Videoconferência agiliza processo

Frederico Vasconcelos

Cláudia Renaux

No último dia 18 de setembro, Y. foi preso em flagrante portando maconha e cocaína. No próximo dia 28, ele será interrogado e acompanhará –por meio de áudio e vídeo em tempo real– a sentença que será proferida pela juíza Cláudia Calbucci Renaux. Ela é titular da 13ª Vara Criminal do Estado de São Paulo, no Fórum da Barra Funda. (*)

A rapidez se deve ao uso da videoconferência, sistema em que o juiz e o preso se comunicam por imagens em telas duplas, instaladas no fórum e no local da detenção.

Preso no Centro de Detenção Provisória Chácara Belém 2, na capital, Y. tomou conhecimento na última sexta-feira (10) dos termos da denúncia. Trata-se da citação, o chamamento do réu ao processo.

A leitura da denúncia durou quatro minutos. Ele recebeu cópia da peça de acusação, que foi devolvida assinada com a opção de ser assistido por um Defensor Público. Pelo método tradicional, o mandado de citação teria que ser entregue por um oficial de justiça.

No mesmo dia, houve o primeiro contato online com um estagiário da Defensoria Pública, sem gravação da conversa. O preso expôs suas dúvidas e passou os dados para localização de testemunhas pelo Defensor Público que o representará. Se houver provas, elas serão apresentadas no dia da audiência.

A partir da citação, o réu tem dez dias para apresentar a defesa escrita.

“É uma prática que diminui os custos, reduz o tempo de duração do processo e garante ampla defesa, usando meios tecnológicos que estavam disponíveis e subutilizados”, diz a juíza Renaux.

O sistema elimina os riscos à segurança pública e os gastos com a escolta –o chamado “bonde”, transporte dos presos até o fórum.

O processo de Y. é o 298º realizado neste ano pela magistrada por meio de videoconferência. A vara faz cinco citações de réus num dia. Ela está preparando a audiência e julgamento por videoconferência de um réu que responde a processo em São Paulo e está preso no Rio Grande do Sul.

Como o sistema ainda não tem normas e padrões definidos, a videoconferência é uma iniciativa dos juízes com apoio da Defensoria Pública do Estado por meio de convênio.

A citação online de Y., por exemplo, deveria ter sido feita por um oficial de justiça. Foi realizada pela coordenadora do cartório da vara, Cynthia de Moura Tejo, deslocada para fazer os contatos.

Das 31 varas criminais do Fórum da Barra Funda, apenas quatro adotam o sistema online, enfrentando dificuldades. Há dez salas para videoconferência, mas três delas estão desativadas.

Os equipamentos e o pessoal de apoio são fornecidos pela Secretaria da Administração Penitenciária, órgão do governo estadual.

O interrogatório por videoconferência ainda enfrenta resistências, mas tem defensores e entusiastas.

O sistema foi instituído pela Lei 11.900, sancionada em janeiro de 2009 por Luiz Inácio Lula da Silva. A lei prevê as situações excepcionais em que o sistema pode ser aplicado, com as justificativas apresentadas pelo juiz.

Em 2005, o governador Geraldo Alckmin promulgou a Lei 11.819, permitindo a utilização de aparelhos de videoconferência no interrogatório e audiência de presos no Estado, “com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garanti ais constitucionais”.

O criminalista Tales Castelo Branco é contra a videoconferência. Em 2002, ele foi o autor de parecer que sustentou o voto da OAB-SP contra o teleinterrogatório.

O advogado diz que “a legislação retirou alguns excessos condenáveis, mas acabou criando essa anormalidade jurídica, uma afronta ao princípio da ampla defesa”.

Ele diz que a tentativa de modernizar a justiça obriga o réu a ter um advogado no fórum e outro no presídio. “É uma falácia.”

Primeiro juiz a adotar o interrogatório online, em 1996, o hoje advogado Luiz Flávio Gomes rejeita a avaliação do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso. Em voto, Peluso sustentou que a videoconferência torna a atividade judiciária “mecânica e insensível”. Ou seja, sem o olho no olho entre juízes e denunciados.

“Peluso estava completamente equivocado”, diz Gomes. “Hoje, devemos nos preocupar com a preservação das testemunhas, que têm medo de depor na presença do réu, especialmente se ele for policial ou do crime organizado”, diz. “Esse equipamento não é usado por conservadorismo”, diz o criminalista.

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, é favorável à videoconferência. Ele diz que os presos preferem esse sistema, “que só não foi plenamente adotado por um preconceito que precisa ser extirpado”.

“É lamentável a recusa por parte de agentes sustentados pelo Erário, à utilização de equipamentos caros e sofisticados, que poderiam abreviar a prestação jurisdicional e poupar a população dos inconvenientes de um deslocamento dos presos por centenas de quilômetros, com o desvio de função de milicianos e gastos inadmissíveis num período de contenção”, diz Nalini.

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(*) A reportagem, de autoria do editor deste Blog, foi publicada originalmente na edição desta quinta-feira (16), na Folha.