Enfrentamentos à vista no CNJ
A última sessão do Conselho Nacional de Justiça acendeu o sinal amarelo, sugerindo que diferenças de opinião entre o ministro Ricardo Lewandowski, presidente interino, e alguns membros do colegiado podem vir a transformar debates em embates.
A 192ª Sessão Ordinária foi realizada no dia 5, ou seja, antes da liminar de Lewandowski suspendendo, a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros, as sessões administrativas que eram realizadas na véspera de cada reunião do colegiado, antecipando o processo de votação.
A instrução normativa restringindo os gastos com viagens no CNJ também foi divulgada posteriormente.
Reservadamente, alguns conselheiros preveem que haverá um clima de confronto no CNJ. Experiente, a ex-corregedora Eliana Calmon acha muito difícil os conselheiros contestarem o presidente do órgão, que também preside o Supremo Tribunal Federal.
Diplomático, Lewandowski abriu a sessão afirmando que está “à inteira disposição” dos conselheiros, no gabinete do CNJ e no gabinete do STF, “para recebê-los com toda a preferência possível para resolver qualquer pendência”.
Ao colocar em julgamento a prorrogação de cinco processos disciplinares, Lewandowski alertou o colegiado. Disse que, ao apreciar algumas liminares no STF, verificou que as prorrogações haviam sido aprovadas com base em “justificativas singelas”.
Lewandowski ressalvou que fazia essa observação “não como crítica, mas contribuição construtiva”.
Aparentemente, era uma espécie de sinal, antecipando a cobrança que faria em seguida a cada relator dos cinco processos, pedindo detalhes e esclarecimentos sobre os motivos da prorrogação. Em quatro dos cinco casos, o Plenário estendeu os processos em prazos inferiores aos que haviam sido pedidos inicialmente pelos relatores.
O ministro sugeriu que os conselheiros fossem escrupulosos ao fundamentar essas prorrogações. “Me permito externar minha preocupação como guardião da Constituição Federal”.
Essa observação remete à decisão recente de Lewandowski –considerada técnicamente correta– que surpreendeu os conselheiros ao conceder liminar durante o período de férias do relator, permitindo o retorno dos desembargadores Mário Alberto Hirs e Telma Laura Britto ao Tribunal de Justiça da Bahia, do qual haviam sido afastados pelo CNJ em 2013, suspeitos –entre outras irregularidades– de pagamentos de precatórios inflados.
Lewandowski acolheu a alegação da defesa de que a prorrogação do processo, além dos 140 dias previstos pelo regimento interno, representava uma punição antecipada.
Durante os debates, alguns conselheiros ressaltaram que, em alguns casos, a permanência do afastamento de um magistrado é também a garantia de preservação da imagem do Judiciário.
Não houve referência ao episódio, mas a imagem do Judiciário também foi afetada pela liminar concedida no recesso do Judiciário. Tão logo anunciada a decisão de Lewandowski, Hirs e Britto foram recebidos no tribunal da Bahia sob aplausos, em clima de festa, numa manifestação pública que contou com a presença de autoridades e políticos locais.
Ocorre que os dois desembargadores ainda respondem a esse e outros processos disciplinares no CNJ (um dos motivos que levaram anteriormente o ministro Roberto Barroso, relator do processo, a não conceder liminar para suspender o afastamento, pois poderiam prejudicar a coleta de provas).
Durante os debates na última sessão, a conselheira Ana Maria Amarante sugeriu “procurar nos anais do CNJ qual foi o processo administrativo disciplinar que terminou em 140 dias”.
“Tenho certeza de que não haverá um sequer”, disse. “Fica difícil o trâmite de um PAD depois que afastamos o investigado. Não encontramos mais o requerido”, afirmou a conselheira.
“É impossível instruir [levantar informações e provas] um processo administrativo disciplinar com prazo de 140 dias”, concordou a conselheira Gisela Gondin Ramos.
Os relatores alinharam os vários expedientes para protelar os processos disciplinares: magistrados sob investigação se recusam a receber a intimação; arrolam testemunhas em vários Estados ou no Exterior; não informam corretamente o endereço das testemunhas; testemunhas não comparecem para depor; o CNJ não recebe documentos solicitados.
Os debates foram mais prolongados quando o colegiado apreciou o pedido de prorrogação de processos disciplinares contra dois magistrados afastados que também atuam na Justiça Eleitoral: o desembargador Alcir Gursen de Miranda, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, e o juiz Nathanael Cônsuli, do Ceará.
No primeiro caso, o advogado de Gursen alegou na tribuna que uma nova prorrogação poderia impedir o magistrado de voltar à função no TRE, o que seria “antecipação da punição”.
A conselheira Gisela Gondin informou ao Plenário que o governo de Roraima não forneceu documentos pedidos pela relatora, e quando o então presidente do CNJ reiterou o pedido, os documentos vieram incompletos.
Lewandowski perguntou por que o magistrado não poderia retornar ao cargo, pois não via possibilidade de interferir na coleta de provas.
A relatora afirmou que mantinha o pedido de manutenção do afastamento, porque o processo apurava a parcialidade do juiz e o envolvimento do presidente do TRE com um grupo político local. “Estamos às vésperas de um novo pleito. A causa do afastamento se mantém”, respondeu a relatora.
Lewandowski insistiu: “Há indícios veementes de que ele favoreceu no processo eleitoral?”
A conselheira Luiza Cristina Frischeisen pediu aparte e disse que Gursen foi afastado em razão de “indícios fortíssimos” apurados pelo Ministério Público Eleitoral.
Frischeisen defendeu a manutenção do afastamento, não somente para a preservação da instrução, mas porque Gursen pode, inclusive, constranger pessoas, voltando a atuar como presidente do tribunal eleitoral.
O defensor de Gursen voltou, então, à tribuna para afirmar que “não há prova conclusiva de nada”.
O presidente disse que iria “insistir muito”, para que os afastamentos de magistrados fossem fundamentados “com muita segurança”. “O magistrado, a meu ver, não pode ser afastado por mera suspeita”, disse Lewandowski.
“Não foi uma mera suspeita que levou ao afastamento [de Gursen]”, disse o conselheiro Saulo Bahia. “A defesa tenta ressuscitar [o caso] agora, antecipando o julgamento do processo disciplinar”, afirmou. Ele informou que a questão “foi discutida amplamente” quando o conselho abriu o processo disciplinar e verificou que havia “indícios veementes”.
No segundo caso, Luiza Cristina Frischeisen disse que o juiz cearense Nathanael Cônsuli também é investigado pelo Tribunal de Justiça do Ceará por suspeita de beneficiar pessoas de seu relacionamento e por indícios de fatos graves na área eleitoral.
“O mais difícil é encontrar o juiz”, disse Frischeisen.
O conselheiro Fabiano Silveira divergiu em relação à manutenção do afastamento de Cônsuli, que já dura dois anos. Entendeu que o colegiado tem que ter “mais cuidado com relação a afastamento de magistrado”, mencionando que anteriormente teria havido “prorrogações automáticas e robóticas”, “sem nenhuma reflexão” e com base em “afirmações genéricas”.
O conselheiro Saulo Bahia acompanhou integralmente o voto de Frischeisen [que herdou o processo de outro relator]. “Não me importa as prorrogações anteriores, acompanho integralmente pelos fundamentos atuais”, disse Bahia. Frischeisen informou ao plenário que, dois dias antes, foi juntada aos autos uma certidão registrando que o magistrado não havia sido encontrado para citação.
A prorrogação do processo de Cônsuli por 120 dias foi aprovada por unanimidade. Por maioria, o colegiado votou favoravelmente à manutenção do afastamento do magistrado, vencidos os conselheiros Fabiano Silveira e Gisela Gondin.
Último a votar, Lewandowski disse que “os debates me convenceram da manutenção do afastamento do juiz”.
Ele encerrou a sessão, louvando o fato de o CNJ ter aprofundado a discussão sobre os casos de prorrogação de processos com afastamento de magistrados.