Deboche e afronta em queixa-crime

Frederico Vasconcelos

Assaltante tem nariz fraturado durante roubo e quebra a cara ao alegar na Justiça que foi vítima de lesão corporal.

 

“Após longos anos no exercício da magistratura, talvez seja o presente caso o de maior aberração postulatória. A pretensão de querelante, criminoso confesso nos termos da própria inicial, apresenta-se como um indubitável deboche, constituindo-se em uma afronta ao Judiciário”.

Esta foi a manifestação do juiz Antonio Carlos Parreira, de Belo Horizonte, em decisão compartilhada no Facebook e  enviada ao Blog por um colega magistrado.

Eis o teor da decisão (*):

Juízo: 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte – Feito nº: 0024 08 246471-0
Natureza: Lesões Corporais Querelante: WRF Querelados: MMV LSLR

Vistos etc. Versam os presentes autos sobre queixa-crime, proposta em face dos querelados em epígrafe. Narra a inicial que o querelante, ao cometer crime de roubo no interior da Padaria Passa Bem, debruçando-se o caixa e aparentemente apontando uma arma de fogo para a gerente, teria tido a ação interrompida pela querelado MMV que, percebendo tratar-se de um assalto, teria ido em socorro da funcionária do estabelecimento e, em conseqüência, travado um embate corporal com o querelante, vindo este a fraturar o nariz.

Absurdamente, alegando o assaltante ser vítima do crime tipificado no art. 129, do Código Penal, porque a ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos, ajuizou ele a presente ação penal, juntando aos autos a documentação de ff. 06-22.

Relatados, Decido:

A queixa-crime ofertada deve ser de pronto rejeitada uma vez não se vislumbrar qualquer fato criminoso praticado pelos querelados, tratando-se o caso de verdadeira excludente de ilicitude, mais precisamente de legitima defesa.

Certo é que da documentação juntada não se percebe qualquer excesso por parte do comerciante MMV, que teria apenas buscado garantir a integridade física de sua funcionária e, por desdobramento, seu próprio patrimônio.

Em segundo momento, a exordial não descreve qualquer conduta delitiva imputada a LSLR, segundo querelado.

Destaca-se ainda que nem o exame de corpo de delito juntado à f. 30, ou qualquer outro documento colacionado pelo querelante, esclareceu o grau da lesão sofrida e, em assim sendo, poderia eventual delito, em tese, ser da competência do Juizado Especial Criminal e, assim excluída a apreciação do fato pela Justiça Comum. Registre-se ainda que em caso de instauração de ação penal, esta seria pública e não privada.

Por fim, observo que após longos anos no exercício da magistratura, talvez seja o presente caso o de maior aberração postulatória. A pretensão de querelante, criminoso confesso nos termos da própria inicial, apresenta-se como um indubitável deboche, constituindo-se em uma afronta ao Judiciário.

Assim pelos fundamentos apresentados, REJEITO A QUEIXA-CRIME, a teor dos artigos 41 e 43, inciso I, ambos do Código de Processo Penal. Custas pelo querelante. Com o trânsito em julgado da presente decisão, dê-se baixa na distribuição, arquivando-se após conforme de estilo.

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(*) Inquérito: 002408246471-0-TJMG