“Incendiar fóruns e caçar juízes não é novidade em terras maranhenses”

Frederico Vasconcelos

Fórum Buriti

Sob o título “Je suis Jorge“, o artigo a seguir é de autoria de Marcelo Silva Moreira, Juiz de Direito e Vice-presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão.

 

Buriti, fruto avermelhado, doce qual melado, saboroso e muito apreciado nesse Brasil multifacetado.

Buriti, município maranhense, pequenino e acanhado, de gente simples e sofrida, que do fruto herdou o nome, mas que agora será lembrado, tal como a majestosa Paris, não como cidade luz ou berço da liberdade, mas como palco triste e sem paz, da barbárie dos incautos.

O terror na invasão do Fórum da Comarca de Buriti, onde o seu juiz titular teve que lutar contra um dos agressores por sua vida, guarda, na essência, o mesmo ódio, a mesma intolerância do massacre aos cartunistas do “Charlie Hebdo”, em Paris.

Na terra de Gonçalves Dias, além das “palmeiras onde canta o sabiá”, degolam-se presos em penitenciárias, tal como o fazem os terroristas do ISIS. É nesse cenário de horror, que os magistrados maranhenses exercem seu mister.

A docilidade da pacata Buriti esvaiu-se na fúria de marginais, que tal qual black blocs, encontram na violência não uma forma de protestar, mas a sua própria razão de ser, afinal, terroristas não viram homens bomba pela simples promessa de passar a sua existência pós-morte no paraíso em companhia de 72 virgens, do mesmo modo que correligionários políticos não invadem a machadadas e incendeiam o fórum de uma comarca porque buscam fazer justiça ao candidato que apoiavam, não beneficiado pela sentença proferida. Há algo além disso.

Se até um cartunista deve ter o direito de manifestar seu pensamento através de uma charge, ainda que de muito mau gosto, que se dirá de um juiz, de proferir sua decisão, sob o crivo do contraditório, num País que se intitula democrático?

E se de democracia e liberdade estamos falando, como se admitir que o atentado sofrido por Jorge Leite, juiz de direito no Maranhão, tenha sido apenas mais um na história recente do Estado? Incendiar fóruns e caçar magistrados não é novidade em terras maranhenses.

Não creio serem políticas ou religiosas, as razões fundamentais das ações de terroristas e dos marginais de Buriti. Se a essência da política deve ser a busca do bem comum, e da religião a aproximação do modelo da divindade, como se admitir que as manifestações dos bárbaros se justifiquem em quaisquer de tais premissas?

Neste Brasil esquizofrênico, onde esquemas nunca antes vistos de corrupção envolvendo as maiores autoridades do país não são capazes de impedir sua vitória nas eleições, o cidadão que confere o voto ao corrupto é o mesmo que, em suposta ação contra o mau gestor, destrói logradouros públicos, incendeia ônibus e bloqueia estradas.

O que estamos constatando, ante a sistematização da violência, é um verdadeiro processo de fragmentação do mal. É como se, de uma hora para outra, a violência tenha sido alçada ao estágio de panacéia para todos os problemas. Se os políticos não são bons, depredam-se os parlamentos; se a sentença não agradou, incendeia-se o fórum; se alguma condição social não é satisfatoriamente atendida, bloqueia-se a estrada impedindo o livre exercício do direito de ir e vir das pessoas.

E nesse movimento contínuo de mobilização cada vez maior em torno da violência, o que se vê é que parcela não desprezível da população seria se não capaz de agir tal qual os invasores de Buriti, mas de apoiar tais ações ou de não repudiá-las com a ênfase que merecem. Basta ver o que se diz no mundo paralelo das redes sociais, onde vítimas são comumente transmudadas em carrascos. No caso de Buriti, pasmem, não faltaram asseclas a apoiar o atentado ao Juiz em seu local de trabalho.

O que mais importa, no entanto, é discutirmos acerca dos motivos que levam pessoas, de uma hora para outra, a comportarem-se tal qual animais predadores. Haveria algo em comum na cooptação de jovens ocidentais às frentes de batalha de grupos terroristas com a arregimentação de manifestantes para destruir fóruns e caçar juízes no Maranhão?

Esse verdadeiro fetichismo à violência encontra na banalização das relações sociais, na falta de oportunidades de emprego, na ausência de educação e na intolerância à liberdade de expressão e pensamento, terreno fértil à proliferação de radicais de toda ordem.

De outro lado, não se pode desconsiderar, no caso de Buriti, um contínuo processo de enfraquecimento do Poder Judiciário, ante a equivocada generalização dos raros casos de má conduta por parte de alguns juízes e da populista campanha contra prerrogativas da magistratura, como se elas representassem simples privilégios e não salvaguardas da própria sociedade para garantia de um Judiciário livre de quaisquer pressões políticas, sociais ou ideológicas.

O que se espera, tanto na guerra contra o terror, quanto no caso de Buriti é que, para além da responsabilização dos culpados e do incremento da necessária prevenção em face de novas agressões, se busque investir na contenção das verdadeiras causas da violência e isso, certamente, não se alcançará na aplicação da máxima de Talião – olho por olho, dente por dente – mas sim na diminuição dos abismos sócio-econômicos e culturais, o que só se conquista com educação e respeito às diferenças.

Enquanto isso, magistrados, sigamos resignados trabalhando, tal qual o colega Jorge Leite, fazendo de nossa honradez e amor a profissão, armas contra a covardia e intolerância, inspirados nos versos da magistral La Marseillaise:

“Avante, filhos da Pátria, O dia da Glória chegou.
Contra nós, da tirania
O estandarte ensangüentado se ergueu.
O estandarte ensangüentado se ergueu.
Ouvis nos campos
Rugirem esses ferozes soldados?
Vêm eles até aos nossos braços
Degolar nossos filhos, nossas mulheres.
Às armas cidadãos!”