Sigilo da fonte ainda sob ameaça

Frederico Vasconcelos

Telefone e Máquina de escrever

Merece leitura atenta a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que suspendeu, em caráter liminar, a quebra do sigilo telefônico do repórter Allan de Abreu e do jornal “Diário da Região“, de São José do Rio Preto.

As manifestações comemorando a concessão da liminar –em reclamação ajuizada pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ)– deram destaque principalmente à afirmação do presidente do STF de que está em jogo uma das garantias mais importantes à liberdade de imprensa: o sigilo da fonte.

Ao deferir parcialmente o pedido, o ministro deu igual peso à questão da violação do segredo de justiça. E afirmou que “o tema em debate é da mais alta complexidade”, transferindo a continuidade do caso ao ministro Dias Toffoli, relator sorteado.

No mérito, a ANJ pretende obter a cassação da decisão do juiz de São José do Rio Preto, restabelecendo a autoridade da decisão do Supremo no julgamento da ADPF Nº 130. Nesse julgamento, segundo a ANJ, o STF “estabeleceu a impossibilidade de o Estado fixar quaisquer condicionamentos e restrições relacionados ao exercício da profissão jornalística, inclusive no que se refere à violação à garantia constitucional do sigilo da fonte”.

A ANJ lista outras decisões do STF nessa mesma direção. Ou seja, a ANJ espera que o Supremo determine que as operadoras de telefonia abstenham-se definitivamente de informar as linhas telefônicas do jornalista Allan de Abreu Aio e do jornal “Diário da Região“.

Ao deferir em parte a liminar, no último dia 8, Lewandowski pediu informações ao juízo prolator da decisão e parecer da Procuradoria Geral da República. Será que Rodrigo Janot vai desautorizar os membros do Ministério Público Federal que pediram a quebra do sigilo do repórter e do jornal?

Em fevereiro de 2014, o delegado havia encerrado o inquérito sem indiciar o jornalista. Inconformado, o MPF requereu, em julho, autorização judicial, com quebra de sigilo, para acessar os dados das linhas telefônicas em nome do jornalista e do jornal. O pedido foi acolhido pelo juízo da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto, que determinou a expedição de ofício às operadoras de serviços telefônicos.

A título de retratar a “permanente tensão entre o acesso à informação e a obtenção dados sigilosos”, Lewandowski transcreve em sua decisão trechos de artigo da jornalista e professora da Universidade Federal Fluminense Sylvia Debossan Moretzsohn sob o título “Sigilo de fonte e violação do segredo de justiça“, publicado em 23 de dezembro de 2014 no site “Observatório da Imprensa“.

Embora afirme considerar que é essencial “contestar as pressões para que os jornalistas revelem suas fontes”, Moretzsohn entende que “também deveria ser necessário pôr em causa certas práticas que, de tão recorrentes, passam a ser naturalizadas e aparecem como normais e indiscutíveis. O caso do jornal de São José do Rio Preto poderia proporcionar essa oportunidade” [grifo nosso].

Em alguns parágrafos não reproduzidos por Lewandowski, a professora questiona no mesmo artigo o fato de se “considerar que só os responsáveis pelas investigações devem zelar pelo segredo de Justiça”. E prossegue: “Por que os jornalistas também não estariam implicados nesse compromisso? Por que estariam autorizados a romper com uma determinação judicial? Por que não seriam cúmplices de uma violação?”

Muito antes da decisão liminar de Lewandowski, foram publicadas várias manifestações elucidando essas questões.

1) O site “Consultor Jurídico” registrou:

Em 2011, quando houve a abertura do inquérito, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, reprovou o indiciamento do jornalista. Segundo ele, o sigilo da informação, quando chega à mídia, não é mais sigilo. Para o ministro, “se há responsabilidade, é daquele que quebrou o sigilo”. Ao comentar o caso, Marco Aurélio foi direto: “O jornalista não pode ser apenado por ter acesso à notícia.”

2) Em junho de 2011, o jornalista Reinaldo Azevedo escreveu em seu blog sobre o caso do jornal de São José do Rio Preto:

Parece que o promotor ainda não entendeu que jornalista não é funcionário do estado ou do governo — quer dizer: alguns são… Alguém quebrou o tal segredo e forneceu as informações ao repórter. Se ele sabe, outros também saberão. Melhor uma informação que vem a público do que outra que fique circulando nos bastidores, fomentando chantagem. Jornalista não quebra segredo de Justiça! No máximo, noticia a quebra, o que é coisa bem diferente.

Se esse negócio prospera, chegará ao Supremo. E, evidentemente, Allan estará livre de qualquer punição.

3) Eis trechos de editorial da Folha, publicado em 20 de dezembro de 2014, sob o título “A ameaça da mordaça“:

Vez ou outra algum juiz brasileiro, não sem a cumplicidade de autoridades investigativas, decide mandar às favas a liberdade de expressão e a de informação, garantias constitucionais das mais importantes para as democracias.

(…)

O dever de preservar o segredo recai sobre os funcionários do Estado, e não sobre cidadãos no uso do direito de expressão; a sanção, assim, jamais deve se dirigir a quem publica notícias.

Ao mesmo tempo, o sigilo de fonte constitui ferramenta indispensável para a plena liberdade de informação. Sem essa garantia, se calariam todos os que, sabendo de fatos de interesse público, gostariam de divulgá-los sem revelar a própria identidade. Inúmeros escândalos de corrupção deram-se a conhecer dessa maneira.

A revisão dessa decisão esdrúxula, portanto, torna-se um imperativo. Se ela prosperar, estará aberto mais um precedente perigoso para que pilares da democracia sejam solapados”.