Estupro de menor: decisão memorável
Argumentos do TJ-SP para absolver acusado de estuprar menor de 11 anos reproduzem “padrão de comportamento judicial tipicamente patriarcal”, diz STJ.
Merece registro o acórdão do Superior Tribunal de Justiça em recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra decisão do TJ de São Paulo que absolvera Benedito Edvaldo dos Santos da acusação de estupro de menor. (*)
O relator é o ministro Rogerio Schietti Cruz.
Por maioria, a sexta turma do STJ deu provimento ao recurso, determinando a remessa dos autos ao Tribunal paulista para fixação de pena.
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1 – A jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido de que é absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, “a”, do CPB), quando a vítima não for maior de 14 anos de idade.
2 – No caso, o recorrido praticou, por duas vezes, conjunção carnal com a ofendida, com 11 anos de idade à época dos fatos, sob o argumento de que ambos já haviam se encontrado em ocasiões anteriores e que as relações sexuais seriam consentidas e desejadas livremente pela vítima.
3 – É entendimento consolidado desta Corte Superior de Justiça que a aquiescência do adolescente ou – como ocorreu na espécie – da criança não tem relevância jurídico-penal na tipificação da conduta criminosa (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010).
4. Repudiáveis os fundamentos empregados na origem para absolver o recorrido, ao reproduzirem padrão de comportamento judicial tipicamente patriarcal, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu.
5. No caso em exame, à vítima foi negada expressamente a condição de ainda ser uma criança em formação psíquica e emocional, simplesmente porque se mostrou, posteriormente, segura e tranquila ao depor sobre sua experiência de passar duas noites na companhia do recorrido, sendo certo, nas palavras dos julgadores, que buscou o relacionamento sexual com o recorrido – que contava então com 27 anos de idade – “por vontade própria, sabendo o quê significava”, com “plena consciência do que estava fazendo e completa sensibilidade a respeito do ato”, tendo demonstrado estar “preparada para a opção por ela feita, independentemente de sua faixa etária”.
6. É anacrônico, a seu turno, o discurso que procura associar a evolução moral dos costumes e o acesso à informação como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certas minorias, física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas. A sobrevivência de tal doxa – despida, pois, de qualquer lastro científico – acaba por desproteger e expor pessoas ainda imaturas a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce, como na espécie, ou a outras formas de violência facilitada pela condição da vítima.
7 – Recurso especial provido, para condenar o recorrido pelo delito previsto no artigo 213, c/c os artigos 224, “a” (antes da entrada em vigor da Lei n. 12.015/09), e 226, II, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para fixação da pena.
(*) REsp 1112180/SP, julgado em 07/08/2014, DJe 17/11/2014