“Juiz que não defende os seus direitos não merece o crédito da sociedade”
Sob o título “Os Juízes Federais e a defesa dos seus direitos“, o artigo a seguir é de autoria de Marcos Mairton, Juiz Federal no Ceará. O texto foi enviado ao Blog nesta quinta-feira (16).
27 de outubro de 1978. Em plena vigência do Ato Institucional n° 5, o juiz federal Márcio José de Moraes condenou a União Federal pela prisão, tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog.
17 de março de 2014. É deflagrada a Operação Lava Jato, com a participação de cerca de 400 policiais federais, dando cumprimento a 81 mandados de busca e apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, 10 mandados de prisão temporária e 19 mandados de condução coercitiva.
Em decorrência de tal operação, o juiz federal Sérgio Moro viria a sofrer, em outubro do mesmo ano, pesadas críticas, por disponibilizar para o público, em período eleitoral, os interrogatórios dos acusados Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef. Esses depoimentos revelaram informações sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras, políticos e seus partidos, podendo ter consequências sobre a eleição para a Presidência da República.
O que esses dois fatos têm em comum? A atuação de juízes federais em momentos de alta relevância para o Brasil. Em ambas as situações, o juiz federal responsável pelo caso pôs o cumprimento das leis e da Constituição acima de preocupações com seus próprios interesses pessoais e até de sua integridade física.
Mas esses exemplos servem apenas para ilustrar a afirmação que acaba de ser feita. Na verdade, a atuação dos juízes federais em prol de um Brasil mais justo, ético e republicano revela-se em muitas outras ocasiões de menor repercussão na mídia, embora igualmente relevantes.
Prova disso é que, nas inúmeras operações realizadas pela Polícia Federal, as prisões, as apreensões de documentos, as escutas telefônicas, cada uma dessas medidas é efetivada em cumprimento a decisões de juízes federais. A Polícia Federal investiga, o Ministério Público Federal opina – e também formula seus pedidos – mas quem decide o que pode e deve ser feito é o juiz federal. Depois de tudo apurado, depois de todo o processo, dos depoimentos, das provas e das alegações das partes, é também o juiz federal quem julga, seja condenando, seja absolvendo.
Mas, o papel dos juízes federais não se resume à esfera criminal. Quantas aposentadorias já foram negadas pelo INSS e concedidas por ordem de um juiz federal! Quantos benefícios restabelecidos! Quantos contratos imobiliários ajustados às condições do mutuário! Quantos tratamentos médicos foram proporcionados! Hoje em dia, é difícil encontrar alguém que já não tenha buscado a Justiça Federal para restabelecer um direito lesado pelo Governo Federal ou por uma de suas autarquias.
Evidentemente que o direito pleiteado nem sempre é reconhecido. Afinal, para julgar contra a União Federal ou a favor dela, o juiz federal deve ter independência.
Independência. Eis um atributo do qual os juízes federais nunca abriram mão. Embora que ataques à atuação firme e independente dos juízes federais sempre aconteçam de tempos em tempos.
Ultimamente, esses ataques têm sido de diversas formas.
Uma delas foi o corte que a Presidente da República fez no orçamento do Poder Judiciário, excluindo as verbas necessárias ao reajuste do subsídio dos juízes para o ano de 2015. Ora, bem se sabe que os Poderes da República são independentes entre si. Não cabe, portanto, ao Executivo, imiscuir-se no orçamento do Judiciário. O orçamento é objeto de discussão e alteração no âmbito do Poder Legislativo –é isso que prevê a Constituição– não no Executivo!
Mas, há mais. Em agosto passado, o Congresso Nacional aprovou e a presidente da República sancionou a Lei 13.024, que concede aos Procuradores da República uma gratificação para atuação em atividades extraordinárias. Nada mais justo. Para trabalho extra, pagamento extra. Acontece que havia na referida lei um artigo que estendia a mesma gratificação aos juízes federais, decorrência da simetria entre as duas funções: o que os juízes federais ganham, os procuradores da República também recebem. E vice-versa.
Ocorre que a presidente da República vetou esse artigo que beneficiava os juízes. Uma afronta à dignidade dos magistrados federais. Um ataque deliberado à simetria entre juízes e membros do Ministério Público, prevista na Constituição Brasileira. Se um procurador da República acumular funções, deve ser remunerado; se um juiz federal acumular, o trabalho deve ser gratuito. É essa a situação posta.
Poder-se-ia questionar aqui a razão de os juízes federais estarem recebendo esse tratamento discriminatório por parte da Presidência da República. Mas a reflexão ora proposta é outra: É razoável esperar que os juízes federais aceitem tal situação passivamente? Que abram mão de um direito que lhes é garantido pela Constituição Federal?
Claro que não. Esses homens e mulheres, habituados a se expor a críticas e incompreensões daqueles que têm interesses contrariados por suas decisões; que muitas vezes arriscam a integridade física –e a própria vida– em favor do combate à criminalidade e do restabelecimento dos direitos daqueles que buscam a Justiça, não podem nem devem se quedar inertes, justo na hora de defender os seus próprios direitos. É da sua formação conhecer os direitos das pessoas; é da sua natureza fazê-los respeitados.
É óbvio que, sendo pessoas extremamente responsáveis, conscientes da importância de seu papel na sociedade –como de fato são– preferirão a defesa dos seus direitos por meio do diálogo, do tratamento institucional da questão. No entanto, havendo intransigência dos membros de Poder aptos a resolver o problema, não deve ser nenhuma surpresa que os juízes federais defendam a sua dignidade por meio de atitudes.
Um juiz que não defende com altivez os próprios direitos não merece o crédito da sociedade no seu dever de zelar pela ordem jurídica!