Uma nova ordem de coisas no país
Sob o título “Tapar o sol com a peneira!”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele assina o texto como “magistrado e cidadão brasileiro”.
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Ricardo Lewandowski, rebateu críticas do também ministro Gilmar Mendes, em entrevista à Folha, a dar conta dos riscos do Tribunal transformar-se numa “corte bolivariana”, uma vez que o PT, no fim de 2016, terá indicado 10 de seus 11 integrantes.
E o ministro presidente o faz com base na demonstração de independência de todos os juízes do STF, relativamente aos presidentes da República que os indicaram e os venham a indicar. Evidentemente, até pela inconveniência disto, aquele não entrou no mérito do critério das indicações, limitando-se a dizê-las previstas na Constituição Federal.
A par das conhecidas mazelas desse tipo de indicação (eminentemente política, embora fundada na Constituição), pelas regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, no mínimo questionável a dita “total independência dos ministros” (de hoje e de amanhã). Seres humanos, que também o são, estão sujeitos às vicissitudes da vida de relação, com as mais que possíveis variáveis dos contextos dos julgamentos que se lhes apresentem.
E a história nos dá conta dessas perspectivas, inclusive sob a ótica do conhecido processo do Mensalão. Conquanto haja casos e casos, ninguém duvida –-ou se recusa a acreditar– da real possibilidade de interação entre a vontade do indicado e daquele que o indicou. Isso, em que pese à independência funcional do magistrado, prevista no papel.
Assim, tem razão o ministro Gilmar ao preocupar-se com o que está por vir, pelo possível comprometimento do STF, no seu papel de contrapeso institucional, acabando por vir a cumprir e chancelar as vontades do Poder Executivo.
As relações político/pessoais sempre existiram e existirão. Porém, a ação do PT tem escancarado a realidade duma nova ordem de coisas no País –o aparelhamento do Estado, em todos os níveis, tendo por alça de mira os interesses dos poderosos de plantão. Isto, num grau –histórico-– nunca dantes visto.
Abramos um parêntese, para esclarecer que a expressão “bolivarianismo” serve à designação de políticas intervencionistas em todas as esferas públicas, preconizadas pelo falecido Hugo Chávez e seus aliados na Venezuela. Dentre estes, Nicolás Maduro, Cristina Kirchner e, aqui, os dirigentes petistas.
É fato: como disse Lewandowski, ao indicarem os ministros, os presidentes da República cumprem dever constitucional. Todavia, isso não para aí! A par do tal dever, sem dúvida, fazem-no atentos a critérios de oportunidade e conveniência. Noutras palavras, colocam no Tribunal aqueles cujo perfil político/social mais lhes atendam aos interesses.
Sopesando-se tudo isto, não se pode tirar razão ao ministro Gilmar na sua manifesta apreensão pelo futuro do STF, preocupação legítima de quem tenciona manter intocada a real independência funcional de seus ministros.
Não se pode, pois, “tapar o sol com a peneira” –-no sentido de fazer de conta que o risco não existe e que a só indicação, qual hoje inda feita, ponha incólume a missão constitucional do STF.