Meta é zerar acervo até a aposentadoria

Frederico Vasconcelos

O desembargador William Marinho de Faria, da subseção 2 de Direito Privado, diz que “as pessoas que não trabalham no Tribunal de Justiça não têm a mínima ideia de como os magistrados (inclusive, os membros do Ministério Público e os servidores) dão o sangue para que os jurisdicionados obtenham a solução dos seus litígios”.

“Ninguém se incomoda com a saúde dos desembargadores –-na sua maioria idosos-– e dos juízes que têm de dar conta das metas sufocantes impostas pelo CNJ. Via de regra, os magistrados judicam em ambientes insalubres, com instalações precárias, coadjuvados por funcionários sem suficiente preparo”.

“Tenho feito –-como os meus colegas-– todo o esforço possível para dar cabo aos processos, que me foram distribuídos. Mas, pretendo fazer muito mais. Minha equipe está motivada a terminar com todo o meu acervo até a data da minha aposentadoria (julho do ano que vem). Cada assistente encarregará de elaborar o relatório de 80 processos por mês, numa média de 400, sem prejuízo dos agravos e prevenções.

O desembargador questiona os dados utilizados pela reportagem. “Tal estatística fica desde já impugnada: a) por falta de contagem física dos processos; b) por incluir processos já examinados e/ou em diligências; c) por não ter sido excluídos os processos já julgados (erro no SAJ); d) por falta de contemporaneidade com a época da reportagem prenunciada”.
Eis trechos da correspondência enviada pelo magistrado:

Certamente foram computados os processos remetidos à Vara de origem, como sói acontecer; é que, permanecem por muito tempo constando do acervo do desembargador os processos liquidados – neste passo, o SAJ contribui para esse equívoco.

Falta também deduzir do acervo os processos, que embora julgados, ainda não tiveram os respectivos acórdãos assinados. Isso acontece, porque depois de revistos e encaminhados à Mesa, os julgamentos deverão ser assinados pelo Desembargador Relator, para os processos serem baixados do acervo constante do SAJ. No entanto, muitos processos saem do gabinete, mas por alguma razão não dão normal sequência.

Da mesma forma, os processos em que se determina diligência continuam figurando no acervo do Desembargador, quando não deveria para efeito de estatística. As diligências são tomadas pelo princípio da equidade – tão relevante quanto à celeridade processual – e oportunizam às partes instruir melhor seus processos, permitindo sejam analisado mais profundamente, o que vem a beneficiar bastante as partes.

Não se pode olvidar que a estatística em comento data de 31/10. Logo, bem distante da situação de agora.

Ponderadas tais circunstâncias, é de se concluir que o real acervo do Desembargador naquela data não passaria de 1.000 processos. Este é número atual, deduzindo-se os equívocos já apontados.

O gabinete, este ano, ressentiu a falta de pessoal.

Sucede que o assistente ou o escrevente pessoal que teve de se afastar por algum motivo, não pôde ser substituído. Por força de norma do Tribunal, ao gabinete que estiver com todas as vagas ocupadas não se autoriza a substituição de funcionário. De sorte que, houve assistente que faltou muito ao trabalho, já que como pai de gêmeos, nascidos prematuramente, teve de cuidar deles durante o seu expediente normal. Outra assistente gozou da licença maternidade, em boa parte deste ano. Uma das escreventes foi obrigada a afastar do trabalho por muitos meses, para olhar a sua filha com síndrome do pânico. Todos esses afastamentos por longo período comprometeram em demasia a produtividade do Desembargador.

Outros entraves extraprocessuais: a) lentidão dos computadores, b) queda constante de energia.

Os computadores do gabinete têm funcionamento muito lento, dificultando as pesquisas de antecedentes do Desembargador, da Câmara, do Tribunal e/ou dos tribunais superiores. Inegável que tal defeito prejudica a agilização dos trabalhos. A par disso, é frequente a ocorrência de interrupções de energia elétrica (“apagões”) no prédio, onde o Desembargador trabalha. Trata-se de evento inesperado, mas corriqueiro, gerador da perda de muitos votos quase prontos.

O Desembargador é portador de diversas doenças que nada colaboram para a eficiência do seu trabalho: a) mal de crohn – cid k50, b) diabetes, c) hipertensão arterial, d) apneia.

Para tratar do mal de crohn, o Desembargador toma uma injeção subcutânea que lhe abaixa imunidade, de tal sorte que qualquer resfriado evolui para pneumonia. Tanto que em menos de três meses foi internado duas vezes por causa desta enfermidade _ neste caso, certo seria falar de baixa imunidade, ao invés de baixa produtividade. A doença que mais atrapalha a performance do Desembargador é apneia, por provocar sonolência excessiva diurna –é como se trabalhasse “com freio de mão puxado”. O sono cai de repente, de forma incontrolável, em decorrência da má qualidade de sono noturno.

Acresça a essas doenças, o problema da saúde financeira. O Desembargador veio do seio de uma família pobre e proletária (filho mais velho de 10 irmãos). Até hoje os seus familiares contam com a sua ajuda financeira para completar seus parcos recursos. Seus vencimentos, porém, nem sempre cobrem todas essas despesas. O saldo devedor gera empréstimos, que por sua vez, complicam mais a situação financeira do Desembargador. Está ele sempre em constante apreensão, que acaba embotando a sua mente e truncando o seu trabalho (é bom que saiba que o Desembargador já ajuizou medidas judiciais contra o Banco do Brasil, para equacionar o seu “déficit”).

Cumpre, outrossim, consignar que o desempenho dos colegas da Câmara (18ª do DP 1) tem, de certa forma, perturbado a atuação do Desembargador. Não raras vezes, atuando como relator, o Desembargador suspende as suas decisões para fazer a revisão dos processos de Relatoria de outro colega. E, quando chega a pauta da sessão, tem de estudar os votos de outros desembargadores, na condição de vogal (3º julgador). Note-se que a produtividade dos seus pares é altíssima, mas, paradoxalmente desarruma a programação do Desembargador. São colocados semanalmente para julgamento, em média, 400 processos, exigindo do Desembargador dois dias de suspensão de seus serviços, para dedicar ao estudo dos processos pautados. Essa é também mais uma causa de atraso.

O sistema atual revelou-se ineficiente. Os processos são selecionados por ordem de antiguidade e prioridade, cabendo a cada assistente realizar seu trabalho dentro do seu limite.

O gabinete resolveu mudar de atitude. Os assistentes estão dispostos a cumprir metas, de tal forma que possa atingir em média 400 processos/mês. Assim, dentro de cinco meses, todo o acervo do Desembargador será zerado.

Os processos serão agrupados por assunto. O planejamento já foi experimentado por outros desembargadores, com sucesso.

É bom que se lembre: o Desembargador, para ingressar na Magistratura, prestou concurso, tendo se submetido ao exame de psicotécnico. Certamente, restou revelado seu perfil de trabalhador, regular e, não expedito. Não se pode, quase no final de sua carreira exigir que ele mude de perfil.

A reportagem, que V. Sa. pretende realizar, poderia também diagnosticar a razão de a morosidade na tramitação dos processos é um problema crônico no Estado de São Paulo. É que o Governo não investe no Poder Judiciário. Ao contrário do Rio de Janeiro, que tem índices melhores de produtividade.

Tivesse estrutura, haveria pessoal para substituir os funcionários que se afastaram por motivos justificados; entretanto o gabinete funcionou de maneira capenga por falta de investimento.

Se o Governo do Estado tivesse pago o valor que deve ao Desembargador, ele não teria passado dificuldade financeira. Ele tem mais de R$ 1 milhão para receber de atrasos.