Juízes federais registram em ata protesto contra veto de Dilma

Frederico Vasconcelos

Turma recursal adia sessão de julgamento depois da advertência do corregedor-geral sobre conduta omissiva.

Na última sexta-feira (17), a 3ª Turma Recursal da Justiça Federal do Rio de Janeiro adiou para novembro uma sessão de julgamentos e fez constar em ata que o adiamento era um protesto ao veto da presidente Dilma Rousseff, que não estendeu à magistratura uma gratificação instituída para o Ministério Público da União, “carreira esta integrada pela própria filha da Presidente da República”.

Em agosto, Dilma vetou o artigo 17 da Lei 13.024, dispositivo que aplicava à magistratura da União a “gratificação por exercício cumulativo de ofícios”. A presidente alegou “inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”.(*)

“Enquanto não derrubado o referido veto ou aprovado projeto semelhante para a Magistratura Federal, os Juízes somente atuarão em seus órgãos de origem e nos processos de sua exclusiva competência”, registra a ata assinada pelo presidente da Turma, Juiz Federal Fabrício Fernandes de Castro.

A Turma julga recursos dos juizados especiais, sobretudo demandas de natureza previdenciária.

No documento público, atribui-se o adiamento à falta de quórum em razão de decisão tomada em assembleia-geral da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) prevendo que “os Juízes somente atuarão em seus órgãos de origem e nos processos de sua exclusiva competência”.

A ata foi divulgada na lista de discussões dos juízes federais na internet.

Eis a íntegra da ata:

Para ciência dos colegas:
Encerrada a Sessão às 14 horas e 30 minutos.
Por ordem do Presidente da Sessão, todos os processos constantes da pauta de julgamento foram adiados para a sessão do dia 27/11/2014 às 14h, ante a falta de quórum, devida à decisão da Associação dos Juízes Federais do Brasil, tomada em Assembleia Geral, após o veto presidencial ao art. 17 da lei 13.024, acompanhado da sanção da referida lei que instituiu o pagamento de gratificação por acumulação de ofícios no âmbito do Ministério Público da União, carreira esta integrada pela própria filha da Presidente da República.
Destarte, enquanto não derrubado o referido veto ou aprovado projeto semelhante para a Magistratura Federal, os Juízes somente atuarão em seus órgãos de origem e nos processos de sua exclusiva competência.
Participaram da sessão de julgamento os Juízes Federais Fabrício Fernandes de Castro e Marcello Enes Figueira.
A Juíza Federal Flávia Heine Peixoto encontra-se em férias regulamentares.
E para constar, eu, Cenira Maria Costa Leite, secretária da Sessão de Julgamento, matrícula 14.512, lavrei a presente ata, que segue assinada pelo Juiz Federal Presidente da Sessão.

Fabrício Fernandes de Castro
Juiz Federal Presidente da 3ª Turma Recursal

 

Consultado pelo Blog, o presidente da Ajufe, Antonio César Bochenek, não comentou a decisão da Turma Recursal, enviando uma nota em que expõe a posição da entidade sobre o movimento da magistratura federal [leia a íntegra mais abaixo].

Bochenek afirma que, em consulta realizada pela entidade em setembro, “mais de 92% dos associados responderam que não participariam de mutirões de julgamento até a aprovação do projeto de lei de acúmulo para a magistratura ou o reconhecimento da simetria pelo CNJ”.

Segundo o presidente da Ajufe, as corregedorias foram informadas sobre essa consulta aos associados.

O protesto da Turma Recursal foi realizado três dias depois de o corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Humberto Martins, enviar ofício aos corregedores regionais, determinando a adoção de “providências quanto à alegação de que juízes federais estão deixando de atuar em processos que não pertencem ao seu acervo, mas que neles deveriam oficiar”.

Martins alegou que a recusa de magistrados, “além de constituir ilícito administrativo, ofende o Estado Democrático de Direito”.

O corregedor-geral determinou que fosse apurado, “de imediato, a ocorrência de tal conduta omissiva, adotando as providências cabíveis e informando-as à Corregedoria-Geral no prazo de 15 dias”.

A presidente da Ajufer (reúne juízes federais da Primeira Região), Candice Lavocat Galvão Jobim, divulgou a seguinte orientação aos associados:

“Desde o início do processo de mobilização pela aprovação do PL 7717 e pela implementação da simetria, a Ajufer esteve ao lado dos seus associados e assim continuará agindo.

Hoje todos recebemos um ofício da Corregedoria pedindo para nos manifestarmos a respeito da nossa atuação nos processos que não são do nosso acervo e isso causou desconforto para muitos dos nossos colegas.

Assim, nossa diretoria está considerando qual será a melhor forma de darmos direcionamento ao assunto, inclusive a hipótese de a Ajufer se manifestar pelos nossos associados

Em função disso, sugiro aos colegas que aguardem nosso próximo comunicado antes de mandarem suas respostas à corregedoria”.

Eis a nota enviada ao Blog pelo presidente da Ajufe, Antonio César Bochenek:

A AJUFE realizou uma consulta aos associados a respeito da orientação política associativa a ser seguida após sucessivas ações e omissões praticadas em detrimento da dignidade da magistratura federal.

O ponto culminante deste processo foi o veto ao projeto de lei em relação a magistratura da União e a concessão da gratificação por acúmulo de funções jurisdicionais aos membros do ministério público da União, agravada pelo corte unilateral da Presidente da República no orçamento do judiciário quando do envio ao legislativo, que fere a independência dos poderes e impede a aprovação de projetos de lei do judiciário em benefício da prestação jurisdicional.

A consulta realizada pela AJUFE nos dias 3 a 7 de setembro deste ano contou com a participação de cerca de 70% dos associados. Mais de 83% dos votantes manifestaram-se pela recusa do acúmulo de funções jurisdicionais, mais de 85% dos associados manifestaram-se pela recusa das funções administrativas. Ainda mais de 92% dos associados responderam que não participariam de mutirões de julgamento até a aprovação do projeto de lei de acúmulo para a magistratura ou o reconhecimento da simetria pelo CNJ. As corregedorias foram comunicadas a respeito da consulta da AJUFE.

Vale relembrar que a Constituição e as decisões do STF reconhecem a magistratura como teto remuneratório máximo do serviço público federal e o CNJ em 2011 reconheceu a simetria entre a magistratura e o ministério público, ambas não implementadas até hoje e que acentuam as diferenças de tratamento entre as carreiras jurídicas.

Seria possível citar inúmeros argumentos a respeito do tema. Por brevidade cito duas manifestações públicas do CJF e CNJ.

Nenhum juiz investe-se no cargo para responder perenemente por dois ou mais acervos processuais ou por duas varas, como nenhum Desembargador ou Ministro acende ao Tribunal para funcionar em dois gabinetes. Como afirmou o Ministro Arnaldo Esteves, então Corregedor Geral da Justiça Federal, no PP CJF PPN 2013/52, que originou o projeto de lei que cria a gratificação por acúmulo de funções jurisdicionais e administrativas aos magistrados federais (atual PL 7717/24 em tramitação na Câmara dos Deputados): “O ofício do juiz é prestar a jurisdição no cargo por ele assumido – juiz federal ou juiz federal substituto – e na unidade jurisdicional em que foi lotado (…).” […] Prosseguindo, afirmou que “a sobrecarga de trabalho a que submetidos os juízes, decorre, primordialmente, do fato de o quadro de juízes federais e juízes federais substitutos não se encontrar plenamente satisfeito.”

O Conselheiro Emmanoel Campelo de Souza Pereira em voto proferido no CNJ (PP 0004102-41.2013.2.00.0000) assentou que “Não seria ético e decente que os magistrados trabalhassem extraordinariamente e não fizessem jus a nenhuma compensação, já que não poderão usufruir de folgas, sob pena de comprometer a prestação jurisdicional. Não se exige de nenhum trabalhador no Brasil que trabalhe gratuitamente, porque se deveria exigir do magistrado?”

Em relação a manifestação da atuação política associativa em processos judiciais é preciso ter em conta que a Constituição estabelece o princípio da independência judicial, ou seja, o juiz é livre para decidir de acordo com o seu convencimento e as suas decisões são sujeitas a recursos as instâncias superiores. Na prática, alguns recursos foram providos, o que mostra que se trata de questão eminentemente jurisdicional e inerente à independência judicial, eis que versa sobre regra de competência processual.

Por fim, o Conselho Nacional de Justiça é testemunha da operosidade e abnegação dos Juízes e Desembargadores Federais no cumprimento retilíneo de seu mister: segundo o Justiça em Números, os Magistrados Federais são os mais produtivos do país e os que possuem a maior carga de serviço. Ainda segundo o Conselho a Justiça Federal é superavitária, ou seja, arrecada o dobro do seu custo. A magistrados federais produzem muito acima do que é recomendado pela ONU e contribuem significativamente para a Justiça Federal esteja na vanguarda do serviço público federal, em especial na informatização dos processos e o combate ao crimes de corrupção e organizações criminosas.

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(*) Eis as razões do veto enviadas pela presidente Dilma Rousseff ao Senado Federal: “O dispositivo não atende à determinação contida no art. 169 da Constituição, pois, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias em vigor, não foi objeto de autorização específica no Anexo V da Lei Orçamentária de 2014 (Lei no 12.952, de 20 de janeiro de 2014). Além disso, a geração de despesa obrigatória de caráter continuado sem a estimativa de impacto orçamentário-financeiro e sem a demonstração da origem de recursos para seu custeio encontra óbice na Lei de Responsabilidade Fiscal.”