Associação desagrava delegado denunciado por assassinato de indígena

Frederico Vasconcelos

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou, por intermédio de sua Assessoria de Comunicação, “Nota de Desagravo” que trata “da forma temerária como vem sendo conduzido o processo que tem por objeto apurar o incidente ocorrido com o Delegado Antonio Carlos Moriel Sanchez”.

Trata-se de manifestação que contesta a notícia sobre denúncia oferecida à Justiça pelo Ministério Público Federal contra o delegado da Polícia Federal Antonio Carlos Moriel Sanchez, acusado de crime de homicídio qualificado contra o indígena Adenilson Kirixi Munduruku.

Segundo noticiário distribuído pelo MPF no último dia 10, “a exumação do corpo do indígena comprovou os depoimentos das testemunhas e demonstrou que ele foi executado com um tiro na nuca, depois de ter sido derrubado por três tiros nas pernas”.

Como registrou este Blog, o Ministério Público Federal informou que a Polícia Federal sequer abriu inquérito para apurar a atuação do delegado.

Denúncia contra delegado acusado de assassinato de indígena é resultado do controle externo da atividade policial

Na nota, a ADPF considera a denúncia “precipitada e inepta, vez que sequer aguardou-se a conclusão da investigação para ser oferecida”.

 

Eis a íntegra da “Nota de Desagravo” da ADPF:

Os Delegados de Polícia Federal, por meio da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, lamentam profundamente a forma temerária como vem sendo conduzido o processo que tem por objeto apurar o incidente ocorrido com o Delegado ANTONIO CARLOS MORIEL SANCHEZ.

MORIEL, Delegado reconhecido pela sua expertise nas ações de defesa a comunidades indígenas e pela sua dedicação à causa dos índios, foi Chefe do Serviço de Repressão aos Crimes Contra as Comunidades Indígenas, e, em razão da sua notória habilidade e experiência em tratar dessas questões, foi designado para comandar a Operação Policial Eldorado, que visava combater a extração clandestina de ouro no Rio Teles Pires, atividade que tem consequências gravíssimas para o meio ambiente, inclusive a danosa contaminação de cidades ribeirinhas por mercúrio. Tendo sido mapeada a ocorrência de crime de extração ilegal de minério, e considerando a necessidade de coibir a atuação de um grupo econômico ligado a esta nefasta atividade na região, foi exarada decisão no bojo do Processo nº 1243-58.2012.4.01.3600 (IPL 0006/2012- SR/DPF/MT), visando cumprimento de 26 mandados de prisão temporária, 08 mandados de condução coercitiva e 64 mandados de busca e apreensão.

Para executar a ordem judicial, os policiais da PF e da Força Nacional, bem como servidores do IBAMA e FUNAI, instalaram-se em Base Operacional montada próxima ao Rio Telles Pires, e já no início das atividades reuniram-se com as lideranças indígenas locais, tendo sido devidamente acordado que a Operação seria realizada sem interferência dos índios e que as barcas de extração de ouro seriam inutilizadas. A reunião foi testemunhada, frise-se, por servidores da FUNAI e contou com a presença, dentre outros, do Cacique da Aldeia Papagaio e de 04 representantes da Aldeia Teles Pires.

Ocorre que, mesmo após ter sido firmado o compromisso, na citada reunião, de que os policiais iriam cumprir a determinação judicial e os índios não iriam obstar a ação policial, por orientação do Cacique da Aldeia Papagaio, uma balsa foi rebocada para a margem do Rio, junto à Aldeia Teles Pires, a fim de, conforme veio a se saber posteriormente, ser protegida pelos índios, evitando assim, a sua inutilização pelos policiais. Cabe esclarecer que os equipamentos pertenciam a garimpeiros da região, os quais, conforme apurado, remuneravam os índios com ouro, a fim de que esses guardassem seus petrechos para mineração.

Assim foi que, segundo veio à tona posteriormente, o Cacique da Aldeia Papagaio, induzido pelos garimpeiros, que não queriam ver seu patrimônio destruído, arregimentou indígenas das Aldeias Papagaio, Bom Futuro, Mairowi e Teles Pires, para enfrentarem os policiais e impedir a inutilização das balsas. Porém, tendo certo que os índios iriam cumprir o acordo e não interferir na Operação, os policiais deram prosseguimento aos trabalhos no dia 07/11/2012, e se dirigiram à Aldeia Teles Pires, a fim de inutilizar a balsa que se localizava em frente à Aldeia.

Durante o deslocamento para o local em que a balsa estava atracada, a equipe passou por alguns índios, os quais, quando indagados, respondiam que estariam indo apenas retirar seus pertences da balsa. Entretanto, ao chegar à margem do rio, os policiais perceberam que havia aproximadamente 200 indígenas pintados, portando arco e flecha e borduna. Estes índios prepararam uma emboscada e investiram contra os policiais, disparando diversas flechas e encurralando-os, a partir do barranco, entre a balsa e o rio.

O Delegado MORIEL foi atacado no ombro com uma borduna pelo Cacique da Tribo Papagaio. Além disso, outro índio que acompanhava o Cacique atirou várias flechas contra o policial, tendo uma delas o atingido na perna. Por esta razão, e tendo em vista o teor dos diálogos mantidos entre o Cacique e o guerreiro – que levaram o delegado a perceber que o objetivo do ataque era fazê-lo refém ou matá-lo – o policial se viu obrigado a fazer disparos de advertência direcionados ao fundo do Rio.

Para o devido esclarecimento do incidente, foi imediatamente instaurado inquérito policial, mas infelizmente, o Ministério Público, valendo-se da suposta “dispensabilidade do inquérito policial”, e fundamentado unicamente em Procedimento de Investigação Criminal conduzido por aquele órgão, ofereceu denúncia ignorando o extenso conjunto probatório produzido em sede policial, imputando de forma temerária ao DPF MORIEL a prática de homicídio contra um índio, supostamente ferido durante o conflito.

De fato, o órgão ministerial recortou apenas as poucas evidências que interessavam para acusar o delegado, oferecendo denúncia fundamentada apenas no testemunho de 3 índios, diga-se de passagem, contraditórios em relação aos demais depoimentos prestados por índios e servidores públicos no inquérito policial.

A peça acusatória é eivada de inconsistências, a seguir exemplificadas:

• Não há provas de que o índio encontrado, muitos quilômetros distante do local do conflito, tenha sido alvejado no local dos fatos.

• Salvo o testemunho dos 3 índios, inexiste prova de que os projéteis que atingiram a vítima partiram da arma do DPF MORIEL. Os laudos periciais sequer concluíram que a arma utilizada era do mesmo tipo da que o Delegado portava.

• O Ministério Público coloca em dúvida a fé pública dos servidores da Polícia Federal, da Força Nacional, da FUNAI e do IBAMA, ao fazer ilações no sentido de que não há provas de que os índios fizeram um acordo anuindo com a realização da Operação. Porém, o inquérito possui depoimentos das lideranças indígenas confirmando a realização do acordo, o que demonstra que, ou o parquet não estudou as provas, ou deliberadamente omitiu essas circunstâncias na denúncia.

• Ao contrário do que narra a denúncia, os índios não foram obstados a retirar seus pertences da balsa, mesmo porque isso fazia parte do acordo. Ao contrário, eles foram arregimentados pelo cacique da Aldeia Papagaio, a fim de entrar em confronto com os policiais, e evitar a inutilização das balsas, influenciados pelos garimpeiros, os quais remuneravam o Cacique, para que os índios guardassem os petrechos utilizados pelos garimpeiros para a extração de ouro.

• O cacique da Aldeia Papagaio não tentou conversar com o DPF MORIEL, como a peça acusatória faz crer. Ao contrário, encurralou o policial, conforme se verifica de diversos depoimentos dos presentes, índios e servidores públicos, os quais narram que o Cacique feriu o ombro do delegado com a borduna, e se fez acompanhar de um guerreiro que lançou diversas flechas contra ele com intenção de feri-lo de morte. Uma das flechas o atingiu na perna, conforme dados constantes do inquérito, totalmente ignorados pelo parquet.

• Foi a atitude do cacique em questão que obrigou o Delegado MORIEL a efetuar disparos de advertência, a fim de resguardar legitimamente a sua vida e dos servidores públicos que estavam legalmente atuando em nome do estado e foram injustamente atacados.

• Ao contrário do que consta na denúncia, a prova pericial não confirma os depoimentos das testemunhas, no sentido de que a vítima foi alvejada pelo Delegado Moriel.

• Ao contrário da afirmação de que os policiais não souberam relatar o que houve, há vários depoimentos de policiais e servidores públicos que estiveram envolvidos no incidente, em que os fatos são relatados sem contradição e com riqueza de detalhes.

• Em nenhum momento o MPF considerou o fato de que os índios estavam armados com flechas e bordunas e atacaram os policiais que tiveram que defender-se. Inclusive, o confronto resultou em vários índios e policiais feridos.

Assim, entendendo que é dever do Ministério Público atuar como o titular da ação penal e zelar pela correta produção da prova criminal, mas que também cabe ao parquet na sua atuação respeitar os direitos constitucionais dos cidadãos, especialmente o direito à presunção de inocência e o direito à imagem, é que a ADPF reputa ser a denúncia precipitada e inepta, vez que sequer aguardou-se a conclusão da investigação para ser oferecida.

Ademais, o tratamento dispensado ao policial federal é injusto, na medida em que o DPF tem participado de diversas operações de defesa às comunidades indígenas, pautando sua atuação no respeito a esses povos.

A divulgação do nome do investigado tem consequências gravíssimas que jamais poderão ser apagadas, de forma que a exposição do DPF MORIEL com base em frágeis e superficiais indícios de autoria não reflete a responsabilidade que a sociedade espera do Ministério Público.

Finalmente, vale ressaltar que é inverídica a informação veiculada na imprensa de que não foi instaurado inquérito policial para apuração dos fatos. De fato, as providências necessárias foram adotadas, tendo sido instaurado o IPL 310/2012-DPF/SIC/MT, que recebeu o nº de Processo 5213.57.2012.4.01.3603 na Seção Judiciária da Justiça Federal de Santarém/PA, em cujos autos foram feitas as oitivas de 17 indígenas.

A Polícia Federal é reconhecida como instituição que “corta na carne” e que tem uma corregedoria atuante que zela para manter a boa imagem da instituição e a confiança da sociedade, inclusive punindo seriamente os servidores envolvidos em fatos desabonadores, como é o caso daqueles que foram demitidos por envolvimento na Operação Monte Carlo, sendo certo que, por vezes, membros de outros órgãos não recebem o mesmo tratamento de suas instituições.