MP repudia declarações de magistrado

Frederico Vasconcelos

Em nota, entidades criticam a afirmação de Siro Darlan, para quem o Ministério Público “é uma inutilidade”.

Siro Darlan

O Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) divulgou nota em que repudia declarações do desembargador Siro Darlan, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao afirmar em entrevista à BBC Brasil que o MP “é uma inutilidade”.

A afirmação foi feita durante entrevista sobre o habeas corpus que o magistrado concedeu aos 23 ativistas denunciados por formação de quadrilha armada.

Segundo Darlan, o órgão só é eficiente na repressão “do povo pobre e negro”, e a superlotação das cadeias é, em parte, sua responsabilidade. Ele também fez críticas à imprensa.

A manifestação do MPD, assinada pelo presidente da entidade, Promotor de Justiça Roberto Livianu, vem somar-se à nota oficial emitida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

A seguir, trechos da entrevista concedida por Darlan à BBC Brasil –incluindo as críticas à mídia– e a íntegra das notas do MPE do Rio de Janeiro e do MPD.

Declarações do magistrado:

Siro Darlan: A privacidade é um direito fundamental, mas entre o direito à privacidade e a segurança, está prevalecendo a segurança. Os instrumentos de segurança estão invasivos, até mais que na época da ditadura, por uma questão de desenvolvimento das comunicações. Na época dos militares, não tínhamos a tecnologia de hoje. Essa nova lei contraria os direitos do cidadão. O Ministério Público é uma inutilidade. Ele é muito eficiente quando lhe interessa. Mas há situações em que o MP se omite. Hoje estamos com prisões superlotadas porque o MP é eficiente na repressão do povo pobre, do povo negro. 70% do sistema penitenciário do Rio de Janeiro está vinculado a crimes de drogas, o que efetivamente não tem nenhuma periculosidade. Vender droga ilícita é absolutamente igual ao camarada que vende cachaça. São drogas. Mas a nossa sociedade resolveu criminalizar a venda de determinadas drogas. E coincidentemente quem vende é a população mais pobre. Isso coincide com o interesse de exclusão social dessa população.

(…)

Por representar um monopólio, os grandes veículos têm privilégio em detrimento das outras mídias. Há um privilégio econômico aí, porque a grande mídia é financiada pela publicidade oficial. Em contrapartida, dá cobertura a esses interesses oficiais. Diferente de outras nações, aqui há um desrespeito às pessoas que estão sendo investigadas e sobre as quais não há um juízo de condenação. Elas são previamente condenadas pela imprensa. Independente de serem condenadas, então, elas já cumprem penas, porque são expostas. Em países civilizados, só depois do juízo definitivo há divulgação do nome, às vezes nem sai o nome. Porque nome é interesse da justiça, não da comunicação.

 

Nota oficial do MPE do Rio de Janeiro:

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, instituição vocacionada à defesa da sociedade, vem externar seu mais veemente repúdio às declarações do Sr. Siro Darlan, que, uma vez mais, presta enorme desserviço ao povo e ao Estado brasileiros. Rotular o Ministério Público de “inutilidade” é ignorar seu importante papel na tutela dos interesses coletivos. Na verdade, é exatamente por exercer com retidão e diligência a tarefa de proteger os direitos sociais, tentando conter o avanço da criminalidade, que a instituição tem colecionado tantos e tão poderosos inimigos.

É preciso não perder de perspectiva que, na difícil tarefa de aplicar a lei, é preciso interpretá-la adequadamente. Alguns o fazem buscando a defesa da sociedade, outros se movem por interesses menos relevantes. E isso se evidencia ao lembrarmos da libertação, em agosto de 2010, decretada pelo ora ofensor do Ministério Público, de dez marginais que haviam sido presos após invadir o Hotel Intercontinental, portando armas de grosso calibre e aterrorizando suas vítimas.

Apesar dos percalços diuturnamente enfrentados, o Ministério Público continuará a zelar pelos interesses que lhe incumbe defender, quaisquer que sejam os detratores de plantão. A inutilidade, por certo, existe, mas em seara outra que não a da instituição.”

 

Nota oficial do MPD:

O Movimento do Ministério Público Democrático, associação civil de caráter nacional, sem fins econômicos nem corporativos vem a público repudiar a lamentável declaração publicada hoje (29) pelo Desembargador fluminense Siro Darlan.

Presente no Brasil há 411 anos, o Ministério Público, constitucionalmente definido como função essencial à Justiça, responsável pela defesa da ordem jurídica e do regime democrático, tem sido um dos principais instrumentos de concretização da cidadania social no país, o que é reconhecido publicamente, quer na titularidade e promoção da ação penal pública, quer na proteção do patrimônio público e social, da saúde pública, da infância e juventude, dos idosos, do meio ambiente, da ordem urbanística, das pessoas com deficiência, dos índios, no exercício do controle externo da atividade policial,  dentre tantos inúmeros interesses da comunidade.
 
Classificar a instituição do Ministério Público como inutilidade demonstra desconexão da realidade e profunda desinformação em relação ao cenário da justiça brasileira, sendo certo que a infeliz e estapafúrdia declaração notoriamente não representa o pensamento da magistratura pátria, ao lado de quem o Ministério Público labuta diuturnamente em busca da promoção do bem comum e do interesse público.

Roberto Livianu
Promotor de Justiça
Presidente do Movimento do
Ministério Público Democrático