari, neste Blog, quando Estevão firmou acordo com a Advocacia Geral da União, em 2012, para devolver ao erário R$ 468 milhões pelo Grupo OK.
“Se todos os bens pessoais de Luiz Estevão, os do Grupo OK e das demais empresas do grupo encontram-se bloqueados há mais de uma década, a acumulação de riquezas necessária para a aceitação do acordo demonstra que o país comprovadamente propicia aos empresários plenas condições de sair do fundo do poço e se reerguer, qual Fênix”, afirmou a procuradora.
Condenado a 31 anos de prisão em 2006, quando o TRF-3 reformou sentença que o absolvera, a pena de Estevão caiu para 26 anos de reclusão, com a prescrição dos dois crimes ocorrida no sábado passado.
Segundo a reportagem deste sábado na Folha, Estevão aguarda em liberdade a conclusão do processo sobre outros crimes, como corrupção ativa, enquanto Lalau já cumpre pena em uma penitenciária no interior de São Paulo.
A procuradora da República Maria Luisa Carvalho diz que a Justiça deu tratamento desigual ao ex-senador e ao ex-juiz.
Só no Superior Tribunal de Justiça o ex-senador já apresentou mais de dez medidas judiciais desde a condenação em 2006, segundo a Procuradoria. Antes de chegar ao fim, o processo ainda terá que passar pela última instância, o Supremo Tribunal Federal.
O caso do TRT-SP expõe, talvez como nenhum outro, uma Justiça seletiva, pois sabe-se que o réu comum, por não dispor de recursos financeiros, não conseguiria os mesmos resultados sem a contratação de bons advogados.
Ouvidas pela Folha, as defesas dos réus do caso do fórum trabalhista de São Paulo negaram abuso no uso de recursos judiciais. O advogado de Luiz Estevão, Marcelo Luiz Ávila de Bessa, afirmou que “todos os recursos interpostos estão previstos em lei”.
O advogado de Lalau, Celmo Pereira, disse que há injustiça na prisão do seu cliente, que não deve ser estendida aos outros réus.
Sepúlveda Pertence, advogado de José Eduardo Ferraz, afirmou que, “ao lidar com penas de mais de 20 anos de prisão, é dever mais que sagrado se defender enquanto puder”.
O advogado de Fábio Monteiro de Barros não respondeu à reportagem.
Reportagem da “Veja Brasília“, publicada recentemente, revela que Cleucy Meireles de Oliveira, “casada com o empresário Luiz Estevão, com quem compartilha uma fortuna de quase 33 bilhões de reais” (…) “sofre com a possibilidade de detenção do marido”.
Com tantos recursos, esse temor parece infundado.