Dipp: “Eu não faria acordo de leniência se fosse advogado de empresa”

Frederico Vasconcelos

Gilson DippO ministro Gilson Dipp, aposentado do Superior Tribunal de Justiça em setembro, diz que não vê nenhum benefício para a empresa que faz acordo de leniência.

Ex-corregedor nacional de Justiça, mentor das varas federais especializadas em julgar crimes financeiros e lavagem de dinheiro, Dipp fez uma detida análise da Lei Anticorrupção, tendo examinado artigo por artigo da nova legislação.

As opiniões do ministro foram emitidas durante entrevista concedida ao editor do Blog no início deste mês, em Brasília.

Segundo ele, quando se faz um acordo, imagina-se benefício para ambas as partes. “Eu não vejo hoje nenhum ou quase nenhum benefício para a empresa que faz o acordo. Está sujeita a severas penalidades. O acordo não isenta e não exime o Ministério Público de entrar com ação penal contra os dirigentes e sócios. Não impede que o Fisco aja independentemente para cobrar os tributos devidos”, diz.

“Eu não faria acordo de leniência se fosse advogado de empresa”, afirma.

A lei ainda não foi regulamentada pelo Executivo federal. Dipp elogia a regulamentação feita pela Controladoria do Município de São Paulo e pela controladoria do Estado de São Paulo.

“A regulamentação não é necessária para a aplicação da lei. A regulamentação só vai dar o formato, a dosimetria.”

“A minha preocupação é a estrutura do Estado brasileiro para aplicar uma lei moderna. Ela não vai ser aplicada sem que, desde o nascedouro, uma portaria administrativa passe pelo Judiciário. Quem vai dar os contornos é o juiz. É o Judiciário.”

“A legislação é moderna, tem a novidade que é a responsabilidade objetiva da empresa que corrompe agentes públicos estrangeiros ou nacionais. Ela é uma lei penal travestida de lei civil e administrativa. Todas as suas penalidades guardam uma cor, um caráter penal, que só não foi dado porque temos no Código Penal sérias dúvidas sobre a possibilidade de penalizar a pessoa jurídica.”

“As empresas podem ser empresas públicas e privadas. A empresa pública é objeto da corrupção. Você não pode dar à administração um caráter de ilegalidade. Quem vai delinquir são seus dirigentes. A Petrobras é órgão de Estado lesado”, avalia.

“Uma lei que era para ser penal, acabou sendo administrativa e civil, mas com conotação com procedimentos, penas que são do direito penal.”

A nova lei estimula a adoção de procedimentos de prevenção nas empresas. “O que não é novidade no Brasil porque o Banco Central já sempre fez isso para combater a lavagaem de dinheiro. Os bancos são obrigados a conhecer os seus clientes e os clientes de seus clientes”, diz Dipp.

Ele vê um aspecto benéfico, porque as pequenas e médias empresas terão que adotar essas práticas preventivas.

“A Siemens está dando um exemplo, fez um acordo de leniência, está colaborando. E o controlador da Siemens dá palestras para empresas pequenas. É educativo”, diz.

“Mas está havendo um terrorismo, porque as empresas acham que a lei será aplicada imediatamente. Não será”, diz.

“Quando as autoridades públicas dizem que os efeitos já foram alcançados com os mecanismos de prevenção que as empresas estão fazendo, eu concordo”.

Segundo o ministro, hoje o maior mercado de advocacia no Brasil é o de advogados especializados em “compliance”.