Supressão da proposta do Judiciário
“Não se discute a importância dos gastos, mas a forma abusiva como o orçamento foi suprimido”, afirma juiz.
Sob o título “Pela Valorização da Magistratura Federal“, o artigo a seguir é de autoria do Juiz Federal Nagibe de Melo Jorge Neto, diretor da Associação dos Juízes Federais da 5.ª Região – REJUFE.
No dia 16 de setembro, os juízes federais realizam, em todo o Brasil, um grande movimento pela valorização da magistratura federal. É preciso entender as causas do progressivo enfraquecimento da magistratura federal e os perigos que o menoscabo do Poder Judiciário pode trazer para a democracia.
No Estado de Direito que nos legou a Constituição de 1988, os três poderes da República são autônomos e independentes. Nenhum deles pode, ou poderia, se sobrepor aos demais. Há, ou deveria haver, um sistema de controles recíprocos. Sem isso não há, de verdade, Estado de Direito e o cidadão pode correr riscos pela hipertrofia de um dos poderes.
Independência implica autonomia financeira, orçamentária e gerencial. Isso não quer dizer que cada poder possa gastar o quer e como quer. Todos devem respeitar os limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF. Além disso, Executivo e Judiciário têm autonomia apenas para apresentar sua proposta orçamentária, nos limites traçados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas quem aprova ou desaprova o orçamento apresentado é o Poder Legislativo. É assim que a Constituição estabelece para que haja um equilíbrio entre os poderes, no Brasil e em todos os países do mundo ocidental civilizado que adotam o sistema de repartição de poderes.
Pois bem. O que está ocorrendo no Brasil é que o governo federal, o Poder Executivo portanto, simplesmente suprimiu a proposta orçamentária apresentada pelo Poder Judiciário, impedindo que ela, sequer, venha a ser apreciada pelo Poder Legislativo. Nesse primeiro momento, não se está discutindo a importância ou necessidade dos gastos, mas a forma abusiva como o orçamento do Poder Judiciário foi suprimido.
Essa prática não tem respaldo no texto da Constituição e já foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal. É importante destacar que isso contraria a noção de divisão de poderes desde Montesquieu. É, portanto, algo grave e deveria ser objeto de forte reação por parte da sociedade. Nossas instituições, contudo e como se vê, ainda são muito frágeis.
É claro que não temos o Judiciário que gostaríamos de ter. Também não temos o Legislativo que gostaríamos de ter. Mas será que isso justifica que o Executivo contrarie a Constituição e, sozinho, pela vontade de uma única pessoa, ponha e disponha sobre o orçamento do Judiciário? Para mim isso é um desrespeito à separação de poderes e às instituições democráticas. Algo grave e reprovável, pois.
E a proposta orçamentária do Judiciário em si, deveria ser aprovada ou desaprovada pelo Legislativo? Esse é outro ponto.
A remuneração da magistratura nacional não é uniforme em todo o território nacional. Há Estados em que os juízes ganham mais, outros em que ganham menos porque alguns Estados pagam vantagens previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, outros não.
A magistratura da União, juízes federais e do trabalho, é a que tem o pior regime remuneratório de todas da magistraturas do Brasil. Em muitos Estados, os juízes federais ganham menos que os juízes e promotores estaduais, advogados públicos e defensores públicos. Os juízes federais não recebem nenhuma vantagem além do subsídio, salvo o auxílio-alimentação, como recebem todos os servidores públicos federais. Os subsídios dos juízes acumulam perdas inflacionárias de mais de 30% (esse é o índice mais conservador) desde 2005, quando foi instituída a sistemática de pagamento em parcela única. A Constituição determina que essa parcela única, chamada subsídio, seja reajustada todos os anos pelos índices oficiais de inflação. Apesar disso, essa norma constitucional vem sendo reiteradamente descumprida.
Há outras distorções graves. Cito apenas uma. Um procurador da república é um membro do Ministério Público da União, responsável por investigar crimes, promover ações em defesa do interesse público, é o órgão de acusação. Os juízes federais julgam as ações apresentadas pelos procuradores da república, decidem sobre prisões, bloqueios de bens e tudo o mais. Já os juízes federais que atuam nos tribunais são chamados desembargadores federais.
Pois bem. A presidente da República acabou de sancionar a Lei 13.024/2014, que beneficia os procuradores da república, procuradores do trabalho e demais membros do Ministério Público da União, que exercem uma função importantíssima e devem ser valorizados, mas vetou o dispositivo da lei que concedia o mesmo tratamento aos juízes federais. Alguns dizem que isso se deu, entre outras coisas, porque a filha da presidente da república faz parte do Ministério Público da União.
É claro que eu não acredito em uma explicação tão simplista. Aliás, em termos remuneratórios, há muito tempo os procuradores da república têm um tratamento bem mais benéfico que os juízes federais. Para que se tenha uma pequena noção da distorção, um procurador da república recém empossado recebe até 50% a mais que um desembargador federal em final de carreira.
Além de vantagens remuneratórias, trata-se do cumprimento da Constituição, da valorização do Judiciário e da defesa do Estado de Direito. Sim, também de pagamento de contas. Afinal os juízes comem, têm filhos, pagam escola, planos de saúde etc.